Este
artigo propõe-se a fazer uma avaliação do uso de “textos-prova” na hermenêutica
da Igreja Adventista do Sétimo Dia (IASD). Desde o movimento milerita no século
XIX, é corrente o uso de uma abordagem que seleciona, isola textos bíblicos ou
os dispõe numa lista (dicta probantia) com o objetivo de comprovar alguma
ideia. Tal procedimento metodológico na leitura e interpretação da Bíblia tem
sido retratado negativamente por sua suposta superficialidade e consequências
danosas na teologia adventista. A questão não é discutir a validade de
interpretações de certos textos bíblicos, mas analisar o “texto-prova” como
método de interpretação da Bíblia à luz da hermenêutica adventista. A discussão
é importante, pois tal procedimento metodológico se desdobra no ensino da
Bíblia, na pregação e na leitura e uso que a comunidade adventista faz das
Escrituras.
Um
pregador televisivo cita Lucas 12:32 (“Não temais, ó pequenino rebanho; porque
vosso Pai se agradou em dar-vos o seu reino ”) como garantia divina de prosperidade material. Em seu discurso, “reino” significaria “riqueza”. No entanto, o pregador omite o verso seguinte, que manda vender o s bens e dar aos pobres. Em outra comunidade, diante de uma proposta de inovação litúrgica, alguém argumenta contrariamente usando o texto de Provérbios 22:28 (“Não
removas os marcos antigos que puseram teus pais”); e confirma que “tal mudança
não pode
ser vontade de Deus” citando Malaquias 3:6a
(“Porque eu, o SENHOR, não mudo ...”). O
que esses relatos têm em comum é a técnica de comprovação de uma ideia ou uma
prática a partir de textos bíblicos selecionados e isolados. Essa abordagem
chama-se “método texto-prova” (em inglês, prooftexting), e é “a falácia básica
de nossa geração evangélica” (OSBORNE, 2009, p. 27). Nesse tipo de leitura
seletiva, a Bíblia é encarada como sendo uma coletânea de proposições a serem
cridas e de imperativos a serem obedecidos irrefletidamente (FEE; STUART, 1997,
p. 18). É com esse tipo de abordagem que denominações cristãs de manipuladores
de serpentes comprovam biblicamente sua prática (Mc. 16:18). Esse
artigo fará uma análise do uso de “textos-prova” na hermenêutica adventista.
Para tanto, será provido um levantamento histórico da prática no meio cristão
em geral e especificamente no adventismo. Então, utilizando critérios
hermenêuticos estabelecidos pela própria IASD, o uso de “textosprova” será
submetido a uma análise crítica.
Dicta Probantia: Origem do “método
texto-Prova”
Tradicionalmente,
os “textos-prova” eram referências bíblicas que apareciam entre parênteses ou
em notas de rodapé, em listas chamadas de dicta probantia.[2]
Tais listas davam suporte a alguma afirmação doutrinária feita em confissões de
fé, obras dogmáticas ou catecismos (ALLEN; SWAIN, 2011, p. 589).
Durante
o período Pós-Reforma, conhecido como Escolasticismo
Protestante, os protestantes seguiram a tendência de “praticamente subjugar as
Escrituras aos catecismos e credos da Reforma” (FEE; STUART, 1997, p. 243.).
Nesse período, o objetivo da interpretação bíblica parecia ser a confirmação
dos credos particulares e das declarações confessionais, através de deduções
extraídas dos “textos-prova”. A exegese se tornou uma “criada da dogmática, e
muitas vezes degenerou-se em mera escolha de texto para comprovação” (VIRKLER,
2001, p. 50). Tanto entre católicos quanto entre protestantes, a teologia 67 dogmática
era “a rainha no reino teológico, sendo as disciplinas bíblicas meramente
auxiliares às proposições doutrinárias – sendo o texto bíblico utilizado como
texto-prova para as proposições dogmáticas” (ROCHA, 2010, p. 357).
Sob
esse prisma, o problema dos dicta probantia seria então o fato deles interagirem
mais com a história e a tradição eclesiástica do que com a teologia bíblica.
Teólogos estariam deslocando textos de seu contexto literário e histórico
natural a fim de classificá-los de acordo com as categorias de suas teologias
dogmáticas. Como consequência do reconhecimento desse problema, a leitura
tradicional de certas passagens bíblicas tem sido abandonada por alguns
eruditos, e isso porque o uso frequente delas na literatura teológica estaria a
serviço apenas da tradição eclesiástica, não preenchendo os critérios do rigor
exegético (ALLEN; SWAIN, 2011, p. 593.).
Apesar
disso, o formato dicta probantia ainda está em voga. Não é difícil deparar-se
com Confissões de Fé e artigos sobre a natureza da Bíblia que a citam somente
no rodapé. O fato de textos sobre a Bíblia não citarem a Bíblia já pode indicar
tacitamente uma superposição do dogma/doutrina em relação à Bíblia. Como
destaca Alessandro Rocha:
[...]
a estética do texto, sua forma de apresentação, já indica uma perspectiva
metodológica. A doutrina, que é a instância que se pretende universal e
imutável, é colocada acima (literalmente) da narrativa bíblica, onde de fato
encontramos a fé vivida concretamente (ROCHA, 2009, p. 54).[3]
Diante
de tais textos, tem-se a nítida sensação que antes de o texto bíblico ser
abordado, há uma estrutura epistemológica (e ideológica) que o antecede,
tornando o texto bíblico um mero instrumento para validar essa estrutura. Antes
de se questionar a Bíblia, as respostas já foram dadas, e serão apenas
selecionadas e coletadas no texto. Dessa forma, a própria estética das
Confissões de fé e outros textos semelhantes já indicariam que o papel da
Bíblia é o de servir de “texto-prova” para o dogma/doutrina.[4]O
problema dos “textos-prova” nas confissões de fé
68
e declarações oficiais é que tais citações podem não refletir a intenção
original do autor bíblico, e que o texto citado pode não suportar a proposição
para a qual ele foi citado, quando o lemos por inteiro.[5]
Mesmo a declaração das Crenças Fundamentais da IASD[6]
dá às vezes essa impressão, quando concatena citações de diversas fontes
bíblicas sem evidenciar os contextos próprios desses textos. Na declaração
oficial, as crenças adventistas são comprovadas por textos individuais
agrupados, usando a forma de dicta probantia.
