[Os tempos mudaram e a tecnologia aprimorou muitos dos recurso audiovisuais da atualidade. Todavia, nem todos aprovam a utilização de alguns desses recursos como ferramenta para aproximar as pessoas da verdade de Deus. Como exemplo disso, podemos citar o uso de dramatizações cinematográficas, que conhecemos hoje por cinema que, por ser a principal ferramenta de massificação do pecado pelas empresas de entretenimento, atrai dissabores, forte rejeição e contrariedade por parte de muitos cristãos. Sem dúvida, todo o cuidado ainda é pouco, mas será que existe algum ponto de ponderação neste quesito? Há algum contexto favorável? Por ser um tema delicado, inseri abaixo um artigo escrito em 1996 pelo Pr. Alberto Timm que na época era o diretor geral do Centro de Pesquisas Ellen White do Brasil. Embora antigo em data, as fontes permanecem atuais. Tirem as suas conclusões].
O uso de dramatizações na igreja
Especialistas na área de comunicação têm afirmado que aprendemos 83% das informações do mundo
exterior através da visão; 11% através da audição; e 6% distribuídos entre o
tato, o olfato e o paladar. Isto significa que nos lembramos muito mais daquilo
que vemos do que daquilo que meramente ouvimos.
Se
a visão é tão eficaz no processo da comunicação, deveria a Igreja Adventista do
Sétimo Dia valer-se apenas de recursos auditivos na proclamação do
"evangelho eterno" (Apoc. 14:6)? Até que ponto poderia esta
denominação incorporar recursos visuais e dramatizações em seus serviços
religiosos, sem com isso infringir princípios expostos na Bíblia e nos escritos
de Ellen White?
A
fim de respondermos a estas questões, consideraremos, inicialmente, alguns
antecedentes do uso de dramatizações na literatura bíblica e nos escritos da
Sra. White. Procuraremos, então, identificar alguns princípios básicos que
poderão nos ajudar a estabelecer parâmetros seguros sobre o assunto.
No
Antigo Testamento - A liturgia do Antigo Testamento centralizava-se nos
rituais simbólicos, primeiro, dos altares patriarcais; depois, do tabernáculo
mosaico; e, por último, do tempo de Jerusalém. Esses serviços, ministrados por
sacerdotes (cf. Êx 28 e 29; Lv 8), constituíam uma prefiguração dramática da
salvação que haveria de se concretizar através do sacrifício e do sacerdócio de
Cristo. Animais representavam a Cristo; a imolação desses animais simbolizava a
morte de Cristo; e o sangue deles prefigurava o sangue de Cristo. Também as
festas de Israel eram marcadas por inúmeras dramatizações (ver Êx 12:1-27; Lv
16 e 23). Ellen White denomina todo esse sistema centralizado no santuário de
"o evangelho em figura".
Outro
ato religioso dramático do Antigo Testamento era a cerimônia da circuncisão.
Esse ato foi ordenado por Deus como um símbolo exterior do concerto entre Ele e
Seu povo.
Em
Números 21:4-9, Deus ordenou que Moisés preparasse e levantasse uma
"serpente de bronze", como um símbolo de Cristo. Todos aqueles que
olhassem com fé para aquela serpente, viveriam.
Dramatizações
săo encontradas também nos livros proféticos do Antigo Testamento. O próprio
Deus usou recursos pictóricos para descrever realidades sócio-políticas e
religiosas nas visões proféticas registradas em tais livros, como Ezequiel,
Daniel e Zacarias. Por exemplo, no capítulo 2 do livro de Daniel, a Segunda
Vinda de Cristo é representada pela grande pedra que feriu os pés da estátua.
Já no capítulo 1 de Oséias, encontramos Deus ordenando que o próprio profeta
(Oséias) dramatizasse a apostasia espiritual de Israel, casando-se com uma
prostituta.
Portanto,
o uso de recursos visuais (incluindo dramatizações) permeava o culto do Antigo
Testamento. Tais recursos eram parte do serviço do santuário, da cerimônia da
circuncisão e dos ensinos proféticos. Mas o emprego de tais recursos visuais
não se limita apenas ao Antigo Testamento.
No
Novo Testamento - Os quatro Evangelhos apresentam inúmeras ocasiões em que
Cristo usou ilustrações vívidas da Natureza e da vida diária para ensinar
lições espirituais. Ele não apenas Se valeu do recurso didático das parábolas,
mas até comparou-Se a Si mesmo com tais figuras como a água (Joăo 4:10), o pão
(6:41 e 48), a luz (8:12), a porta (10:9), o pastor (10:14) e a videira (15:1-5).
