Como flores na primavera, assim são os políticos em ano de
eleições. Eles podem ser vistos em toda parte. Suas fotos, nomes e números são
quase onipresentes. Todos querem ser lembrados pelo público. Discrição ou
timidez é algo impensável nesse período. E vale tudo para isso acontecer,
inclusive ataques pessoais contra os adversários políticos. A situação não era
diferente no antigo Egito. Faraós não eram conhecidos por sua humildade ou
pequenos atos, mas sim pelas batalhas e vitórias alcançadas com inteligência e
força. Nas paredes de templos e palácios do antigo Egito podem ser vistas cenas
de tais vitórias. E com elas, podem ser lidas inscrições em que o monarca
orgulhosamente afirma sua superioridade diante do exército adversário. Por
causa desta ideologia triunfalista, os egípcios nunca admitiam derrota.
Não apenas eles, mas os reis dos povos da Crescente Fértil, que
também é chamada de Antigo Oriente Médio, dificilmente reconheciam um fracasso
numa campanha militar ou a contenção de uma revolta em seu império. Por
exemplo, em determinado momento do seu reinado, o faraó Ramsés II arregimentou
suas tropas para lutar contra um império rival, os Hititas, que dominavam parte
do que conhecemos hoje como Turquia e Síria e na ocasião eram liderados pelo
rei Muwatallis. A batalha de Kadesh, como ficou posteriormente conhecida, se
tornou célebre. Temos tanto a versão egípcia de como ela foi, bem como a
hitita. Ambas as versões clamam vitória nesse confronto. Não sabemos quem
ganhou a batalha de Kadesh. Dificilmente um governante do mundo antigo
reconheceria uma derrota.
Havia uma outra prática nessa batalha ideológica. O rei derrotado
era geralmente deixado sem nome nos textos, como uma forma de humilhação. Eis
alguns exemplos:
a) Quando o Faraó Thutmoses III, em Megido, sufocou uma rebelião
iniciada pelo rei de Kadesh, ele se refere a este rei como “aquele miserável
rei de Kadesh”, ou “aquele miserável rei”;
b) Numa cena em que Seti I pode ser visto perseguindo o rei dos
Hititas e o acertando com flechas, as 20 linhas de texto descrevendo a batalha
não mencionam o nome do rei derrotado;
c) Nos poemas e descrições militares de Ramsés II da já mencionada
batalha de Kadesh, em nenhum momento o rei hitita é mencionado pelo nome, mas
sempre referido como “o inimigo de Hati” (como império hitita também era
chamado) ou “o miserável rei de Hati”.
Ao que parece, essa prática de não nomear o rei derrotado foi
adotada pelo autor do livro de Êxodo, Moisés. Nos quinze capítulos iniciais da
obra, o(s) faraó(s) jamais é(são) mencionado(s) pelo nome. Alguns (muitos, eu
diria) tomam essa ‘falta de objetividade histórica’ para afirmar que a história
dos israelitas no Egito não passa de uma ficção criada pela elite sacerdotal
nos dias do rei Josias, rei de Judá, no sétimo século a.C., durante sua reforma
religiosa. Sendo assim, por que tal documento seguiu uma prática egípcia (não
nomear o rei derrotado) que não era mais utilizada nos dias de Josias e bem
diferente daquela que os babilônicos e assírios seguiam?1 Nesse
ponto, a história do Êxodo parece apontar para um período mais próximo dos
eventos que ali são narrados.
O autor de Êxodo sabia o nome do faraó da ocasião?2 Eu
creio que sim. Ele sabia o nome das parteiras que ajudaram as mulheres
hebreias, Sifrah e Puah (Êx. 1:15)! Tal omissão foi deliberada. Os quinze
capítulos iniciais de Êxodo são uma batalha ideológica entre Yahweh, o
Deus dos israelitas, e faraó, o rei divino egípcio. Quando confrontado por
Moisés pela primeira vez para deixar seu povo abandonar a casa da servidão, em
Êxodo 5:1-2, o monarca egípcio arrogantemente pergunta: “Quem é o Senhor para
que eu obedeça a sua voz para deixar Israel ir? Eu não conheço o Senhor, e
também não deixarei Israel ir.” Se Faraó não conhecia a Deus, Moisés fez
questão de apresentá-Lo nos capítulos seguintes. A pergunta não deveria ser
“quem foi o faraó do Êxodo?”, mas sim “Quem é o Deus do Êxodo?”, e a resposta
para essa pergunta está na sua Bíblia.
Luiz Gustavo Assis (Adventistas.org)
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1 Babilônios
e assírios documentavam todos os detalhes de suas batalhas, inclusive o nome
dos reis derrotados. Muitos céticos rejeitam as histórias bíblicas,
principalmente o Êxodo, devido à falta de evidências diretas que as
comprovem. No caso do Êxodo, existem diversas evidências indiretas
que reconstroem bem o ambiente histórico que o autor bíblico descreve ali. Meu
professor James K. Hoffemeir é um dos principais pesquisadores na área com dois
livros publicados sobre o assunto, “Israel in Egypt: The Evidence for the
Authenticity of the Exodus Tradition” (Oxford University Press, 1996), e “Ancient
Israel in Sinai: The Evidence for the Authenticity of the Wilderness Tradition”
(Oxford University Press, 2005). Ambos sem previsão de publicação em língua
portuguesa.
2 Aqueles
que defendem a realidade histórica do Êxodo estão divididos em duas datas: uma
durante a 18a dinastia (ca. 1450), com base em 1 Reis 6:1, e tendo mais de um
Faraó como candidato (Thutmoses III/IV), e outra data durante a 19a dinastia
(ca. 1260 a.C.), tendo Ramsés II como o Faraó da história. Como o artigo não é
sobre a data do Êxodo não entrarei em maiores detalhes sobre a discussão
envolvendo as duas datas.