Nosso artigo (link 01 e
link 02) que toca na questão da relação de Deus com o tempo gerou
comentários bastante interessantes. Parte dos comentários refere-se à falta de
profundidade no que foi dito sobre o debate teológico em si, com suas várias
posições, argumentos e contra-argumentos que foram propostos ao longo da
história, bem como as diversas ideias que foram consideradas e aceitas por uns
e descartadas por outros. Não são apenas duas posições, mas um espectro de
ideias. É verdade que deixamos de comentar (intencionalmente) todo esse rico
debate, até porque não era esse o foco do artigo. O objetivo era dizer que
existe esse debate com dois pólos principais em relação à questão da temporalidade
de Deus e que em boa parte ele tende a apoiar-se no vazio quando não leva em
conta a natureza do tempo.
E levar em conta a natureza do tempo é algo difícil quando não se sabe o
que é o tempo, detalhe que só foi descoberto no século 20 e ainda permanece
desconhecido para a maioria das pessoas. O resultado inevitável são argumentos
razoáveis misturados com falácias, as quais parecem ao senso comum tão
razoáveis quanto o restante. Nosso foco continua sendo esclarecer alguns
detalhes do conhecimento técnico que temos atualmente e deixar para os teólogos
aplicar o assunto ao debate sobre a temporalidade de Deus. Como fizemos antes,
podemos exemplificar consequências e reformulação de conceitos. Em particular,
qualquer cenário ou ideia na qual Deus seja incapaz de agir na história, ao
longo do tempo, entra em conflito com a Bíblia. Qualquer ideia que limite Deus
a uma linha de tempo qualquer entra em conflito com o que sabemos sobre o tempo
e sobre Deus. Deus necessariamente existe independentemente do tempo e além
dele, mas a palavra “independentemente”, aqui, tem um significado técnico que
pode ser diferente do que alguns esperariam em um debate filosófico. De forma
alguma significa que Deus não interage com o tempo.
Outro detalhe importante é a inadequação de linguagens não formais (não
matemáticas) para lidar com esse tipo de assunto. Quando falamos em “interagir
com o tempo”, por exemplo, em linguagem comum, as pessoas tendem a pensar em um
processo, parte do qual ocorre fora do tempo. Evidentemente, isso não faz
sentido, mas nos referimos a um tipo de relação que, pelo ponto de vista de
quem vive a passagem do tempo, corresponde a um processo ao longo dele. Uma
parte desse aspecto foi discutida por Agostinho, com base apenas em uma boa
intuição sobre o tempo. Hoje, porém, temos conhecimentos para tratar desse
assunto em muito maior profundidade e entrar seguramente em detalhes que em
épocas anteriores não eram imaginados ou, em alguns casos, eram meras
especulações.
Alguns dos comentários feitos indicam que precisamos discutir também certas
questões periféricas para que o tema seja mais bem entendido. As reais
implicações sobre o que sabemos hoje a respeito da natureza do tempo não
parecem ter sido plenamente avaliadas, mesmo por alguns dos nossos leitores
mais competentes que conhecem o debate teológico, mas que se beneficiariam de
uma intuição mais profunda de aspectos físicos do problema. Infelizmente, essa
percepção tende a ser bloqueada por alguns conceitos filosóficos que precisam
de alguns ajustes para se encaixar no que a natureza nos revela.
Ontologia
Uma das questões levantadas nos comentários é sobre a ontologia do tempo e
das leis físicas. A título de exemplo, em nosso artigo mencionamos o princípio
da ação mínima como um exemplo de entidade atemporal que não apenas interfere,
mas rege o que acontece ao longo do tempo. Isso foi recebido com estranheza por
alguns. Afinal, o princípio da ação mínima pode ser considerado uma entidade? E
o tempo? Seria uma entidade ou apenas um atributo do Universo? Nesse ponto
temos um conflito de jargões de diferentes áreas. Além disso, existe uma
questão conceitual que transcende à diferença de uso de palavras. Por essa
razão, mesmo antes de discutirmos jargões, procuraremos comentar de maneira
informal essa questão ontológica. Adiantamos, porém, que o conceito de entidade
que utilizamos aqui também é bastante geral. Um atributo de qualquer coisa (ou
pessoa) é uma entidade matemática. Mas o assunto principal agora é ontologia.
Para quem não está familiarizado com esse termo filosófico, ontologia diz
respeito à essência do ser, o que ele é de fato; como as entidades se
classificam e se relacionam em função de sua natureza mais fundamental.
Na cultura do último século no estudo da Física, tipicamente reservam-se
questões ontológicas para filósofos. Físicos preocupam-se com comportamentos,
em sentido amplo. Forma, cor, características, por exemplo, são comportamentos.