A
própria cerimônia do Batismo é uma dramatização simbólica, instituída por
Cristo para marcar o início de uma vida de consagração a Deus. Cristo não
apenas submeteu-Se a essa cerimônia (Mateus 3:13-17), mas também ordenou que
ela fosse ministrada a todos quantos aceitassem o evangelho (28:18-20).
Até
mesmo Sua morte dramática sobre a cruz tinha propósitos didáticos. Ellen White
declara que "a cruz é uma revelação, aos nossos sentidos embotados, da dor
que o pecado, desde o seu início, acarretou ao coração de Deus". Ela
acrescenta que "o Calvário aí está como um monumento do estupendo
sacrifício exigido para expiar a transgressão da lei divina".
Esse
evento dramático ocorreu sobre uma cruz com o objetivo de tocar os "nossos
sentidos embotados". Ele é relembrado simbolicamente através da cerimônia
da Santa Ceia (ver Mateus 26:17-30; João 13:1-20), que é, por sua vez, uma
dramatização litúrgica ordenada por Cristo para ser repetida periodicamente por
Seus seguidores (cf. Joăo 13:13-17; 1Co 11:23-26).
À
semelhança de alguns livros proféticos do Antigo Testamento, o conteúdo do
Apocalipse de João é caracterizado por dramatizações simbólicas, que descrevem
pictoricamente o desenvolvimento do plano da salvação no contexto do grande
conflito entre as forças do bem e os poderes do mal.
Por
conseguinte, o Antigo e o Novo Testamentos estão permeados de dramatizações
simbólicas. Especialmente o Batismo e a Santa Ceia são dramatizações do plano
de salvação, instituídas pelo próprio Cristo como parte da liturgia de Sua
igreja.
Nos
Escritos de Ellen White - Analisando-se os escritos de Ellen White,
percebe-se, por um lado, que ela: (1) endossa reiteradas vezes as dramatizações
litúrgicas do Antigo Testamento (o cerimonial do santuário, etc.); (2) enaltece
as dramatizações litúrgicas do Novo Testamento (o Batismo, o Lava-pés, a Santa
Ceia, etc.); (3) engrandece o ritual sacerdotal de Cristo no Céu; (4) não
criticou a dramatização a que assistiu na Escola Sabatina de Battle Creek, em
1888; (5) não condenou a encenação do Natal de 1888, em Battle Creek, mas
simplesmente expressou sua aprovação aos pontos positivos do programa e sua
desaprovação aos pontos negativos; e (6) não condenou o uso das bestas de
Daniel e do Apocalipse como ilustrações evangelísticas.
Por
outro lado, várias citações de Ellen White desaprovam o uso de qualquer tipo de
exibicionismo teatral. Estariam essas citações condenando indistintamente todo
tipo de dramatização? Eu creio que não, pois, se assim fosse, teríamos que
eliminar até mesmo o Batismo e a Santa Ceia de nossas igrejas.
É
interessante notarmos que as próprias citações de Ellen White que desaprovam o
uso de exibições teatrais, identificam também as características negativas
básicas que a levaram a se opor a tais exibições. Dentre essas características
destacamos as seguintes: (1) afastam de Deus; (2) levam a perder de vista os
interesses eternos; (3) alimentam o orgulho; (4) excitam a paixão; (5)
glorificam o vício; (6) estimulam o sensualismo; e (7) depravam a imaginação.
Disto
inferimos que dramatizações são aceitáveis, em contrapartida, quando: (1)
aproximam de Deus; (2) chamam a atenção para os interesses eternos; (3) não
alimentam o orgulho; (4) não excitam a paixão; (5) desaprovam o vício; (6) não
estimulam o sensualismo; e (7) elevam a imaginação.
Na
Igreja Adventista - Grupos de dramatização têm participado frequentemente
em vários programas de TV mantidos pela Igreja Adventista do Sétimo Dia, ao
redor do mundo. Elencos especiais de dramatização foram necessários também para
a produção dos filmes e/ou vídeos Um em Vinte Mil (EUA), O Grande Conflito
(Argentina), Heróis da Fé (Austrália), O Barquinho Azul (Brasil) e muitos
outros. Evangelistas adventistas usam um número significativo de filmes em suas
séries de conferências públicas.
Dramatizações
fazem parte ainda da vida da grande maioria dos internatos mantidos pela
denominação. Elas são usadas também em nível de igrejas locais, tanto em
programas alusivos ao Dia das Mães e ao Natal, como nos departamentos infantis
da Escola Sabatina.
