Desde sua reformulação, em 2015, quando
mudou de “Zorra Total” para apenas “Zorra”, o humorístico transmitido aos
sábados pela rede Globo vem apregoando que fugiria dos bordões e piadas sobre
negros, gays e outros tópicos que não são mais considerados aceitáveis. Os
quadros do programa, no formato de esquetes que se assemelham mais ao humor de
canais populares no Youtube, passaram a focar em paródias musicais, piadas
nonsense, sátiras políticas e, com frequência, abordar temas religiosos. O ator
Welder Rodrigues tem interpretado com regularidade um pastor pentecostal que
realiza libertações em sua igreja. Nas últimas semanas, ele aparecia na tela
fazendo orações por um fiel vivido por Luis Miranda.
Um dos programas exibiu um quadro onde o
pastor realizava exorcismo no culto de “Descarrego do Vício”. Miranda estava
possuído pelo “espírito da jogatina”, porém, o líder religioso preferiu não
expulsar essa entidade. Ele optou por levar o endemoninhado para fazer dupla
com ele em uma competição de carteado, onde ganhou muito dinheiro. Já no dia 9
de junho, o possuído interpretado por Miranda reclamava da libertação. Após o
demônio sair, o pastor pede que o fiel “pague o dízimo”. Quando o liberto pede
um “recibo” ao personagem de Welder, para poder debitar do Imposto de Renda, o
pastor se recusa.
Diante disso, a exigência do liberto é
que o demônio, que seria bom para ele, voltasse, uma vez que a igreja não
pagava impostos, mas ele sim. Assista aqui.
Essa visão distorcida do que seria “certo” ou “errado” na religião cristã do
Zorra não se aplica apenas aos evangélicos. No programa mais
recente, Welder Rodrigues interpreta um outro líder religioso: o papa. Numa
esquete onde ele diz que o Vaticano irá participar da Copa do Mundo, ouve a
preocupação dos cardeais que seriam escalados, sobre a pouca chance de
vencerem. O pontífice assegura: “Deus está do nosso lado”.
Durante o primeiro jogo, o papa cruza
uma bola e surge em campo uma figura iluminada, representando a Deus, que faz o
gol de mão. Na comemoração do tento, que ocorreu de forma desonesta, Welder se
ajoelha e agradece: “la mano de Dios”, uma referência ao controverso gol de mão
de Maradona no jogo Argentina X Inglaterra na Copa de 1986. Apesar da
ilegalidade, o jogador minimizou ter violado as regras do esporte, alegando que
teve ajuda divina.
Isso está longe de ser mais uma piada
inócua, afinal o Zorra no ano passado havia feito um quadro onde Deus era
representado como
uma pessoa LGBT. Questionar o caráter de Deus e tentar retratar um demônio
como algo “bom” e que pode trazer algum tipo de vantagem realmente ultrapassa
os limites do humor e se caracteriza, mais uma vez, como elementos de uma
campanha contínua da emissora para ridicularizar a fé cristã e seus princípios.
Nota Gilberto Theiss: A justificativa
para trazer elementos religiosos da fé cristã para o palco do humor se baseia
na premissa de ser apenas um mero entretenimento e que isto não se caracteriza
como desrespeito. Mas, esta justificativa serve para satirizar apenas a religião.
Experimente satirizar, especialmente, as ideologias defendidas pela mesma
emissora. A fé, que é algo íntimo de uma sociedade, família ou pessoa, pode ser
humorizada, ou melhor esculhambada, mas... O resto, você já sabe. Se ter uma
opinião respeitosa diferente, sobre, por exemplo, ideologia de gênero, já é
considerado preconceito, imagine fazer qualquer tipo de humor.