Para mim, a maior evidência de que a vida na Terra foi criada e não
surgiu espontaneamente a partir da operação das leis da física e da química é o
próprio fato de que todas as tentativas para demonstrar isso enfrentam
barreiras intransponíveis. Até o século 19, era comum a crença de que vida
poderia surgir espontaneamente de matéria orgânica em decomposição. Na década
de 1860, Louis Pasteur realizou experimentos que demonstraram a inviabilidade
do surgimento de vida de forma espontânea a partir de matéria orgânica em
decomposição. Em 1924, Oparin publica The Origin of Life (A
Origem da Vida) propondo o surgimento da vida pela acumulação sucessiva de
populações moleculares cada vez mais complexas em gotículas de um
coacervado.[1] Em 1929, Haldane publica ideias semelhantes às de Oparin.
O físico Freeman Dyson, em seu Origins of Life, diz que a
teoria de Oparin foi popular entre os cientistas por cerca de meio século, “não
porque houvesse qualquer evidência para apoiá-la, mas, antes, porque ela
parecia ser a única alternativa para o criacionismo bíblico.”[2]
Em 1953, Urey e Miller, tentando comprovar as hipóteses de Oparin e
Haldane, realizam seu célebre experimento procurando simular as condições da
Terra primitiva para obter compostos orgânicos. Eles conseguiram obter, entre
outras coisas, pequenos aminoácidos, que são matéria-prima para a formação de
proteínas (componente principal de seres vivos). Alguns dos problemas com esse
experimento são as evidências que surgiram de que a atmosfera da Terra primitiva
não poderia ser redutora como simulado ali, e o de que os compostos orgânicos
produzidos precisavam ser retirados rapidamente do meio de reação para não
serem destruídos pelas descargas elétricas que os criavam.[3, 4]
Até o final da década de 1960, os pesquisadores da origem da vida se
defrontavam com o dilema: quem surgiu primeiro, proteínas ou ácidos nucleicos?
Porque proteínas dependem de ácidos nucleicos (DNA e RNA) para sua formação e
ácidos nucleicos dependem de proteínas enzimáticas para serem sintetizados e
exercerem suas funções.
Na década de 1960, Carl Woese, Francis Crick e Leslie Orgel propuseram
que a molécula de RNA, além de sua função informacional, poderia exercer uma
função catalítica (como proteínas enzimáticas).[5] E na década de 1980, Sidney
Altman e Thomas Cech, independentemente, confirmaram que RNAs podem atuar como
catalisadores em reações químicas.[6]
O dilema de quem teria surgido primeiro, proteínas ou ácidos nucléicos,
parecia solucionado. Gerald Joyce e Leslie Orgel estão entre os pesquisadores
que propuseram um mundo primitivo de RNA em que essa molécula teria atuado como
a fornecedora da informação genética ao mesmo tempo que realizando as reações
catalíticas para sua própria formação.[7]
Outros pesquisadores propuseram uma origem da vida por meio de um
metabolismo primitivo em que catalisadores metálicos possibilitariam o
estabelecimento de um ciclo metabólico a partir de moléculas pequenas.[8]
Os desafios enfrentados pelo modelo de um mundo primitivo de RNA são
descritos na revista Scientific American, de 12 de fevereiro de
2007, por Robert Shapiro.[8] A seguir, apresento um resumo de alguns desses
desafios:
A molécula de RNA é formada por nucleotídeos. Um nucleotídeo é formado
por um açúcar, um fosfato e uma base, sendo estes formados por 9 ou 10 átomos
de carbono, átomos de nitrogênio, oxigênio e fósforo. As combinações possíveis
que esses átomos poderiam formar espontaneamente na natureza são muitas e não
existe uma razão para se acreditar que seriam preferencialmente as que
formariam RNA. A síntese prebiótica (de substâncias da Terra primitiva)
realizada em laboratório utiliza, normalmente, quilogramas de material inicial
para obter miligramas do produto. Explicando: os reagentes necessários para
cada etapa da formação de RNA obtidos nesse tipo de síntese são sempre em
quantidades ínfimas. A despeito disso, eles são utilizados em grandes
quantidades nas etapas de reação. Quem ou o que forneceria essas quantidades
grandes na Terra primitiva?
Algumas das condições invocadas para tornar possível a síntese de RNA na
Terra primitiva são: lagoa seca, lagos glaciais congelados, reservatórios de
água fresca em flancos de montanha, correntes fluindo, praias, desertos secos,
aquíferos vulcânicos e o oceano global inteiro (congelado ou aquecido, quando
necessário). Em outras palavras, são necessárias condições extremas que
precisam variar entre uma etapa das reações e outra, ou seja, mudanças bruscas
que precisam acontecer muito rápido para que as moléculas não se percam no ambiente
antes de a reação se realizar. A alternativa opcional para contornar esses
problemas – a de uma molécula mais simples que a de RNA que a teria originado –
enfrenta desafios ainda maiores. Por exemplo: unidades da molécula são
combinadas ao acaso e não da maneira correta, são formados híbridos curtos da
molécula desejada, formam-se cadeias terminadas ao invés de uma mais longa
mantendo as funções de replicação e catalíticas.
