CHARLES HADDON SPURGEON,
E A LEI DE DEUS
Charles Haddon Spurgeon, comumente referido como C.H. Spurgeon (19 de junho de 1834 – 31 de Janeiro de 1892), foi um pregador batista britânico, nascido em Kelvedon, Essex.
Converteu-se ao cristianismo em janeiro de 1850, aos quinze anos de idade. Aos dezesseis, em 1851, pregou seu primeiro sermão; no ano seguinte tornou-se pastor de uma igreja batista em Waterbeach, Cambridgeshire.
Em 1854 Spurgeon, então com vinte anos, foi chamado para ser pastor na capela de New Park Street, Londres, que mais tarde viria a chamar-se Tabernáculo Metropolitano, transferindo-se para novo prédio.
Desde o início do ministério, seu talento para a exposição dos textos bíblicos foi considerado extraordinário, e sua excelência na pregação das santas escrituras lhe deu o título de o príncipe dos pregadores.
É muito comum ouvir pregadores renomados de várias igrejas evangélicas afirmarem que a lei de Deus não mais tem valor para os dias atuais. Não Foi assim com este ilustre pregador admirado e fortemente respeitado pela teologia evangélica.
Sobre a lei de Deus Spurgeon como grande teólogo e pregador Batista escreveu:
O corpo do homem é governado pela lei natural e seu comportamento pela Lei moral; estas duas leis devem refletir a harmoniosa vontade de Seu autor. A lei de Deus é divina, santa, celestial, perfeita...Não há mandamento em excesso; não falta nenhum; é tão incomparável que sua perfeição constitui uma prova de divindade.
Esta forte declaração de Spurgeon deixa evidente seu posicionamento a favor da lei que foi estabelecida para ser um conduto de luz ao comportamento moral humano. Deus estabeleceu Sua lei para ser obedecida. Obediência esta que deve perdurar até os dias atuais.
Embora alguns afirmem que a lei fora extinta na cruz, podemos perceber que para o pregador batista, a lei de Deus dos dez mandamentos permanece até os nossos dias. Observe como ele defende e cita um a um estes mandamentos de Êxodo 20:3-17 em seu sermão pronunciado numa noite de Domingo, em 8 de novembro de 1857:
“Todos aqueles que são das obras da lei estão debaixo da maldição; porque está escrito: maldito todo aquele que não permanecer em todas as coisas que estão escritas no livro da lei, para fazê-las” (Gal. 3:10).
Eu vou lhe dar um simples resumo que chamarei exterior, mas lembre-se que ela possui um sentido interior e espiritual infinitamente mais amplo que seu sentido literal. Escute então o primeiro mandamento da Lei:
NÃO TERÁS OUTRO DEUS DIANTE DE MIM.
O quê? Você jamais amou outra coisa além de seu Criador? Você sempre lhe deu o primeiro lugar em suas afeições? Você não tem feito um Deus de seu ventre, ou de seu comércio, ou de sua família, ou de sua própria pessoa? Oh! Você certamente não ousará negar que este primeiro mandamento lhe condena! E o segundo, você o tem obedecido melhor?
NÃO FARÁS PARA TI IMAGEM DE ESCULTURA, NEM ALGUMA SEMELHANÇA DO QUE HÁ EM CIMA NOS CÉUS, OU EM BAIXO NA TERRA, NEM NAS ÁGUASDEBAIXO DA TERRA.
O quê! Você jamais se curvou diante da criatura? Jamais colocou qualquer objeto terrestre no lugar de Deus? De minha parte, eu lhes declaro para minha vergonha, que tive ídolos em minha vida; e se sua consciência fala com sinceridade, estou certo que ela lhe dirá também: “Ó homem! Você tem sido um adorador de Mammon, um adorador de seus sentidos; você tem se prostrado diante de seu dinheiro e seu ouro; você tem se inclinado lhes dando honra e dignidade; você tem feito um Deus de sua intemperança, um Deus de suas cobiças, um Deus de sua impureza, um Deus de seus prazeres!”.
E o terceiro mandamento.
NÃO TOMARÁS O NOME DO SENHOR TEU DEUS EM VÃO.
