A teologia do Pecado - 2º Parte

II. A CRISE DO PECADO – II
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Se a primeira coisa que aprendemos nas Escrituras a respeito do homem é que ele é um ser criado, partilhando a semelhança com Deus, a segunda verdade acerca do homem é a respeito de sua queda. Satanás destronou Deus da vida do homem e colocou‑se neste lugar. Na Bíblia, o pecado é visto como uma inclinação, uma curvatura para dentro. Nas palavras de Cristo, uma forma de escravidão (João 8:34).
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Para Lutero, o homem sob o domínio do pecado encontra‑se centralizado no eu, até mesmo quando pretende servir a Deus. Trabalhamos incessantemente, perseguimos nossa vocação, negócios, relacionamentos, contatos sociais, amizades – nestas, como em qualquer outra área da vida, naturalmente buscamos vantagens pessoais.
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Mas o pior é que, muitas vezes, tal espírito se manifesta mesmo quando pretendemos servir a Deus. Neste caso, não servimos a Deus, nós usamos a Deus. Ou, mesmo servindo a Deus, estamos servindo a nós próprios! Kierkegaard, o filosofo dinamarquês, em seu estilo irônico, chega a afirmar que a marca de todos os homens é quase fazer Deus tornar‑se inseguro de Si mesmo. Nossa atitude arrogante e pretensiosa, como a dos antigos fariseus, escondida sob mil máscaras e disfarces, manifesta‑se às vezes mesmo em ações nobres e elogiosas, dando assim testemunho da existência desse monstro enterrado nas profundezas de nossa essência.
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E quem, em momentos de verdade e autenticidade, sob a influência do Espírito de Deus, já não se surpreendeu com as distorções de que somos capazes? Quantos já não chegaram à conclusão de que a grande ironia não é descobrir que os maus sejam maus, mas que os “bons,” podem ser muito maus? – Para o apóstolo Paulo, “todos estão debaixo do pecado” (Rom.3:9); “Não há justo, nem um sequer” (Rom 3:10). Todos estamos debaixo da condenação divina, como atestado pelos primeiros capítulos da carta aos Romanos.
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Tais verdades não são nada lisonjeiras, temos que admitir! A queda envolveu todos os homens. Os efeitos dessa catástrofe histórica levaram este planeta a ser habitado por uma raça de pecadores, cuja mente carnal está em inimizade contra Deus (Rom. 8:7,8). Em relação a Deus, o homem está em oposição em relação si mesmo, dividido em relação aos seus semelhantes, em competição e rivalidade. Tal doença é incurável pelos métodos convencionais. Ela não apenas traz escravidão, infelicidade, morte, mas a condenação divina. O homem não apenas está doente: ele está perdido.
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De Adão, o pai da raça, não herdamos a culpa do seu ato, mas uma compulsão, uma tendência, uma inclinação para escolher o mal, uma natureza em rebelião. Quer gostemos disto ou não reconheçamos, creiamos ou não, admitamos ou não, cada pessoa que nasce neste pequeno planeta, a despeito dos resíduos da imagem de Deus nele, nasce com tal orientação para o mal que precisa ser radicalmente corrigida. O pecado, portanto, é universal, espontâneo, e impossível de ser erradicado por recursos humanos.
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Para E. White, em cada pessoa há “uma inclinação para o mal, uma força à qual, se desajudado, o homem não pode resistir.” As pessoas podem vencer tal força apenas por meio do “poder” de Cristo (Educação, pág. 29). Legalismo e perfeccionismo são incrivelmente ingênuos porque subestimam dramaticamente os efeitos do pecado no ser humano. Mais que ingênuos, legalismo e perfeccionismo são pecaminosos, porque emergem da arrogância de que, através de méritos de fabricação pessoal ou de desempenho humano, podemos alcançar aquilo que só a graça de Deus pode realizar. São pecaminosos porque invariavelmente produzem o orgulho, que é precisamente a antítese da fé
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III. CAIM E ABEL
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Devemos reconhecer que grande parte dos personagens da história sagrada são representativos ou tipológicos. Eles se colocam como representantes e tipos de um universo mais amplo, simbolizando, em geral, como as pessoas se comportam em relação a Deus e à salvação. Caim e Abel são símbolos de duas atitudes diametralmente opostas, com resultados também diametralmente opostos. Observe que o contexto da história dos dois irmãos tem que ver com o culto, com a adoração!
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O capítulo 4 de Gênesis não esclarece que o Senhor tivesse pedido especificamente determinado tipo de oferta. Somos apenas informados que cada um trouxe a oferta adequada à sua profissão (Gên. 4: 3 e 4). A palavra “oferta” (minhah) é um termo do ritual, que tanto poderia descrever um animal como ofertas de cereais (Lev. 2:1‑16). Devemos lembrar ainda que, às vezes, Deus solicitou o fruto da terra como ofertas (Deut. 26:1‑11).