Várias
dessas dramatizações têm elevado espiritualmente tanto os apresentadores como
aos que a elas assistem. Existem, no entanto, aqueles que pensam que os fins
justificam os meios e que boas intenções são o único critério determinante para
a aceitação de um determinado programa. Mas se restringíssemos os critérios
apenas ao nível das intenções, certamente incorreríamos no grave erro de
abrirmos as portas a todo e qualquer tipo de programação
"culturalmente" aceitável.
Critérios
básicos - Cuidadosa consideração deve ser dada, não apenas para as intenções,
mas também para a própria natureza do programa, e escolha dos participantes,
bem como ao tempo e local adequados tanto para o ensaio como para a
apresentação da cena.
As
dramatizações devem: (1) evitar o elemento jocoso e vulgar; (2) evitar o uso de
fantoches (animais e árvores que falam, etc.); (3) ser bíblica e historicamente
leais aos fatos, como estes realmente ocorreram; e, acima de tudo, (4) exaltar
a Deus e Sua Palavra (e não os apresentadores da programação).
Já
os apresentadores devem ser pessoas cuja vida espiritual e conduta estejam em
plena conformidade com os princípios adventistas, e que estejam dispostos a
acatar as orientações da liderança da congregação local e das organizações
superiores da denominação. Prudente seria que todos os participantes de um
elenco de dramatização fossem escolhidos boa base nas diretrizes sugeridas pelo
Manual da Igreja Adventista do Sétimo Dia para a seleção dos "membros do
coro da igreja".
A
liderança da igreja, por sua vez, é responsável por prover orientações
adequadas aos apresentadores de dramatizações. A ela compete exercer uma função
equilibradora, para que as programações sejam um meio (e não um fim) de melhor
glorificar a Deus e de mais efetivamente comunicar o evangelho ao mundo. Jamais
deve permitir que dramatizações venham obliterar a centralidade da pregação da
Palavra na liturgia adventista.
Conclusão
- Portanto, dramatizações permeiam a liturgia tanto do Antigo como do Novo
Testamentos. Ellen White, por sua vez, não condena todo tipo de dramatização,
mas apenas as exibições teatrais que afastam e Deus, levam a perder de vista os
interesses eternos, alimentam o orgulho, excitam a paixão, glorificam o vício,
estimulam o sensualismo e depravam a imaginação.
Se
alegarmos que toda e qualquer dramatização é inapropriada, teremos,
consequentemente, de suspender: (1) o uso de filmes, que são o produto de
dramatizações; (2) a maior parte das programações dos departamentos infantis da
Escola Sabatina (colocar coroas na cabeça das crianças, cenas do Céu, etc.);
(3) todas as "cantatas" e grande parte das apresentações musicais de
nossas igrejas; e, até mesmo (4) a celebração das cerimônias do Batismo e da
Santa Ceia.
Por
outro lado, devemos ser cuidadosos tanto na avaliação da natureza do programa,
como na escolha dos apresentadores e do tempo e do local dos ensaios e da
apresentação. O uso adequado de dramatizações implica não meramente agirmos em
conformidade com nossa própria consciência (sendo ela santificada), mas também
com base nos princípios bíblicos e dos escritos de Ellen White. Toda cena deve
glorificar a Deus e não aos apresentadores.
Referências:
1.
Fundamentos da Educação Cristã, pág. 238.
2.
Educação, pág. 263.
3.
Caminho a Cristo, pág. 33.
4.
Educação, pág. 263.
5.
Para um estudo mais detido das declarações de Ellen White sobre dramatizações,
ver Arthur L. White, "Representações Dramáticas em Instituições
Adventistas" (Documento disponível no Centro de Pesquisas Ellen G. White,
Instituto Adventista de Ensino - Campus 2, Engenheiro Coelho, SP). Tais
declarações podem ser melhor compreendidas através da leitura do artigo
intitulado "Divertindo as Massas", de Benjamin McArthur, em: Gary
Land, ed., The World of Ellen G. White (Washington, DC: Review and Herald,
1987), págs. 177-191.
6.
A. L. White, "Representações Dramáticas em Instituições Adventistas",
pág. 1.
7.
Idem, págs. 5 e 6.
8.
As principais citaçőes de Ellen White nas quais ela expressa sua desaprovação
ao uso de exibições teatrais, encontram-se no livro Evangelismo, págs. 136-140.
9.
Ver A. L. White, "Representações Dramáticas em Instituições
Adventistas".
10.
Ver Manual da Igreja Adventista do Sétimo Dia, 8Ş ed. (Tatuí, SP: Casa
Publicadora Brasileira, 1992), pág. 111
Alberto
R. Timm - Publicado na Revista Adventista de Setembro de 1996