Por
isso, no sentido negativo e generalizado, usar um texto como dicta probantia é
usá-lo “como prova para determinada doutrina ou prática que se quer impor”
(KONINGS, 2012, p. 245). Trata-se de uma abordagem dogmática do texto bíblico,
não levando seriamente em conta o gênero, o contexto histórico e literário dos
textos (MARTIN, 1977, p. 220–221).[7]
Assim, o que ficou conhecido como “método texto-prova” é o uso seletivo de
passagens bíblicas para dar suporte a afirmações teológicas e doutrinárias,
frequentemente com uma lista de versos isolados listados entre parênteses no
final de uma sentença (TREIER, 2008,
p. 23).
Diferenciando o “texto-prova” do “método texto-prova”
Allen
e Swain (2011, p. 598) esclarecem que é importante diferenciar uma técnica de
citação (uso de “textos-prova”) de um procedimento hermenêutico (que seria o
“método texto- 69 prova”). Para eles, o “texto-prova” (como técnica de citação)
tem precedentes bíblicos e é legítimo.[8]
No
meio acadêmico, o “método texto-prova” tem sido denunciado por teólogos
adventistas como uma herança apologética da qual a IASD deve se distanciar.10
Mas é necessário concordar com Allen e Swain: existem usos legítimos e
ilegítimos dessa abordagem. Como será exposto neste artigo, o uso de
“textos-prova”, baseado no princípio da “Bíblia como sua própria intérprete”,
que compara textos respeitando e levando em conta os contextos, pode ser
considerado legítimo no adventismo. Os pioneiros adventistas usavam tal
abordagem, e, em certo sentido, não se faz teologia sem “textos-prova”.
Por
questões de tempo e espaço, o uso de “textos-prova” é útil pela objetividade,
evitando longas discussões teológicas em torno de contextos. É o que John Frame
(2010, p. 197) chama de “taquigrafia teológica”. Se essa citação rápida de
textos bíblicos é precedida de uma compreensão de seus significados, não há
problema. Mas existem aqueles que tomam versos isolados, ignorando contextos, e
os fazem “provar” o que de fato não está no texto. O “método texto-prova”
torna-se uma pinça dogmática, 70
ou uma imposição eclesiástico/confessional ao texto bíblico. É nesse sentido
negativo que a expressão “método texto-prova” será utilizada neste artigo.
Dicta Provantia adventIsta: OiIgens e desenvolvimento histórico.
A
IASD não defende o uso do “método texto-prova”.11 No entanto, o uso de
“textos-prova” é parte importante de sua história,
desde o seu início, com o pioneiro William Miller. Devido ao impacto da
hermenêutica de Miller sobre a hermenêutica adventista, é importante analisar
como ele interagia com a Bíblia.[9]
Tendo surgido em meio a uma forte cultura religiosa biblicista (VANCE, 1999, p.
15),[10]
Miller refletiu o biblicismo da época,[11]
o que o levou a usar a abordagem “texto-prova”. O biblicismo pode ser definido
como “o princípio de que a Bíblia deve ser considerada inteiramente homogênea,
e que qualquer passagem pode ser usada para clarificar o significado de qualquer
outra, independente do contexto” (LINDEN, 1978, p. 28). Os próprios mileritas
chegaram a declarar que “milerismo é igual biblicismo”.[12]
Apesar
de ter sido um esforçado e meticuloso estudante da Bíblia,[13]
boa parte da abordagem bíblica de William Miller estava baseada em
“textos-prova”, por vezes não levando em conta os gêneros literários, o
contexto histórico dos versos bíblicos, e sem se preocupar com o sentido
original do texto (CROCOMBE, 2011, p. 84). Uma discussão entre Miller e George
Bush (um erudito bíblico contemporâneo de Miller), em 1844, revela que 71 Miller
também não estava interessado em ler as Escrituras nas línguas originais
(CROCOMBE, 2011, p. 83-84).
O
próprio método de estudo bíblico sistemático usado por William Miller foi
elaborado a partir de “textos-prova”. O método foi resumido em quatorze regras,[14]
publicadas em 1840.[15]
Para cada regra, exceto duas,[16]
ele apresentou “textos-prova”: versos bíblicos que, em seu entendimento,
validavam as regras. As regras foram publicadas na forma clássica dos dicta
probantia - ele fazia as afirmações e colocava os “textos-prova” abaixo. Em
1884, Ellen G. White[17]
(1884, p. 738) endossou o método de interpretação de Miller com as seguintes
palavras:
Aqueles
que estão empenhados em proclamar a mensagem do terceiro anjo estão pesquisando
as Escrituras sobre o mesmo plano que o Pai Miller adotou. No pequeno livro
intitulado ‘Views of the Prophecies and Prophetic Chronology’, Pai Miller dá
dicas de regras simples, mas inteligentes e importantes para estudar a Bíblia e
sua interpretação:
(1)
Cada palavra deve ter sua apropriada relevância de acordo com o tema
apresentado na Bíblia. (2) Toda a Escritura é necessária e deve ser entendida
com diligência, aplicação e estudo. (3) Nada do que é revelado na Escritura
pode ser escondido daquele que pergunta com fé sem vacilar. (4) Para entender
doutrina, junte toda a Escritura acerca do tema que você deseja
72 entender; deixe que cada palavra tenha a sua
influência apropriada, e se você puder formalizar sua teoria sem contradição,
você não pode estar errado. (5)
A
Escritura tem que ser sua própria expositora, uma vez que ela é regra por si
mesma. Se eu depender de um professor para interpretá-la para mim, e ele tiver
que supor seu significado, ou desejar acreditar desta maneira por causa das
suas crenças sectárias, ou por ser achado sábio, então sua suposição, desejo,
crença, ou sabedoria é a minha regra, e não a Bíblia. A porção acima é uma
parte dessas regras, e em nosso estudo da Bíblia, faríamos bem em observar os
princípios estabelecidos.