A hipótese de uma origem da vida por meio de um metabolismo primitivo
também enfrenta vários problemas. Um trabalho publicado em 26 de janeiro de
2010, na PNAS, conclui o seguinte a respeito de cenários de
metabolismo primeiro na origem da vida: “A replicação da informação de
compostos é tão imprecisa que os mais ajustados genomas de compostos não se
mantêm pela seleção e, portanto, falta-lhes capacidade de evolução. [...]
Concluímos que essa limitação fundamental de conjuntos de replicadores adverte
contra teorias de origem da vida de metabolismo primeiro.”[9]
Devido às dificuldades encontradas para demonstrar praticamente a
viabilidade desses modelos, pesquisadores buscaram um modelo alternativo. Esse
novo modelo tenta produzir simultaneamente precursores dos três tipos de
moléculas orgânicas essenciais na formação de uma célula: ribonucleotídeos (que
compõem RNA), precursores de aminoácidos (que compõem as proteínas) e lipídios
(componentes importantes da membrana celular). Os pesquisadores Sutherland e
colaboradores publicaram seu trabalho na Nature Chemistry de
16 de março de 2015.[10]
Eles procuraram estabelecer uma rede de reações globais se desenvolvendo
ao longo do tempo em correntes e poças separadas. Seriam formados
ribonucleotídeos, precursores de aminoácidos e lipídios derivados de
homologação redutora de cianeto de hidrogênio e alguns de seus derivados. Os
passos fundamentais nas reações foram impulsionados por luz ultravioleta
utilizando sulfeto de hidrogênio como redutor e podendo ser acelerados por Cu
(I) e Cu (II).
Vários dos desafios que esse modelo enfrenta são tão monumentais quanto
os dos modelos do mundo de RNA e metabolismo primeiro. Só para citar alguns: as
diferentes etapas da rede de reações precisariam de um terreno inclinado para
que pudessem ir ocorrendo em poças separadas, pois são diferentes as condições
de que cada tipo de molécula precisa para se formar. Contudo, não seria
suficiente uma poça para cada um dos três tipos, até porque existem etapas
compartilhadas entre os tipos diferentes de moléculas a serem produzidos. Em
alguns casos, seria necessário que diferentes etapas para a formação de cada um
dos três tipos se realizassem em poças separadas também. Por exemplo, uma
determinada etapa precisa de pH neutro, enquanto a etapa seguinte precisa de um
pH alcalino. Outro problema: certa etapa precisa de radiação ultravioleta (UV),
a etapa seguinte precisa se realizar no escuro e a próxima precisa de luz
ultravioleta novamente. Esse tipo de problema é complicado de resolver, mesmo
com diferentes poças se formando ao longo de um terreno inclinado. Cada etapa
precisa ocorrer no momento certo com as condições certas e dependendo de
fenômenos tais como chuva, UV e outros ocorrerem no momento certo. Isso tudo
não apenas uma, mas repetidas vezes para que os componentes certos possam ser
produzidos a taxas razoáveis e não serem perdidos no ambiente. As coincidências
precisariam se repetir favoravelmente incontáveis vezes para que a rede de
reações se estabelecesse.
Contudo, esses são apenas pequenos problemas perto de outros ainda
maiores. Alguns exemplos: formação de isômeros (moléculas que têm os mesmos
átomos na mesma quantidade, mas arranjados de forma diferente), destruição dos
compostos formados pela luz ultravioleta, a necessidade de impacto de
meteoritos ou atividade geotérmica periodicamente para formação de compostos
necessários para o ciclo de reações, evaporação da água ocorrendo em uma etapa,
chuva ocorrendo na próxima etapa no momento certo e na quantidade adequada,
irradiação UV, seguida de reação no escuro, seguida de reação UV, chuvas
ocorrendo no fim das etapas corretas para escoar os produtos pelo terreno,
compostos convergindo em poças corretas, etc. Note-se que essas diferentes
condições e coincidências precisariam ficar se repetindo vez após vez sempre
nos momentos certos. Não pode chover sempre que precisar ocorrer evaporação,
não pode ficar seco por muito tempo sem chover, não pode estar escuro quando se
precisa de UV, mas também não pode haver UV por muito tempo. Em laboratório,
sob condições controladas, isso é possível, mas não na natureza. Mesmo assim,
algumas coisas no laboratório não correram tão bem, pois um dos aceleradores
das reações, o Cu (II), só era obtido transitoriamente.