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Assim, dizer que o que primariamente desqualifica a oferta de Caim é apenas a ausência de sangue, com base em Gênesis 4, é um argumento informado por conhecimento posterior. O texto bíblico, contudo afirma “...Atentou o Senhor para Abel e para a sua oferta, mas para Caim e para a sua oferta não atentou” (Gen. 4:4 e 5). Se isto fosse tudo o que soubéssemos de Caim, Abel e suas ofertas, poderíamos supor que Deus tivesse sido parcial ao ser favorável a Abel.
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Consideremos, entretanto, os seguintes pontos:
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Neste estágio, o pecado já alcançara um amplo ciclo de desenvolvimento na vida fora do Éden, e o sistema de sacrifício provavelmente já fosse conhecido, através da instrução divina.
O fato de que Abel trouxe uma “oferta do primogênito de suas ovelhas” (Gên. 4:4) sugere que ele tivesse aprendido isto de seus pais, o que certamente seria algo também conhecido por Caim. Além disto, Moisés, ao escrever esta narrativa, o faz com base em toda a informação subseqüente, que lhe havia sido comunicada sobre o serviço do santuário e sua tipologia. Isto, de certa forma justifica as omissões de todos os detalhes da narrativa.
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Contudo, é o Novo Testamento quem lança luz final sobre a questão. A real diferença entre os dois irmãos está na atitude, de fé ou incredulidade, das quais as ofertas eram uma manifestação exterior. O Novo Testamento expande as implicações da vida de Caim: “Não sendo como Caim, que era do maligno, e matou a seu irmão. E por que o matou? Porque as suas obras eram más e as do seu irmão, justas” (I João 3:12). Isto está em harmonia com Provérbios 21:27, segundo o que “o sacrifício dos ímpios é abominação.”;
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Por outro lado, a fé de Abel foi decisiva para a sua aceitação. “Pela fé, Abel ofereceu a Deus mais excelente sacrifício do que Caim, pelo qual alcançou testemunho de que era justo, dando Deus testemunho das suas ofertas, e por meio dela, depois de morto ainda fala.”(Heb. 11:4).
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Em suma, o cordeiro da oferta de Abel é sem dúvida um tipo do verdadeiro Cordeiro, que tira o pecado do mundo (João 1:29). As atitudes dos dois irmãos, à luz do que sabemos deles no Novo Testamento, são também tipos daqueles que se aproximam de Deus em obediência e submissão ou seguem seus próprios métodos, em rebelião e arrogância. O fato de que o Senhor “não atentou para a oferta de Caim,” (Gên. 4:5) confirma que aquilo “que não provém da fé é pecado” (Rom. 14:23).
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IV. ABRAÃO E O CALVÁRIO
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Em Abraão encontramos outro extraordinário modelo de fé e submissão. Para os judeus, Abraão encarnava a figura ideal. Com orgulho eles se chamavam “filhos de Abraão”. Abraão não era apenas o progenitor, responsável pela origem natural deles, mas dele (Abraão), os judeus derivavam a idéia de vantagem espiritual em que tanto que se gloriavam. Abraão era considerado “justo” no mais eminente grau, e tornou‑se no judaísmo um tipo, ou melhor, o arquétipo, daqueles que são justificados pelas obras. Na carta aos Romanos, no capítulo 4, Paulo, contudo, nega que os judeus tivessem qualquer direito de apontar para a justiça de Abraão como tipo da justiça daqueles que se sentiam justos pela lei.
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Paulo, portanto, retira Abraão como representante da justificação pela lei, e o estabelece como um tipo daqueles que são justificados pela fé. Abraão não tem do que se gloriar diante de Deus (Rom. 4:2). Precisamente por sua natureza, a justiça de Abraão é pela fé, não pelas obras, e isto não é o que Paulo diz, mas o que as Escrituras atestam. Assim, Paulo tem a Lei e os Profetas do seu lado: “Pois o que diz a Escritura? Abraão creu em Deus, e isso lhe foi imputado por justiça.”(Rom. 4:3) Para o apóstolo a palavra imputar tem a implícita noção de graça. Imputar significa atribuir, conferir. Se fosse pelas obras, isso não poderia ser “creditado” ou “imputado”, porque seria dívida (Rom. 4:4).