Deve-se
destacar que nessa recomendação Ellen White menciona apenas esses cinco
princípios hermenêuticos de Miller, e não faz referência literal à lista
completa de quatorze regras. A hermenêutica de Miller incluía a prática de
procurar “textosprova” e “palavras-prova”, usando uma concordância bíblica
(ARASOLA, 1990, p. 56). Essa busca por palavras-chave, como Miller fez, pode
comprometer o processo interpretativo e incluir textos que não estejam diretamente
ligados ao tema.
Em
sua tese doutoral, Crocombe (2011) expõe o uso do método “texto-prova” por
William Miller e pelos primeiros adventistas sabatistas. Crocombe apresenta uma
obra adventista de autor desconhecido de 1857, chamada The Bible Student’s
Assistant or a Compend of Scripture References que segue claramente o formato dicta
probantia: uma afirmação proposicional seguida pela citação textual de um verso
bíblico comprobatório, e, abaixo, referências bíblicas adicionais.[18]
Na apresentação da obra, o “método texto-prova” é claramente descrito: “Nós
apenas fazemos afirmações, e citamos os textos das Escrituras que as
comprovam”.[19]
Stephen
N. Haskell desenvolveu um método de estudo bíblico chamado “Bible Readings”,[20]que
também recebeu o aval de Ellen G. White (1886, p. 49; 1902, p. 2; 1909, p. 292)
e teve um grande impacto na abordagem adventista à Bíblia. O “Bible 73 Readings”
é um estudo bíblico apresentado essencialmente na forma de “texto-prova”,[21]
e é publicado e promovido até hoje.[22]
A
publicação dos sete volumes do Comentário bíblico Adventista do Sétimo Dia[23]
(produzido entre 1953 e 1957) foi um marco na teologia e na hermenêutica
adventista. Foi a primeira obra erudita feita pela denominação que analisava a
Bíblia inteira, levando em conta as línguas originais, as variantes textuais,
informações arqueológicas e o contexto histórico dos textos. A teologia
adventista começava então a distanciar-se oficialmente do “método texto-prova”
(KNIGHT, 2005, p. 168).
No
entanto, Raymond Cottrell, um erudito que havia sido um dos editores associados
do Comentário Bíblico Adventista, acusou insistentemente os adventistas de
continuarem usando o método “texto-prova” na defesa de suas crenças, como
faziam seus antepassados.[24]
Em 1976, Francis Nichol, o editor-chefe do Comentário, publicou um breve artigo
defendendo o uso da abordagem “texto-prova” (NICHOL, 1976, p. 10-11).[25]
Como
destacou Nichol nesse artigo, a Lição da Escola Sabatina, que é estudada à cada
manhã de sábado em classes de pequenos grupos de adventistas ao redor do mundo,
também usa a abordagem “texto-prova”. Alden Thompson aponta alguns problemas
associados a essa abordagem: A
lição da Escola Sabatina dos adultos não leva o estudante a uma séria
consideração do texto e tende a omitir referências a ‘problemas’ que surgem 74 no
texto. Adaptada para atender os desejos daqueles que veem a Bíblia como Escritura,
a Lição evita abordar as questões que surgem quando alguém considera a Bíblia
como literatura (THOMPSON, 1989, p. 3).
A
hermenêutica é um assunto que está em evidência no atual cenário teológico
acadêmico na IASD. Embora a abordagem bíblica tradicional adventista esteja
vinculada ao método histórico-gramatical, alguns teólogos adventistas têm se
interessado pelo método histórico-crítico, tornando-o um assunto de debate
desde o final da década de 1950.[26]
A tarefa mais urgente para adventistas eruditos da Bíblia, hoje, é chegar a um
consenso sobre os princípios de interpretação (JOHNSSON, 1999, p. 13-17).
Preocupada
com as incursões de outras leituras bíblicas, principalmente do método
histórico-crítico, a Associação Geral da IASD organizou uma “Comissão de
Métodos de Estudo da Bíblia”, com representantes de várias partes do mundo.
Essa Comissão produziu um documento chamado “Métodos de Estudo da Bíblia”, que
foi submetido à análise e aprovado por voto no Concílio Anual da IASD de 1986,
no Rio de Janeiro. O documento estabelece princípios de interpretação bíblica
próximos ao método históricogramatical e rejeita claramente o método
histórico-crítico, declarando que “mesmo um uso modificado desse método, o qual
retenha o princípio crítico, subordinando a Bíblia à razão humana, é
inaceitável para os adventistas” (IGREJA ADVENTISTA DO SÉTIMO DIA, 2003. p.
179).[27]
A
discussão sobre a hermenêutica se intensificou após a publicação do documento Métodos
de estudo da Bíblia, e a revista Ministry, periódico internacional oficial da
IASD, dedicou vários números à publicação de artigos sobre hermenêutica, alguns
deles contendo críticas ao “método texto-prova”.[28]
Nas palavras do erudito adventista Richard Davidson, a hermenêutica histórica 75
adventista, reafirmada nesse documento: não
é apenas tradicionalismo, ou uma ultrapassada abordagem às Escrituras mantida
por intérpretes cristãos de uma era antiga. Nem é uma hermenêutica ‘híbrida’
procurando combinar algo do antigo método ‘texto-prova’ com ferramentas mais
científicas de pesquisa bíblica (DAVIDSON, 1993, p. 111).
Longe
de buscar um retorno ao antigo “método textoprova”, ao rejeitar o método
histórico-crítico, a IASD tem insistido na busca de uma hermenêutica mais
profunda. Como está exposto pelo órgão oficial de pesquisa bíblica, o Adventist
Biblical Research, em seu site:
A
Palavra é interpretada através de uma hermenêutica que, à parte de seções
poéticas e simbólicas evidentes, considera o texto literalmente, levando em
conta os elementos históricos, culturais e linguísticos envolvidos. Esse método
está mais intimamente relacionado à histórica escola de interpretação de
Antioquia do que à de Alexandria e reflete ajustes no método incentivado pelos
reformadores do século XVI. (REID, 2000).[29]
Apesar
dessa rejeição acadêmica quase generalizada do “método texto-prova”, é fácil
perceber em publicações e sermões que é uma abordagem ainda bem presente no
adventismo. Após verificar a presença do “texto-prova” na história do
adventismo, é necessário avaliar essa presença dentro da moldura hermenêutica
adventista.