Quando Oparin ou Darwin imaginaram que poderia ocorrer uma evolução
química das moléculas para a formação do primeiro ser vivo, ainda não se sabia
que as moléculas orgânicas da vida são nanomáquinas e que a célula é uma imensa
fábrica com linhas de montagem que funcionam sob condições muito precisas. Os
pesquisadores, aparentemente, perceberam que essas nanomáquinas são muito
interdependentes para funcionar separadamente e tentaram simular seu
aparecimento simultâneo. O problema que eles enfrentam é maior do que alguém
esperar que em uma praia com bastante areia, ventos, montanhas e minerais nas
proximidades, dado tempo suficiente, se forme um computador com sistema
operacional funcionando.
Outra questão sobre a origem dos seres vivos tem a ver com a crença
generalizada de que todas as espécies evoluíram ao longo de milhões de anos.
Darwin propôs que toda a diversidade de criaturas que encontramos hoje evoluiu
por meio da seleção natural, ou seja, que pequenas modificações nos organismos
que lhes conferissem alguma vantagem em termos de sobrevivência seriam mantidas
e passadas para os descendentes. A Teoria Sintética da Evolução, ou
Neodarwinismo, incluiu os conhecimentos de genética na teoria de Darwin. Assim,
até há pouco se acreditava que a diversidade encontrada nas espécies ocorria
lentamente ao longo de milhões de anos, pois um órgão bem desenvolvido, como
uma asa, por exemplo, precisaria de milhares de pequenas modificações ao acaso
até se tornar o que é hoje. Contudo, recentemente, diversos estudos têm trazido
à luz evidências de que modificações adaptativas podem ocorrer muito
rapidamente nos organismos, ativadas por mecanismos epigenéticos desencadeados
por modificações no ambiente. Um exemplo são os estudos do casal Peter e
Rosemary Grant acerca dos tentilhões na Ilha Dafne Maior (uma das ilhas de
Galápagos) por 40 anos. Esses tentilhões foram estudados por Darwin e se
acreditava que as diferenças entre eles evoluíram ao longo de milhões de anos.
O casal Grant observou períodos de seca e de chuva nessa ilha concomitantemente
com modificações nos bicos de tentilhões de acordo com a disponibilidade de
alimentos depois dos períodos de seca ou chuva. Essas modificações ocorreram em
intervalos de tempo tão curtos quanto dois anos.[11]
Ao que parece, nem sempre a seleção natural é o mecanismo primário de
adaptação dos organismos.
(Continua...) via (Criacionismo)
(Graça Lütz é bióloga e bioquímica)
Referências:
[1] OPARIN, A. I. Origin of life. http://www.valencia.edu/~orilife/textos/The%20Origin%20of%20Life.pdf
[2] DYSON, F. Origins of life. Cambridge, UK: Cambridge University Press,
1999/2000.
[3] TO THE UNIVERSE, W. The miller urey experiment. http://www.windows2universe.org/earth/Life/millerurey.html
[4] ZAHNLE, K., SCHAEFER, L., FEGLEY, B. Earth’s earliest
atmospheres. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2944365/ 2
10 2010.
[5] The discovery of ribozymes. http://exploringorigins.org/ribozymes.html
[6] SCOTT, W. G., KLUG, A. Ribozymes: structure and mechanism in rna
catalysis. https://ai2-s2-pdfs.s3.amazonaws.com/6853/3c931ec41d18d51b93327ad9ce02dee250e0.pdf6
1996.
[7] ROBERTSON, M. P., JOYCE, G. F. The origins of the rna world. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3331698/ 5
2012.
[8] SHAPIRO, R. A simpler origin for life. https://www.scientificamerican.com/article/a-simpler-origin-for-life/ 12
2 2007.
[9] VASAS, V., SZATHMáRY, E., SANTOS, M. Lack of evolvability in
self-sustaining autocatalytic networks constraints metabolism-first scenarios
for the origin of life. http://www.pnas.org/content/107/4/1470.full 26
1 2010.
[10] PATEL, B., PERCIVALLE, C., RITSON, D., DUFFY, C., SUTHERLAND, J.
Common origins of rna, protein and lipid precursors in a cyanosulfidic
protometabolism. Nature Chemistry, v. 7, p. 301–307, 3 2015.
[11] SKINNER, M. K., GURERRERO-BOSAGNA, C., HAQUE, M. M., NILSSON, E.
E., KOOP,
J. A., KNUTIE, S. A., CLAYTON, D. H. Epigenetics and the evolution of
darwin’s finches. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4159007/ 6
8 2014.