Daniel 3: prévia para um conflito final na adoração


O capítulo 3 de Daniel é um dos mais interessantes da Bíblia, quando se leva em consideração acontecimentos que nos fazem, com entusiasmo, projetar eventos escatológicos para o futuro. A lógica para essa compreensão é construída a partir de uma análise comparativa entre os episódios narrados no capítulo 3 de Daniel e Apocalipse 13, como pode ser observado abaixo:



Embora careçam de evidência mais contundente para o significado do número 666, alguns estudiosos modernos veem as medidas da estátua como um pressuposto para Apocalipse 13. Assim descrevem: número 6 – divindade menor; número 60 – divindade maior; número 600 – todo o panteão babilônico. Essa estimativa que envolve o múltiplo do número 6 ainda é alvo de muito debate na academia. Por esse motivo, as ponderações mais coerentes e livres de sensacionalismos permanecem na ideia da contrafação, imperfeição humana e falsificação da verdade – uma vez que o número que representa Deus e Sua verdade é o 7.

Para uma compreensão mais ampla daquilo que é mais significativo no contexto profético de Daniel 3, esboçarei quatro fatos importantes e que podem estabelecer conexão com acontecimentos finais envolvendo um conflito contra Deus, Sua verdade e a verdadeira adoração.
1) Fala do orgulhoso rei que queria fazer do seu reinado um império absoluto e indissolúvel. Mesmo apesar das manifestações de Deus apresentadas no capítulo 2, o rei Nabucodonosor, vencido pelo orgulho, pretendeu mostrar que seu poder e sua glória estavam acima de qualquer outra nação ou profecia divina que fosse contrária a esse propósito. Por mais surpreendentes que sejam, as lições anteriores da ação sobrenatural revelando sonhos e da verdadeira teologia não impediram Nabucodonosor de voltar à idolatria.
2) O orgulhoso rei Nabucodonosor, para reforçar seu propósito de soberania incondicional, fez uso de suas maiores fontes de poder: o poder do estado e o poder da venerada religião babilônica. Ou seja, ele levantou uma estátua, símbolo de seu poder estatal, e com medidas que estavam conectadas com o panteão religioso babilônico, que representavam obviamente o poder religioso da nação. Mas há outro elemento pouco observado pelos leitores, todavia, imprescindível para a ocasião: a música. Repetida quatro vezes (nos versos 5, 7, 10 e 15), indica que a música exerceu forte papel de indução à falsa adoração. Para Jacques Doukhan, por exemplo, “os antigos sabiam como usar a música para provocar uma experiência mística”.[1] Para Paul Tanner, “a música solenizou e intensificou as emoções naquele momento, amortecendo a habilidade de muitos para pensar de forma clara. A multidão foi compelida, de modo que as massas prontamente obedeceram à ordem do rei”.[2] Portanto, o rei não pretendia apenas impressionar, mas também compelir as pessoas que estavam presentes à falsa adoração usando a glória da estátua de ouro, a grandeza mística da sua religião, e o poder apelativo de uma música extasiante. É dessa maneira que descreve Ellen White, ao comentar o episódio de Daniel 3. Observe:
“O dia marcado chegou, e ao som da música arrebatadora [extasiante, entrancing, no inglês] a vasta multidão ‘prostrou-se e adorou a imagem de ouro’.”[3] Também é dessa mesma forma que Ellen White descreve o conflito final envolvendo a falsa adoração – a história se repetirá. A falsa religião será exaltada. O primeiro dia da semana, um dia comum de trabalho, não sendo santificado em coisa alguma, será exaltado como foi a imagem na antiga Babilônia. […] A coação é o último recurso de toda falsa religião. A princípio, será tentada a linguagem da atração, como o rei de Babilônia tentou usando o poder da música e da exibição exterior. Se essa atração, inventada por homens inspirados por Satanás, falhar em levar as pessoas a adorar a imagem, a chamas ardentes da fornalha estarão prontas para consumi-los.”[3]
3) O capítulo 3 de Daniel tem como narrativa central, nos versos 16 a 18, os jovens confessando sua fé, mesmo diante da ameaça e da coação. O poder da glória estatal representado pela estátua, o poder da intimidação religiosa representada pelas medidas da estátua, e o poder da extasiante música não foram capazes de causar qualquer constrangimento naqueles jovens hebreus. E sabe por que eles foram irredutíveis, mesmo em face do forte encantamento ou da morte?
  1. a) Porque eles tinham relacionamento próximo com Deus.
  2. b) Porque eles viviam a verdade de Deus.
  3. c) Porque, mesmo longe de Jerusalém e mesmo próximo de uma cultura mística, secular e essencialmente pagã, eles não perderam as raízes ou a identidade. A fé, a verdade e os valores não se mesclaram, não se diluíram e não se corromperam com a cultura profana daquele ambiente.
4) Por fim, o capítulo 3 nos ensina lições preciosíssimas de fidelidade, lealdade e compromisso dos jovens hebreus, e nos ensina também sobre a fidelidade, lealdade e o compromisso de Deus para com os Seus. A essência do livramento de Deus é simples: se Deus e a Sua vontade forem prioridade em nossa vida, nós seremos prioridade na vida de Deus.
Conclusão
Assim como aqueles jovens vivenciaram experiências hostis por parte do estado e da cultura religiosa da época, em breve o povo de Deus passará por provas do mesmo princípio. Esse cenário pode ser observado já se construindo em nossos dias, por meio de atos doutrinariamente ecumênicos. Embora o descanso dominical seja o emblema mais categórico da falsa adoração, podemos inserir no mesmo pacote a crença na imortalidade da alma, o conceito denominado de evolução teísta e, como observado na adoração à estátua e comentado por Ellen White, o ecumenismo musical capaz de apelar fortemente aos sentidos de forma extasiante. Portanto, a história registrada em Daniel 3 não é apenas um cenário histórico, mas um chamado feito a nós para um genuíno reavivamento e uma reforma em nosso meio. Ou seja, reavivamento espiritual no amor e um comprometimento original nos valores.
O mundo, as igrejas, alguns conceitos, costumes religiosos e algumas formas de adoração das igrejas constituídas como filhas de babilônia estão sorrateiramente passando por um processo de harmonização. Todavia, a igreja que representa a remanescência apocalíptica precisa manter-se próxima para salvar, porém, ao mesmo tempo distante para não se perder. Próxima para influenciar, porém, distante para não comprometer sua identidade. Em breve, a exemplo dos jovens hebreus, seremos desafiados a rejeitar nossa raízes, secularizando-as ou relativizando-as – se é que alguns ou muitos já não estão assim fazendo.
(Gilberto Theiss é graduado em Filosofia e Teologia, pós-graduado em Ensino de Filosofia, Ciência da Religião, História e Antropologia e mestrando em Interpretação Bíblica)
 Referências:
  1. Jacques B. Doukhan, Secrets of Daniel [RH, 2000], 48, 49.
  2. J. Paul Tanner, Commentary on the Book of Daniel, 42 (Manuscript 110, 1904; Cristo Triunfante, 177).
  3. ST, 6/5/1897; SDABC, 7:976.