A relação entre texto-prova e a visão adventIsta das escrituras
A
avaliação do texto-prova será feita utilizando como parâmetros os quatro
princípios fundamentais de interpretação bíblica apresentados no Tratado de
Teologia Adventista do Sétimo Dia (DAVIDSON, 2011, p. 67-119):
A
Bíblia e a Bíblia Somente (Sola Scriptura)
A
Totalidade da Escritura (Tota Scriptura)
A
Analogia da Escritura (Analogia Scripturae)
Coisas
Espirituais se Discernem Espiritualmente (Spiritalia Spirataliter Examinatur)
o
texto-PRova e o Sola ScriPtura
Para
os adventistas, a Bíblia está acima de qualquer outra fonte de autoridade,
inclusive a tradição.[30]
O uso de “textos-prova” pode refletir o desejo de deixar a Bíblia falar por si,
enfatizando o princípio Sola Scriptura. Mas, popularmente, alguns textosprova
já estão ligados ao cotidiano dos adventistas de maneira tão íntima que é quase
inútil argumentar sobre a incerteza ou inadequação de seu uso. Já existe uma
verdadeira tradição em torno do uso de tais textos, a ponto de seu verdadeiro
significado ficar em segundo plano ou ser até mesmo desconhecido.
Assim,
por exemplo, o senso comum liga Mateus 18:20 (“Pois onde dois ou três estiverem
reunidos juntos em meu Nome, lá Eu estou no meio deles”) a situações de culto e
não a reuniões disciplinares, que é o seu sentido primário. Outro exemplo
clássico é o uso do texto de João 5: 39 (“Examinais as Escrituras [...]”) como
uma exortação a estudar, sendo que o texto provavelmente é uma repreensão por
estudar e não entender.34
O “método texto-prova”
também aparece em oposição ao Sola Scriptura no meio acadêmico adventista.
George Knight (2005, p. 200), escrevendo sobre a necessidade de mais pesquisas
adventistas sobre um conceito de inspiração bíblica a partir da própria Bíblia,
afirma que “na maioria dos casos as pessoas fazem 77 afirmações de forma
sistemática e depois recorrem à Bíblia em busca de apoio para suas conclusões”.
E acrescenta que seguir esse método é trocar a autoridade bíblica pela
“plataforma do racionalismo iluminista”, que coloca o raciocínio humano acima
da revelação.
Desse
modo, curiosamente, a mesma IASD que desautorizou oficialmente o uso do método
histórico-crítico porque, dentre outros motivos, ele subordina a Bíblia à razão
humana (IGREJA ADVENTISTA DO SÉTIMO DIA, 2003, p. 179), ainda convive com o
“método texto-prova”, que também coloca o pensamento humano e a tradição à
frente do verdadeiro sentido do texto bíblico.
O Texto-Prova e o Tota Scriptura
Os
adventistas consideram toda a Escritura – tanto o AT quanto o NT – como
inspirada por Deus (DAVIDSON, 2011, p. 71.). O método “texto-prova” por vezes
apresenta uma seletividade de textos, apresentando apenas aqueles favoráveis à
conclusão a que se quer chegar e omitindo textos que falam sobre o assunto mas
trarão dificuldade.
Isso
pode ser observado, por exemplo, nos estudos bíblicos que citam passagens favoráveis à visão adventista do assunto, mas
deixam de mencionar as passagens desfavoráveis. Normalmente, uma lista de dicta
probantia não é exaustiva, e a apresentação de tal evidência seletiva não pode
ser considerada efetivamente uma prova. Não é escolhendo uma declaração em
detrimento de outras declarações sobre o mesmo assunto que o intérprete descobrirá
o que a Bíblia diz sobre determinado tema (REID, 2007, p. 38).
O Texto-Prova e a Analogia Scripture
Na
exposição da hermenêutica adventista no Tratado de Teologia Adventista, o
princípio Analogia Scripturae inclui os conceitos da “Escritura como sua
própria intérprete” e da “Unidade das Escrituras”. E é necessário verificar
como o uso de “textos-prova” se relaciona com esses conceitos.
O
princípio “a Escritura como sua própria intérprete”, derivado do Analogia
Scripturae, faz parte da hermenêutica adventista desde o início. No caminho de
Emaús, Jesus utilizou o princípio de que as Escrituras são o seu próprio
intérprete quando “Começando por Moisés, discorrendo por todos os profetas,
expunha-lhes o que a seu respeito constava em todas as Escrituras” (Lc. 24:27).
E depois, outra vez usou as Escrituras para mostrar aos discípulos o
cumprimento de que tudo o que estava escrito sobre ele “na Lei de Moisés, nos
Profetas e nos Salmos” (Lc. 24: 44). Esse princípio aparentemente foi utilizado
por Paulo, e pode ser encontrado, por exemplo, nas citações do AT encontradas
em Rm. 3:10-18 e Hb. 1:5-13; 2:6-8, 12, 13.
No
entanto, a crítica ao “método texto-prova” tem ultrapassado limites e atingido
o princípio da “Escritura como sua própria intérprete”. Crocombe (2011, p.
204.), por exemplo, sugere que mesmo as abordagens mais recentes tendem a
seguir o padrão do método “texto-prova” dos mileritas ao aplicarem o princípio
da “Escritura como sua própria intérprete”. Gerhard Hasel (1985, p. 103.)
ensina esse princípio afirmando que o “procedimento envolve a coleção e o
estudo de todas as partes da Bíblia de passagens que tratam do mesmo assunto”,
de modo 79 que uma possa ajudar a interpretar a outra. Da mesma forma, Richard
Davidson (2011, p. 75) descreve o princípio, mas alerta que “isso não quer
dizer que se deva usar um amontoado de passagens como ‘textos de prova’ sem
levar em conta o contexto de cada texto”. No entanto, na avaliação de Crocombe
(2011, p. 204), é isso o que frequentemente acontece na prática.