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Se, por um lado, a história da Abraão aponta para a justiça que é imputada, pela fé, o cordeiro que substitui Isaque aponta para o Calvário, onde o Filho de Deus Se tornaria o Substituto de toda a raça humana. A voz que impediu Abrão de finalizar o sacrifício de Isaque (Gên. 22:11), contudo, permaneceu em silêncio, quando Cristo Se ofereceu em sacrifício na colina do Gólgota. Sobre Ele o “cutelo” da condenação desferiu o terrível golpe que trouxe salvação a todos os que recebem o dom da graça. Fé e graça são os elementos centrais desta história. E devemos entender as idéias básicas destes dois conceitos bíblicos fundamentais:
A graça divina é a base da justificação;
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A fé, por outro lado, é o instrumento da justificação.
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Existe considerável confusão a respeito da fé, e por isto devemos clarificar que: A) a fé é o meio, o instrumento, não a base da justificação. O fundamento da justificação não é nada que se encontre no homem. B) A fé não é meritória em si mesma. Parece que muitos têm “fé na fé.” C) A fé não é auto‑gerada. Ela também é um dom (Rom. 10:17). D) Outro aspecto importante, que é também objeto de dificuldade e má‑compreensão, deve ser entendido: a fé não está em oposição às boas obras, ou à obediência à lei. A fé é contrária apenas às obras que são praticadas como método de justificação; a fé não é contrária às obras de obediência, que emergem como resultado do novo relacionamento com Cristo. e) Finalmente, fé não é mera crença, ou assentimento intelectual. Verdadeira fé, como no caso de Abraão, torna‑se evidente em boas obras de obediência (Tiago 2:17, 21); Paulo (Rom. 4) e Tiago (cap. 2), não estão em conflito.
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Eles são complementares. Paulo combate uma falsa noção de obras: obras como sendo meritórias para a salvação. Tiago combate um falso conceito de fé: fé como crença, como mera profissão, sem a correspondente expressão de obediência e submissão. Como no caso de Abraão, a crença torna‑se fé no ponto da ação. As obras dão testemunho da fé. As obras não são a base da fé, mas a evidência dela. Fé verdadeira não nos isenta da obediência mas dá‑nos uma nova motivação para obedecer!
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V. A SERPENTE NO DESERTO
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Todos conhecemos a história dos israelitas que morriam no deserto, sem qualquer esperança, picados por serpentes abrasadoras, e como Moisés foi instruído a fazer uma serpente de bronze. Segundo a ordem divina, quando as pessoas feridas de morte olhassem, viveriam (Num. 21:4‑9). Eles deveriam apenas olhar. Como Charles Spurgeon diria das palavras do pregador que prendeu sua atenção e o conduziu a Cristo, numa noite de inverno: ”Olhar não exige um grande esforço.
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Não é levantar o pé ou o dedo. É apenas ‘olhar.’ Um homem não precisa freqüentar a universidade para aprender a olhar. Ele não precisa ser rico. Uma criança pode olhar...” Jesus usaria a ilustração da serpente do deserto como símbolo de Sua crucifixão e dos benefícios que viriam disto. Em tom solene, Ele afirma a Nicodemos, o velho fariseu, nesta entrevista noturna: “Assim, como Moisés levantou a serpente no deserto, importa que o Filho do Homem seja levantado para que todo o que nEle crê tenha a vida eterna” (João 3:14 e 15). E é precisamente neste contexto que aparece o texto mais famoso das Escrituras: João 3:16.
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Muitos perguntam: por que a serpente, um clássico símbolo do pecado e do mal é utilizada? Não é incomum, quer nas Escrituras ou em nossa própria vida, que histórias de fracasso se tornem em seguida registros de vitória. Este é o caso no contraste desta história. O que é estranho aqui é o símbolo incomum de salvação e de graça, que é escolhido. A única esperança de cura emerge de algo totalmente improvável e paradoxal. Mas não é precisamente esta a história da cruz, onde vida emerge da morte, benção ilimitada surge da maldição? Onde “Aquele que não conheceu pecado, foi feito pecado por nós” (II Cor. 5:21)? Onde Ele se tornou “maldito” para resgatar‑nos da maldição (Gál. 3:13)?
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Qual a probabilidade de alguém ser curado de uma picada mortífera e sobreviver, simplesmente por olhar à imagem de uma serpente suspensa em um poste? Do ponto de vista humano, nenhuma, assim como banhar‑se sete vezes nas águas do Jordão não poderia curar alguém de uma doença como a lepra (II Reis 5:10). A cura dos israelitas aflitos não dependia da eficácia da serpente de bronze mais do que a cura de Naamã dependia das águas de um rio insignificante, quase estagnado. A questão apresenta um paradoxo deliberado. A dramática provisão do Senhor exige uma resposta pessoal de fé em Sua graça, misericórdia e instrução. A serpente do deserto é um tipo da oferta da cruz e toda a história que ela simboliza, a qual “é loucura para os que se perdem, mas o poder de Deus para os que se salvam.... Para que ninguém se glorie perante Ele” (I Cor. 1:18‑31)
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Amin Rodor