Você ousaria sustentar que não o tem violado? Você jamais proferiu juramentos grosseiros, ou palavras blasfemas; não empregou ao menos irreverentemente o nome de Deus, em suas conversas comuns? Diga-me: você tem sempre santificado este nome, três vezes santo? Você nunca o pronunciou sem necessidade? Você nunca leu o livro de Deus distraidamente e com pressa? Você nunca escutou a pregação do Evangelho, sem respeito e recolhimento?
E quanto ao quarto mandamento, que trata da observação do sábado.
LEMBRA-TE DO DIA DE DESCANSO PARA O SANTIFICAR.
Há alguém bastante atrevido para dizer que nunca o transgrediu? Oh! Homem, ponha então sua mão na boca e reconheça que estes quatro mandamentos bastariam para lhe convencer do pecado e para despejar sobre você a justa cólera de Deus !
Mas continuemos nosso exame.
HONRA A TEU PAI E A TUA MÃE.
O quê! Você pretende não ser culpado neste ponto? Em sua juventude, você nunca os desobedeceu? Você nunca se rebelou contra o amor de sua mãe, nem desprezou a autoridade de seu pai? Folheie as páginas de seu passado. Veja se em sua infância, ou mesmo em sua idade madura, você sempre falou com seus pais como deveria fazer; veja se você sempre os tratou com a honra que eles têm direito e que Deus lhe ordenou lhes dar.
NÃO MATARÁS.
É possível, meu caro ouvinte, que você não tenha violado a letra deste mandamento; é possível que você não tenha tirado a vida a um de seus semelhantes; mas você nunca se deixou dominar pela cólera? Ora, a Palavra de Deus declara expressamente que aquele que se encoleriza contra seu irmão, é um assassino (I Jo 3:15). Julgue, depois disso, se você é ou não culpado.
NÃO COMETERÁS ADULTÉRIO.
Talvez você tenha cometido coisas abomináveis, e esteja mergulhado hoje mesmo, nas mais vergonhosas luxúrias; mas, admitindo que você tenha sempre vivido na castidade mais perfeita, você pode dizer, ó meu irmão, que você não tem nada a lhe reprovar neste mandamento, quando você se coloca na presença destas solenes palavras do Mestre: qualquer que olhe uma mulher para a cobiçar, já cometeu adultério com ela em seu coração (Mt 5:28). Nenhum pensamento lascivo atravessou seu espírito? Nenhum desejo impuro manchou sua imaginação? Oh! Certamente, se sua fronte não é dura como o bronze, se sua consciência não estiver inteiramente cauterizada, sua resposta a estas questões não deixaria dúvidas.
NÃO FURTARÁS.
Você jamais roubou alguém? Talvez, nesta manhã mesma, você tenha cometido um furto, e se encontra aqui, em meio ao povo, ainda com o produto do seu latrocínio; mas ainda que você seja de uma probidade exemplar, entretanto, não houve momentos em sua vida, em que você provou um secreto desejo de enganar seu próximo? Eu vou mais longe – você nunca cometeu, às escuras e em silêncio, algumas daquelas fraudes, que mesmo não sendo contrárias às leis de seu país, não deixam de ser infrações manifestas da santa Lei de Deus?
E quem de nós seria tão audacioso em afirmar que tem obedecido perfeitamente ao nono mandamento?
NÃO DIRÁS FALSO TESTEMUNHO CONTRA TEU PRÓXIMO
Nunca demos ocasião à calúnia? Nós não temos, freqüentemente, interpretado mal as intenções de nossos semelhantes?
E o último mandamento.
NÃO COBIÇARÁS.
Onde está o homem que não tenha pisado este mandamento com os pés? Quantas vezes não temos desejado mais do que Deus nos tem dado? Quantas vezes nossos corações carnais não têm suspirado pelos bens que o Senhor em sua sabedoria julgou melhor nos recusar? [...] Ora, eu lhe pergunto, você tem praticado todas as virtudes? Você tem evitado todos os vícios? Você diz, talvez, para sua defesa: “Eu não sou um intemperante.” Que seja. Mas você não será menos condenado, se você tem sido um fornicário. “Eu jamais cometi impureza”, você grita. Que seja ainda. Mas se você tem profanado o sábado, você tem incorrido em maldição. Você me responde que também nisto você não pode ser reprovado? Eu replico que se você tem tomado o nome de Deus em vão, esta única transgressão basta para lhe condenar. Sobre um ponto ou outro, a Lei de Deus lhe atingirá indubitavelmente. Mas há mais – não somente afirmo (e estou certo que sua consciência confirma também) que você não tem perseverado em todas as coisas que estão escritas na Lei, mas ainda sustento que você não tem perseverado em guardar em sua inteireza um único dos mandamentos de Deus. O mandamento é de uma grande amplitude, disse o salmista (Sl 109:96), e nenhum homem sobre a terra conseguiu sondar sua profundidade. Não é apenas o ato exterior que nos deixa passíveis da condenação eterna, mas o pensamento, a imaginação, a concepção do pecado, bastam para fazer perder a alma. E lembrem-se, meus caros amigos, que esta doutrina, que pode, eu concordo, lhes parecer dura, não é minha – ela é de Deus.