Na
IASD ainda é possível encontrar a prática de citar muitas referências bíblicas
para dar autoridade a uma resposta ou proposição. Essas referências são
frequentemente dadas na forma de uma lista de textos isolados, sem comentários
a respeito do contexto ou dos caminhos hermenêuticos que possibilitam a relação
dos versículos com o assunto tratado. Tal uso preenche a definição de “método
texto-prova” e não de “a Escritura como sua própria intérprete”.
Incluído
no princípio Analogia Scripturae, também está o conceito da unidade consistente
das Escrituras (DAVIDSON, 2011, p. 74). O uso de “textos-prova” é compatível
com a ideia de que há uma unidade superior na Bíblia, e isso possibilita a
procura de um ensino normativo dela em qualquer assunto. Admitir uma unidade
fundamental na Bíblia, e harmonia entre suas várias partes, torna legítima a
busca, análise e síntese de todos os textos bíblicos sobre determinado assunto
e a apresentação em forma de dicta probantia.
No
entanto, isso abre espaço para os problemas relativos à justaposição equivocada
de textos.[31]
O “método texto-prova” não apresenta problemas apenas com a interpretação de
versículos isolados, mas também ao modo como vários versos, de gêneros
literários e contextos diferentes, são associados numa lista de dicta probantia.
O Texto-Prova e o Spiritalia Spirataliter Exeminatur
Ao
esclarecer o lugar do Espírito Santo na espiral hermenêutica adventista,
Davidson (2011, p. 77) afirma que isso não abre espaço para subjetividades,
antes, garante que a pesquisa exegética/hermenêutica seja construída sobre
pressuposições
80
bíblicas. As coisas espirituais são discernidas espiritualmente, mas isso não
nega o princípio hermenêutico de que a Bíblia deve ser tomada em seu sentido
literal, a não ser que haja um claro e óbvio sentido figurado.
Além
disso, existe uma intenção bem definida por parte dos escritores bíblicos, e
não uma multiplicidade de significados subjetivos e livres (DAVIDSON, 2011, p.
75).[32]
Quando, nesse processo, o Espírito é dissociado da metodologia de pesquisa
bíblica, surgem espiritualizações exageradas, sentidos místicos, ocultos e
alegóricos. Essas “espiritualizações” são muito frequentes em aplicações
homiléticas do texto bíblico.
A
pregação é o grande e final objetivo da pesquisa bíblica. De acordo com Osborne
(2009, p. 530), a “A Escritura não deve apenas ser aprendida; ela deve ser
crida e depois proclamada”. Para uma boa parcela dos membros de uma comunidade
religiosa, o sermão é mais do que o ápice de uma reunião religiosa, mas o único
momento em que essas pessoas têm contato com o conteúdo da Bíblia. Dessa forma,
a homilética está vinculada à hermenêutica numa via de mão dupla, na qual o
púlpito reflete uma tradição interpretativa e também influencia no processo de
naturalização de uma hermenêutica na comunidade, reproduzida e perpetuada pelos
seus membros.
O
uso homilético frequentemente atribui ideias estranhas a um texto. É o que
ocorre, por exemplo, se, ao falar sobre ofertas e dízimos, alguém usar Lucas
6:38: “Dai, e ser-vos-á dado; boa medida, recalcada, sacudida e transbordando,
vos deitarão no vosso regaço; porque com a mesma medida com que medirdes também
vos medirão de novo.” Uma simples leitura do contexto imediato revela que o
assunto não é esse.
No
adventismo, a questão se torna ainda mais delicada por causa do uso homilético
das Escrituras feito por Ellen G. White. Gerhard Pfandl, diretor associado do Biblical
Research Institute, da Associação Geral da IASD, declara:
“Com
frequência Ellen G. White usou homileticamente as Escrituras[...] Alguns
adventistas do sétimo dia pensam nos escritos de Ellen G. White como um
comentário inspirado sobre a Bíblia. Se for assim, é vital reconhecer 81 que em
seus escritos encontramos aplicações homiléticas de passagens bíblicas, além de
comentários exegéticos” (REID, 2007, p. 314-316).
A
frequente aplicação homilética de um texto pode solidificar esse sentido
ilustrativo, de modo que o sentido original passe a ser secundário e quase desconhecido.
É o que ocorre com 1 Coríntios 2:9 (“Nem olhos viram, nem ouvidos ouviram, nem
jamais penetrou em coração humano o que Deus tem preparado para aqueles que o
amam”), que popularmente é relacionado de modo automático ao céu (que não está
presente no contexto), e não às revelações divinas (que é o sentido literal e
contextual).[33]
Num
nível mais avançado, o constante uso de um texto num sentido homilético
distinto do sentido original pode levar a distorções sérias, como ocorre com
Filipenses 4:13 (“Tudo posso naquele que me fortalece”). A passagem geralmente
é exposta como se o “tudo” fosse absoluto e o verso fosse uma garantia de
sucesso em todo empreendimento. Raramente são citados os textos anteriores e
posteriores. E examinar o contexto muda completamente o sentido homilético
comum, pois fica claro que o texto prevê o sofrimento, e refere-se ao
contentamento em qualquer situação, na fartura ou fome, na abundância ou
escassez (Fp 4:10-12). É comum também uma confusão entre o literal e o figurado
no uso homilético da Escrituras, e algumas seitas dependem desse tipo de
leitura errônea (CARSON, 2001, p. 131).
O
problema de tal amplo uso homilético da Bíblia é que cria uma “cultura de
texto-prova”, na qual fazer textos bíblicos significarem alguma coisa que Deus
não pretendeu é encarado com normalidade. Esse tipo de uso homilético da Bíblia
não auxilia o povo a pensar exegeticamente. O “método textoprova” praticado
homileticamente, com suas características desistoricizantes e alegóricas, é
introjetado e produz leituras abstratas e individualistas.
