Emília Lourenço, 35, é
mãe de Clarissa, 5 anos. A menina foi à escola quanto tinha 3 anos e meio e não
se adaptou. A mãe lembra que a pequena adorava brincar no parque do colégio,
mas não de ficar em sala de aula. “Ela não era feliz, não se socializava”,
lembra. Foram seis meses tentando entender o porquê de a experiência não estar
dando certo. Emília procurou a escola : “Eles disseram que a culpa do
tédio da minha filha era minha. Que como eu não trabalho, fico à disposição
dela. E eu não faço isso! Minha filha é muito independente, só não se adaptou
ao sistema”, afirma. Emília considerou o episódio a gota d´água e decidiu tirar
Clarissa da escola. Já tinha lido sobre experiências de famílias americanas que
educam os filhos em casa e decidiu que assim faria com a filha, apesar de nunca
ter planejado esse tipo de ensino para ela.
Apaixonada pela
educadora italiana Maria Montessori, Emília passou um mês lendo sobre
currículos de ensino, comprando material didático, planejando o espaço que
seria utilizado no dia-a-dia e se preparando para se tornar professora da
filha.”Fui organizando uma rotina, com horários de estudo e divisão de áreas”,
conta. A família deu total apoio à mudança de rota: “Todos acompanharam o
estresse da Clarissa na escola. Eles sentiram que era a felicidade dela
que estava sendo prejudicada”, conta.
Atualmente há cerca de
mil famílias no Brasil que optam pela educação domiciliar segundo a Prof. Dra.
Luciane Barbosa, da Faculdade de Educação da USP, Universidade de São Paulo.
Ela pesquisou a educação domiciliar (ou homeschooling, em inglês) para sua tese
de doutorado. Segundo ela, é difícil atribuir uma única razão à decisão
das famílias de buscar essa forma de ensino. “No Canadá, por
exemplo, os pais procuram por questões religiosas; já no Brasil, eles se
incomodam com a falta de qualidade das escolas, sejam elas públicas ou
particulares”, afirma.
Lis aprendendo matemática com a mãe |
É o caso de Lis
Oliveira, 32 anos, mãe de Thor, 6 anos e Thrud, 2 anos. O filho mais velho
frequentou a educação infantil quando tinha 3 anos e o saldo dessa experiência
foi negativo, segundo ela. As brincadeiras do menino, segundo a mãe,
tornaram-se mais agressivas e ele começou a desejar “o tênis do personagem do
desenho animado”, mesmo sem assistir a televisão. O pouco caso que a escola
tinha com alimentação também pesou, segundo ela. Mas a decisão de tirar Thor da
escola foi primeiramente técnica: a família estava mudando de cidade. E quando
assumiu a educação do filho, percebeu que a forma com que as escolas em geral
lidam com seus alunos não é a ideal, no seu ponto de vista. ”A
maioria das escolas não leva em conta a pessoa em si, o ser humano em sua
complexidade”, afirma. “Os jovens não vêem sentido real no que estão
aprendendo, estudam porque precisam passar de ano. A pessoa é avaliada por uma
nota, e acaba acreditando naquilo”, completa.
Thor aprendendo culinária |
Thor tem aulas com a mãe
todos os dias, em horários variados. Lis dá prioridade aos assuntos que Thor
mais gosta de aprender: animais, natureza, tecnologia e espaço.A Dra. em
Educação Luciane Barbosa, pondera. “É muito gostoso só aprender o que temos
interesse e, embora reconheça que a maioria dessas famílias faz trabalhos
incríveis com essas crianças, sempre questiono se com essa prática não
estaríamos impedindo que elas tenham acesso a vários tipos de informação.
Muito
difícil a gente tomar decisões que limitem as escolhas delas no futuro”,
afirma. Liz disse que as disciplinas que o filho eventualmente não gostar serão
ensinadas de forma lúdica. “Se ele não curtisse matemática eu iria ensinar que
dois robôs mais três robôs são iguais a cinco robôs”, explica. “Acho que só
deixamos de gostar de algo quando não vemos sentido naquilo”, decreta.
