Radicalização, moralidade e eleição


Quando eleito em 2008 o presidente Barack Obama escolheu para a Oração Inaugural o pastor Rick Warren. Um pastor conservador que defendeu a Proposição 8 do Estado da Califórnia, que proíbe o casamento gay. À época, críticas à escolha foram friamente rechaçadas por ambos. Agora, o reeleito Obama convidou o reverendo Louie Gíglio, um religioso que tem feito um trabalho espiritual voltado a estudantes universitários. Mas os vários movimentos pelo direito gay denunciaram e postaram nas redes sociais que Gíglio é contra os gays. Provaram os fatos postando um sermão dos anos 1990, no qual o reverendo diz se esforçar para que os homossexuais “se endireitem”.
         
Diante do grande furor, da “denúncia” e da controvérsia, Gíglio pediu que fosse cancelada sua indicação para a Oração. Ele afirmou que debater o direito dos homossexuais não é uma das suas prioridades, mas não renunciou a nada do que falou. Nas palavras dele, “minha participação e a Oração que eu oferecer serão nulificadas por aqueles que buscam chamar a atenção para a sua agenda durante a Inauguração”.
         
Segundo o Instituto de Religião e Democracia, querem banir a ética e a ortodoxia da vida cívica daquele país. Ou seja, você é denunciado por expressar e defender seus valores éticos e morais.
        
Hoje, você criticar e questionar valores morais pode causar problemas, posto que uma postura divergente da maioria é politicamente incorreta. Nos anos 1960, a imensa maioria dos norte-americanos era racista e desprezava os movimentos de entidades pelo direito negro; mas, quando a polícia começou a agredir com cassetetes e mangueiras d’água os militantes dos direitos civis, os brancos racistas começaram a mudar de ideia, pois era inadmissível tolher a liberdade de expressão, mesmo que fosse dos negros.

Talvez, hoje, fosse aceitável perseguir um Martin Luther King, haja vista que, ao combater o racismo, o honorável reverendo estivesse bravamente criticando as autoridades constituídas e defendia ideias que, segundo a maioria, eram equivocadas; logo, se ele estava equivocado, ele não tinha o direito de expressar suas ideias e merecesse ser preso.

Mas na política eleitoreira tudo se resolve com um passe de mágica. Myrlie Evers- Williams, viúva do ativista negro Medgar Evers assassinado nos anos 1960, fez a oração inicial pedindo que se acabasse com o racismo e a homofobia. O poeta de ascendentes cubanos Richard Blanco (44 anos) leu seu poema perante a multidão. Richard bateu três recordes: poeta mais jovem a participar de uma inauguração presidencial, primeiro poeta hispânico e primeiro poeta gay. Em seu discurso, o presidente expressou incisivamente seu compromisso contra a homofobia e finalmente o reverendo hispânico Luis Leon, em sua oração final, pediu bênçãos tanto para os que são “gays” quanto para os “straight”.

Nitidamente, vê-se que a busca da reeleição mudou muitas coisas. Atualmente, a maioria dos norte-americanos apoia a causa gay, e um candidato a cargos públicos, por apoiar essa causa, conquistará alguns votos que lhe ajudarão a vencer; e Obama, de olho nas pesquisas, legalizou a presença de homossexuais nas forças armadas norte-americanas, escolheu vários juízes gays para as cortes federais e expressou apoio ao casamento gay de forma categórica em discursos, após sofrer pressões de suas bases eleitorais. Também o novo secretário de defesa, Chuck Hagel, que criticou a presença de gays no governo Clinton, renunciou a suas antigas opiniões (por temor de perder o cargo), dizendo que foi insensível no que falou.

Hoje, conservadores como o ex-vice-presidente Dick Cheney e Laura Bush (esposa de George W. Bush) apoiam a causa gay. Estados como Nova York e Califórnia criaram leis em favor da causa homossexual. Assim como nos anos 1980 houve acirradas disputas em torno do aborto e do controle de natalidade, agora o assunto é outro.
        
Obama conseguiu a reeleição radicalizando o discurso. Ele sabe que o diálogo com a oposição é quase nulo. É lamentável que as coisas sejam assim. É lamentável o aumento do déficit público. É lamentável a falta de acordo. É lamentável que líderes nos estados e mesmo no país discutam questões de moralidade, mas deixem de lado questões administrativas como desemprego, melhoria salarial, cuidado da natureza, entre outros.

Por isso, não importa mais excluir conservadores dos debates; há uma maioria liberal. Que o consenso vá às favas; ganhar a eleição é mais importante! Assim, conseguem-se algumas mudanças sociais, mas poucas mudanças reais que tragam melhorias, porque uma família dividida não prospera.

É muito difícil defender projetos de governo porque eles são complicados de explicar, e também é complicado mobilizar as pessoas ao redor de um candidato. Governança em favor das pessoas e mudanças estruturais complexas e necessárias são coisas boas, mas não dão votos.

Governança? Estruturação? Às favas... isso não garante votos... isso não conta nas urnas... o que conta é uma causa!
        
Mas apoiar os gays, ainda que eles não estejam sofrendo tanto quanto falam, ainda que suas exigências sejam exageradas, isso, sim, é uma causa, e causas dão votos. Essa causa hoje garante a eleição; assim como no passado ser contra o aborto. Defender posições moralistas é fácil, levanta as pessoas contra supostas ameaças dos inimigos que são os moralistas do lado de lá; cria a dicotomia do bem contra o mal; leva as pessoas a se mobilizarem pelo medo, e o político não precisa explicar muita coisa diante do óbvio. Ele é o defensor da causa. Ser defensor de uma causa é ser eleito para defendê-la, e é isso que conta na urna.

(Silvio Motta Costa é professor em duas escolas na Rede Estadual e na Rede Municipal da grande São Paulo)