Quando
o uso homilético da Bíblia despe o texto de seu contexto histórico e literário,
buscando um sentido não literal, não pretendido pelo autor, aproxima-se muito
do alegorismo da antiga escola hermenêutica de Alexandria e da hermenêutica
82
medieval (DAVIDSON, 2011, p. 102). Por isso, é preciso definir a validade e os
limites desse uso homilético da Bíblia. De outra forma, “uso homilético” da
Bíblia pode se tornar apenas eufemismo para “método texto-prova” e
“alegorização”.
Considerações finais
Alguns
pontos principais merecem uma reflexão ao final desse artigo. Primeiramente, a
visão negativa dos “textos-prova” não é unanimidade, existindo vozes
discordantes. Pelo menos na teologia protestante escolástica, a suposição por
trás do “textoprova” não era que o significado de tal texto era auto evidente
para o leitor, independentemente da exegese gramatical, histórica, literária, e
teológica.[34]
Como indicam alguns estudos, os dogmáticos não eram ingênuos colecionadores de
“textosprova”, mas competentes exegetas (ALLEN; SWAIN, 2011, p. 589).
A descrição comumente desfavorável da
hermenêutica do escolasticismo protestante tem sido combatida por teólogos
reformados. Para Richard Muller (1987, p. 274-275), dicta probantia não era uma
citação descontextualizada, mas uma referência ao próprio trabalho exegético do
teólogo ou a uma tradição de interpretação. O objetivo dos teólogos dogmáticos
era dirigir os leitores através dos dicta probantia para os trabalhos
exegéticos referentes aos textos citados que embasavam aquele sistema
teológico. Não era intenção dos autores arrancar o texto de seu devido contexto
ou rejeitar o cuidadoso exame do texto em sua língua original.
Não
se pode negar que os antigos teólogos escolásticos usaram as melhores
conclusões exegéticas de sua época. Muller faz uma boa avaliação da exegese dos
escolásticos protestantes na tentativa de defendê-los da acusação de terem
usado o “método texto-prova” (MULLER, 1987, p. 93-94). De fato, a análise cuidadosa
de alguns dos antigos autores escolásticos pode ajudar a confirmar a opinião de
Muller. Lidar com o texto bíblico nas 83 línguas originais, em seu devido
contexto, buscando uma exegese fiel, era prática corrente de autores como
Turretin[35]
e John Owen.
Assim,
diante dos textos-prova das confissões reformadas do século XVI, ou da lista de
Crenças Fundamentais dos Adventistas do Sétimo Dia, é bom lembrar que pode
haver todo um trabalho exegético subjacente aos “textos-prova”. Seria tarefa do
leitor contemporâneo descobrir como esses antigos intérpretes entendiam os
textos bíblicos, e como formularam sua teologia a partir de tais textos.[36]
Em
segundo lugar, o uso de “textos-prova” por si só não representa desleixo
exegético/hermenêutico. Samuel Koranteng- Pipim (1996, p. 28-30), teólogo
adventista, afirma que se o texto bíblico em seu contexto suporta uma
afirmação, então usá-lo como “texto-prova” é legítimo. Ele destaca
positivamente o aspecto prático dos “textos-prova”, mas alerta sobre o perigo
do uso arbitrário do método, selecionando textos através de fraseschave que
coincidam com o assunto sem considerar o contexto. Mas o uso de “textos-prova”
não representaria necessariamente um problema, desde que represente o resultado
de exegese responsável. O uso de “textos-prova” será tão correto quanto a
exegese feita em torno deles antes de citá-los (RAMM, 2012, p. 159). Esse foi
basicamente o mesmo argumento de Francis Nichol em seu artigo defende o uso do
método “texto-prova” entre adventistas em 1976 (p. 10 e 11).
E,
finalmente, seria quase impossível imaginar o adventismo sem “textos-prova”.
Estudos bíblicos, sermões, lições da escola sabatina e até mesmo publicações
teológicas acadêmicas usam “textos-prova” e alguma forma de dicta probantia.
Até mesmo autores que criticam o uso do “método texto-prova” não conseguem
escapar de usar “textos-prova”, ou referências bíblicas entre parênteses, para
comprovar suas afirmações.[37]
O
que deve ser questionado é se o adventismo faz uso
84
legítimo da Bíblia ao fazer suas listas de dicta probantia. Será que os
adventistas estão longe do risco de empregarem métodos de estudo da Bíblia que
resultam em sua própria voz ser ouvida acima da de Deus? Será que estão livres
da prática de usar a Bíblia como se fosse um depósito de “textos-prova” para
resguardar ideias preconcebidas e acariciadas? Será que todo “texto-prova” que
citam em listas de dicta probantia, estudos bíblicos, sermões e publicações
realmente dizem o que os adventistas afirmam que eles dizem?
Isaac Malheiros[1] (Revista Hermenêutica)
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Enviado
12/05/14
Aceito
12/06/14
[1] Pastor do departamento de
jovens, capelão, Bacharel em Teologia (UNASP), pósgraduado em Ensino Religioso
e Teologia Comparada (ESAB), mestrando em Teologia, Leitura e Ensino da Bíblia,
EST, São Leopoldo.
[2] O “texto-prova” também é
chamado de “texto de prova”, “comprovação textual”, “prova textual”, “texto
comprobatório”, etc. E além de dicta
probantia, os “textos-prova” também estão relacionados, na teologia
dogmática, a expressões como loci
classici, loci probantia, dicta clássica e sedes doctrinae.
[3] Em sua pesquisa, Rocha
analisa o artigo sobre as Escrituras Sagradas da Declaração Doutrinária da
Convenção Batista Brasileira.
[4] Rocha sugere ainda que uma
leitura comparativa entre cada afirmação de crença e os textos bíblicos citados
em referência a ela revelaria a ausência de abordagens exegéticas no trato com
a Bíblia.