Como visto, Spurgeon tinha em mente a verdadeira coerência do papel reflexivo da lei na vida cristã. Este assunto, o da obediência, era fundamental em muitas de suas pregações. Via incoerência numa graça que não promovia obediência e restauração, pois afirma ele que:
Em geral, os ministros de Deus amam pouco esta tarefa (de pregar a lei). De minha parte, lhes confesso, preferiria pregar vinte sermões sobre o amor de Cristo, do que um único como este. De resto, me é raro escolher assunto como este, visto que não me parece necessário tratá-lo freqüentemente; entretanto, se nunca o tratasse, se deixasse sempre as ameaças divinas relegadas a segundo plano, sinto que meu Mestre não poderia abençoar a pregação de seu Evangelho, porque Ele quer que a Lei e a graça sejam anunciadas na mesma medida e que cada uma conserve o lugar que lhe é próprio.
Do Sinai, não houve outra reivindicação para obediência senão esta: “Eu sou o Senhor teu Deus que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão”. Nessa palavra, “Deus”, compreende-se as razões mais altas, mais importantes e mais justas para o homem render-se totalmente ao serviço divino. Visto que o Senhor é Deus deveríamos servir-Lhe com alegria, e apresentar-nos a Ele com canto.
Spurgeon conhecia bem o papel da lei de Deus. Vivia em plena conformidade com seus reclamos, e como o Salmista, acreditava nela como um guia seguro para não tropeçar nos próprios caminhos humanos (Sl 119:165). Entendia que a observância dos dez mandamentos não era apenas uma questão de lógica ou coerência cristã, mas principalmente um dever. A esse respeito ele disse que:
Cumprir as Suas leis deve sempre ser a nossa obrigação, porque essas leis são a verdadeira essência do que é correto; nenhuma delas é arbitrária, todas são as exigências de santidade imaculada e de justiça imutável. De fato, os decretos de Deus são mais do que simplesmente corretos; são bons no sentido de serem benéficos. Quando Deus diz: “Não faça isto”, é somente como uma mãe que proíbe seu filho de cortar os dedos num instrumento afiado, ou de comer frutas venenosas. Quando Deus diz: “Faça isto”, é praticamente como uma instrução para sermos felizes, ou pelo menos para fazermos aquilo que no devido tempo levará à felicidade. As leis do Senhor nosso Deus são corretas com relação a tudo, e por isso exijo de todos vocês a obediência de seu coração a Deus.
Como percebemos, essa idéia de extinção dos mandamentos não resiste à prova de um dos maiores pregadores que o movimento evangélico já teve. Graça e lei são inseparáveis. A lei é um reflexo do caráter de Deus e a forma como Deus se utiliza para mostrar-nos Sua vontade em termos morais. Spurgeon pregava a Cristo como único dom de salvação, mas também ensinava em suas igrejas que a lei de Deus é uma expressão de sua vontade e norma de conduta para os que eram salvos em Cristo.
Bibliografia
* Ver histórico da vida de Spurgeon em: BOYER, Orlando. Heróis da Fé, p.187-195. Disponível em: - Acesso em Julho de 2009.
* SPURGEON, (Teólogo Batista), Sermon On The Law.
* SPURGEON, Charles Haddon. Chamados aos não convertidos, Sermão nº 174. Pronunciado na noite de Domingo, 8 de novembro de 1857
* SPURGEON, Charles Haddon. A exigências de Deus, p. 6
* THEISS, Gilberto G. "Despertar de um Mandamento". Niterói - Ados. 2009.