A educação domiciliar
não é proibida, mas não é vista com bons olhos por alguns juristas que já se
posicionaram contra à prática e que inclusive já condenaram pais por abandono
intelectual dos filhos.
O Estadão contou a história dos filhos do casal
Bernadeth Nunes e Cleber Nunes. Jônatas e Davi foram educados em casa e hoje
colecionam prêmios em concursos deixando muitos universitários para
trás. Eles abandonaram a escola tradicional antes de completar o ensino
médio e não pensam em fazer faculdade. (Leia
mais sobre eles.)
Alguns pais se
organizam em associações para reivindicar uma legislação que garanta o direito
de optar pela educação domiciliar. Há um projeto de lei em tramitação no
Congresso que incluiria o ensino domiciliar na LDB, Lei de Diretrizes e Bases,
mas ainda não há previsão de quando possa ser votado.
Emília e Clarissa começaram
a estudar juntas todas as manhãs e hoje a menina de 5 anos já sabe ler,
escrever, interpretar textos e contar. Thor tem 6 anos e está no mesmo caminho,
mas a mãe não pretende alfabetizá-lo cedo demais, como prega a pedagogia
Waldorf. Educar os próprios filhos dá trabalho e exige disciplina dos pais. “Eu
dou ´aula´ sobre tudo o dia todo! Uma brincadeira sobre ondas na piscina é o
início de uma conversa sobre física que se aprofunda a medida que a criança
pede”, conta Lis. Emília se prepara muito e está sempre pesquisando formas de
estimular e de ensinar a filha.
Os críticos à educação
domiciliar argumentam que as crianças não se socializam quando não vão à
escola. Emilia, mãe de Clarissa, discorda. “Levar para a escola é só a parte
mais fácil do que chama de socialização, porque é só levar e deixar lá”,
afirma. Durante a semana a menina frequenta aulas de natação e de música, além
de um parquinho que fica perto de sua casa. Thor, filho de Liz, participa de um
grupo de crianças que são educadas pelos pais e que, juntas, organizam feiras
de ciências, recitais de poesia, oficina de brinquedos além de visitas a museus
e zoológicos.
A pedagoga também não
concorda que a falta de socialização seja um problema para quem opta pela
educação domiciliar. “Essas crianças acabam tendo muito mais tempo para
conviver com pessoas de diferentes faixas etárias, em diversos locais
públicos”, afirma. Para ela, frequentar a escola não significa,
necessariamente, socializar-se: “Fazer um garoto passar período integral em um colégio
particular pode ser, em parte, garantir a essa criança uma socialização
limitada. Ela estará apenas com seus pares, de mesma idade, de mesma opção
religiosa e de mesma origem socioeconômica”, completa.
Educar os filhos em
casa até quando? Emília diz que se Clarissa pedir para ir à escola, atenderá ao
desejo da filha. Liz pretende levar a prática mais longe e já planeja as aulas
para a caçula Thrudi e para o bebê que tem na barriga e que nasce ainda este
ano. “Acredito que no futuro o ensino domiciliar vai ser muito popular.
Pretendo ensinar meus filhos até a época de prestarem o ENEM”, afirma.
(Estadão)
Nota Gilberto Theiss: Infelizmente no Brasil ainda não temos a permissão
para alfabetizar os filhos em casa. Conheço amigos que seus filhos, nos EUA,
nunca foram para a escola. Acompanhei de perto alguns casos e posso garantir
que, além dos filhos permanecerem protegidos das ondas culturais que se chocam
com os valores cristãos, temos ainda a enorme vantagem de oferecer aos nossos
filhos uma educação que escola nenhuma nesse planeta pode oferecer, a
alfabetização construída aos pés dos próprios pais, permeada de amor, paciência
e sólidos princípios morais. Estou ansioso para que nosso país conceda
permissão para que nossos filhos possam seguir carreira estudantil em seus próprios
lares, e com certeza, eu serei um que abraçará esta oportunidade quando os
filhos vierem. Ah, sim, não me importo com os que não concordam. Que eles cuidem dos seus filhos.