[5] A Confissão de Fé de Westminster, por exemplo, no capítulo XXI, seção
VII, falando sobre o sábado, diz que “desde o princípio do mundo, até a
ressurreição de Cristo, esse dia foi o último da semana; e desde a ressurreição
de Cristo foi mudado para o primeiro dia da semana, dia que na Escritura é
chamado Domingo, ou dia do Senhor, e que há de continuar até ao fim do mundo
como o sábado cristão.” E usa como textos-prova Ex 20:8-11; Gn 2:3; 1 Co
16:1-2; At 20:7; Ap 1:10; Mt 5: 17-18. Mas em nenhum desses textos a proposição
pode ser claramente encontrada e confirmada pelo leitor.
[6] Os Adventistas do Sétimo
Dia não possuem uma confissão de fé documentada ou um credo formulado. Eles
aceitam a Bíblia como seu único credo, mas mantêm certas crenças fundamentais
como sendo o ensino das Escrituras. (IGREJA ADVENTISTA DO SÉTIMO DIA, 2011, p.
163-173).
[7] De acordo com D. A.
Carson, quando a teologia dogmática tenta integrar a verdade bíblica num
“sistema” com categorias que ela mesma determinou, ela está mais perto de
distorcer o significado da multifacetada palavra de Deus do que a teologia
bíblica, que é mais atenta aos contextos históricos e literários do texto.
(CARSON, D. A. Systematic Theology and Biblical Theology. In: ALEXANDER, T.
Desmond et al (eds). New Dictionary of
Biblical Theology. Downers Grove: InterVarsity, 2000, p. 94–95, 97, 101). 8
Para uma definição mais detalhada e uma análise crítica, ver TREIER, Daniel J.
“Proof text”. In: VANHOOZER, Kevin J. Dictionary
for Theological Interpretation of Scripture. Grand Rapids: Baker, 2005, p.
622–624.
[8] Allen e Swain afirmam que
todas as críticas ao uso do “texto-prova” na teologia cristã podem ser lançadas
sobre o uso que a Bíblia faz da própria Bíblia. Segundo eles, 2Co 6:16–18 cita
passagens do AT (Lv 26:12; Is 52:11; 2Sm 7:14) para apoiar a afirmação de que
“nós somos o templo do Deus vivo” sem indicar os diferentes contextos
históricos e literários nos quais os textos são encontrados. Gl 3:14 iguala a
“bênção de Abraão” – provavelmente as bênçãos de Gn 12:3 e 15:6, citadas em Gl
3:6 e 3:8 – com “a promessa do Espírito”. No entanto, o livro do Gênesis não
registra nenhuma promessa a respeito da vinda do Espírito, promessa anunciada
claramente em textos posteriores (por exemplo, Jl 2:28; Is 44:3; 59:21).
Hebreus 1 cita uma série de textos do AT para “comprovar” a filiação divina do
Messias. No entanto, a deidade do Filho não parece ser o foco teológico de
nenhum desses textos. Os articulistas apelam por consistência nas críticas ao
“textoprova”, exigindo, diante dos “textos-prova” da teologia, a mesma atitude
paciente que a dispensada ao uso da Bíblia pela própria Bíblia. O uso do AT no
NT é um tema que está relacionado à discussão sobre a validade do
“texto-prova”. Não se pode sugerir que os apóstolos receberam um passe-livre
hermenêutico para usarem “textos-prova” por causa de seu status como porta-vozes
inspirados de Deus. Para uma discussão mais detalhada sobre o assunto, ver
BEALE, G. K. (ed.), The Right Doctrine
from the Wrong Texts? Essays on the Use of the Old Testament in the New.
Grand Rapids: Baker, 1994. Para
[9] Alguns autores afirmam que
a hermenêutica de Miller vem diretamente da Reforma e da igreja primitiva. Ver:
DAMSTEEGT, P. Gerard. Foundations of the
Seventhday Adventist Message and Mission. Grand Rapids: W. B. Eerdmans,
1977, p. 16); NEUFELD Don F. Biblical Interpretation in the Advent Movement.
In: HYDE, Gordon M.(ed.). A Symposium on
Biblical Hermeneutics. Washington: General Conference of Seventh-day
Adventists, 1974, p. 117. Essa opinião tem sido contrariada por autores que
vêem a interpretação bíblica milerita como um produto de seu tempo, ligando as
raízes hermenêuticas do milerismo ao restauracionismo, reavivalismo, biblicismo
e até ao racionalismo deísta do séc. XIX. Ver: KNIGHT, George R. Em busca de identidade: o
desenvolvimento das doutrinas Adventistas do Sétimo Dia. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2005, p. 28-54; CROCOMBE,
Jeff. A Feast of Reason: The Roots of William Miller’s Biblical
Interpretation and its influence on the Seventh-day Adventist Church. Tese
(Doutorado). Queensland: The University
of Queensland, 2011, p. 51-172; e ARASOLA, Kai. The End of Historicism: Millerite Hermeneutic of Time Prophecies in
the Old Testament. Uppsala: University of Uppsala, 1990. Ver também uma análise
da interpretação bíblica milerita sob o prisma da sociologia da religião em BULL,
Malcolm; LOCKHART, Keith. Seeking a
Sanctuary: Seventh-day Adventism and the American Dream. Bloomington:
Indiana University Press, 2007.
[10] Laura L. Vance declara
que o biblicismo não era peculiaridade de Miller, mas era um método de
interpretação bíblica usado por boa parte dos protestantes contemporâneos dele.
[11]
Para uma análise do biblicismo de Miller, ver CROCOMBE, 2011, p. 78-82.
[12]
Signs of the Times, 20 de Maio,
1846, p. 117 apud CROCOMBE, 2003, p.
6.
[13] Para um breve comentário
sobre o método de estudo da Bíblia usado por Miller, ver: SCHWARZ, Richard W.;
GREENLEAF, Floyd. Portadores de Luz: história
da Igreja adventista do Sétimo Dia. Engenheiro Coelho, SP: UNASPRESS, 2009, p.
30-32
[14] O número de regras de
Miller é variável (treze, quatorze, dezesseis, dezenove), dependendo da época e
do lugar em que foram publicadas. Aqui serão utilizadas as quatorze regras de
interpretação encontradas em MILLER, William. Rules of Interpretation.
The Midnight Cry. Vol 1, n.1, 17 de Novembro, 1842, p. 4. Disponível
em . Acesso
em 24/11/2013.
[15] A primeira publicação das
quatorze regras foi em MILLER, William. Mr Miller’s Letters No. 5: The Bible
Its Own Interpreter. Signs of the Times.
Vol 1, n. 4, 15 de Maio, 1840, p. 25-26. Disponível em
. Acesso
em 12/10/2013. As regras também foram publicadas posteriormente em MILLER,
1842, p. 4.
[16]
As regras 12 e 14 não receberam nenhum texto-prova.
[17] White foi uma das
pioneiras adventistas, e é considerada pela denominação como a “mensageira do
Senhor”, em quem se manifestou o dom de profecia.
[18] Uma versão de 1858,
disponível no site do Centro White-BR, tem sua autoria atribuída a Uriah Smith.
Ver:
Bible%20Student’s%20Assistant.pdf>
[19] O original diz na
primeira página: “We only state propositions, and cite those texts of Scripture
which prove them”. Deve-se destacar, porém, que logo após essa descrição, a
obra remete o leitor a outras obras com explicações supostamente mais
detalhadas, com as seguintes palavras: “We refer our readers to our published
works for a full explanation of the principal subjects here introduced”.
[20] Sobre a importância
histórica do Bible Readings, ver:
NEUFELD, Don. F. (ed.). Bible Studies. In: The
Seventh-day Adventist Encyclopedia A-L. Hagerstown: Review and Herald,
1996, p. 204.
[21]
Crocombe, Feast of reason, 185-187.
[22] Novas edições continuam
sendo vendidas no Adventist Book Center
, acesso em
2/2/2014. As edições antigas podem ser encontradas no site do Adventist Archives, em ,
acesso em 2/2/2014.
[23]
NICHOL, Francis D. (ed.). The
Seventh-day Adventist Bible Commentary.
Hagerstown: Review and Herald, 1980, v. 7.
[24] Ver, por exemplo, COTTRELL,
Raymond. The Untold Story of the Bible Commentary. Spectrum. Vol 16, n.3, Agosto de 1985, p. 35–51. Nesse artigo,
Cottrell afirma que o Comentário bíblico
Adventista apresentou certa relutância em superar o método “textoprova”,
interpretando alguns textos ainda com tal abordagem. Dentre suas acusações à
IASD, Raymond Cottrell afirmou que a interpretação adventista de Daniel 8:14,
texto central na teologia adventista, fora baseada no método “texto-prova”.
[25] Nesse artigo, Nichol
afirma que “A Lição da Escola Sabatina
basicamente segue o método texto-prova. O livro Bible readings for the Home, que tem sido impresso por muitos anos
e é largamente distribuído por colportores, segue esse método. Nós acreditamos
que esse é um método válido de estudar ou ensinar as Escrituras” (p.10-11).
[26] Um resumo desse debate,
bem como a posição oficial da IASD, pode ser encontrado em REID, George W. Compreendendo as Escrituras: uma
abordagem adventista.
Engenheiro Coelho: Unaspress, 2007.
[27] Para uma análise da
hermenêutica tradicional da IASD em oposição ao paradigma histórico-crítico que
tenta se estabelecer na IASD a partir de 1950, ver REID, George W. Another Look
at Adventist Hermeneutics. JATS,
2/1, p. 69-76, 1991. Disponível em: < http://www.atsjats.org/publication.php?pub_id=425&journal=1&cmd=view&>.
Acesso em 12/06/2013.
[28] Alguns artigos de
destaque desse período mencionado são: GUGLIOTTO, Lee. The crisis of exegesis. Ministry, mar. 1996; GANE, Roy. An
approach to the historicalcritical method. Ministry,
mar. 1999; HASEL, Frank M. Christ-centered Hermeneutics: Prospects and
Challenges for Adventist Biblical Interpretation. Ministry, dez. 2012; LARONDELLE, Hans K. Trends in biblical
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Interpreting the Bible: a commonsense approach. Ministry, mar. 1996; KNIGHT, George R. When persecuted in one text,
flee to the next. Ministry, maio
1998.
[29] REID, George W.
Seventh-day Adventists: a brief
introduction to their beliefs. In: Biblical
Research Institute. Silver Spring, mai. 2000. Disponível em: .
Acesso em: 03 abr. 13.
[30] Outras autoridades tais
como tradição, razão e experiência se submetem as Escrituras. Ver: HASEL, Frank
M. Pressuposições na interpretação das Escrituras, In: REID, 2007,
[31] Esse problema é
apresentado e discutido brevemente em CARSON, D. A. Os perigos da interpretação bíblica: a exegese e suas falácias. São
Paulo: Vida Nova, 2001, p. 128129.
[32] No entanto, Davidson
admite que “algumas partes das Escrituras apontam para além delas mesmas (por
exemplo, tipologia, profecia preditiva, símbolos e parábolas)”, p. 76.
[33]
Ver NICHOL, Francis D. (ed.) The
Seventh-day Adventist Bible Commentary. 5 v.
Hagerstown: Review and Herald, 1980, p. 989.
[34] No caso de William
Miller, nenhum dos textos-prova usados para validar suas regras de
interpretação bíblica são explicados. Parece que Miller achava que os textos
eram auto explicativos, e não precisavam de comentários adicionais.
[35] Francis Turrentin
(1623-1687), teólogo do Escolasticismo Pós-Reforma, escreveu Institutio Theologiae Elencticae, na
qual é possível perceber preocupação exegética no modo como ele lida com os
textos bíblicos à luz das línguas originais.
[36] O fato é que leitores
leigos comuns dificilmente relacionariam o versículo, utilizado como
texto-prova, a alguma análise exegética que justificasse o uso de tal
versículo. O leitor comum não teria fácil acesso ao corpus exegético subjacente às listas de textos-prova.
[37] Ver, por exemplo, os
textos-prova usados por VANHOOZER, Kevin J. The Drama of Doctrine: A Canonical-Linguistic Approach to Christian
Theology. Louisville:
Westminster John Knox, 2005, p. 270–272.