Comportamentos em relação ao tempo representam apenas um dos tipos que
estudamos. A rigor, o físico não pergunta o que é um elétron em sua essência,
mas como ele se comporta. Qualquer coisa que se comporte como um elétron será
chamada de elétron, por definição. A classificação é feita por meio do
comportamento. Mas o que é um elétron, em última análise? Em princípio, essa
não é uma pergunta para a qual o físico se julgue competente para procurar uma
resposta. Eu disse “em princípio”.
Descoberta de leis
Esse jogo de quebra-cabeças que consiste em reunir pistas sobre como
funciona a realidade física apresenta uma “virada” interessante quando se ligam
alguns pontos. Para explicar que virada é essa e em que se baseia convém trazer
à tona alguns detalhes mais relevantes da história das descobertas na área da
Física.
Seguindo a proposta de Galileu e outros, Isaac Newton deu largos passos
rumo a adotar uma forma de estudar a natureza utilizando métodos matemáticos de
maneira mais sistemática. No processo, descobriu o Cálculo Diferencial e
Integral (assim como Leibniz, independentemente). Isso foi essencial ao
progresso dos últimos séculos, pois o estudo da realidade física tem o Cálculo
como pré-requisito e não há como ir muito longe no estudo das leis da natureza
sem um conhecimento sólido de equações diferenciais, que dependem do Cálculo.
Usando essas ferramentas matemáticas descobertas no próprio mundo físico,
Newton conseguiu formular três leis da Mecânica. Essas mesmas ferramentas
matemáticas revelam um rico infinito além, o qual ainda mantém físicos e
matemáticos ocupados até os dias atuais. É difícil até mesmo dar conta da
quantidade de informações que jorram abundantemente da natureza quando usamos
esses métodos. Comparado com isso, o conhecimento humano adquirido ao longo de
dois milênios corresponde apenas a gotas.
Juntamente com a Teoria da Mecânica de Newton (três equações e suas
consequências) havia uma série de ideias extras mantidas pelo próprio Newton e
por outros. Entre elas, a de que o tempo seria algo absoluto. Nada nas leis de
Newton diz isso, mas essa ideia era tida como verdadeira e afetava a maneira
como as pessoas utilizavam as equações de Newton.
No século 19, James C. Maxwell descobriu a Teoria Eletromagnética, composta
de quatro equações diferenciais vetoriais que regem os fenômenos
eletromagnéticos, isto é, quase tudo o que existe no cotidiano, incluindo a
Química, a Biologia e a tecnologia de aparelhos elétricos e eletrônicos.
Tornou-se viável construir aparelhos que processam informações sofisticadas
graças a essa teoria. O problema é que as equações do eletromagnetismo nos
dizem que a velocidade de propagação das ondas eletromagnéticas é absoluta.
Três possibilidades foram imaginadas: (1) houve erro na dedução das equações,
(2) existe um referencial absoluto e aquela forma das equações só funciona
nesse referencial ou (3) o tempo é relativo, o espaço é relativo, mas o
espaço-tempo é absoluto. Até onde se pode medir e testar, a proposta (1) é
falsa; as equações são válidas. O item (2) também demonstrou-se falso; as
equações valem em qualquer referencial inercial. O item (3) deu origem à
Relatividade Especial, demonstrando-se verdadeiro em cada um dos milhões de
instâncias testadas até hoje. Mas a Relatividade Especial parecia gerar
resultados bem diferentes dos da Teoria de Newton a altas velocidades.
Contraria também a intuição comum e até hoje sofre críticas por isso,
tipicamente com argumentos falsos, mas que parecem razoáveis. Um exemplo é o
famoso pseudo-paradoxo dos gêmeos, simples de resolver mas que confunde alguns.
No início do século 20, outra descoberta importante ocorreu: descobriu-se
que átomos possuem um núcleo eletricamente positivo com volume insignificante
comparado com o tamanho total do átomo. E o núcleo contém quase toda a massa do
átomo. Ao redor, temos elétrons, negativos. Imaginou-se o átomo como sendo
semelhante ao Sistema Solar, com o núcleo fazendo o papel do Sol e os elétrons
orbitando o núcleo como planetas. Mas a Teoria Eletromagnética dizia algo
importante sobre isso: se os elétrons se movessem em trajetórias curvas ao
redor do núcleo, irradiariam sua energia cinética e logo cairiam sobre o
núcleo. Os átomos não seriam estáveis. Mas os átomos são estáveis. O que estava
errado? A Teoria Eletromagnética ou a Teoria de Newton? Por que elas pareciam
incompatíveis? Imaginou-se então que, no mundo microscópico, as leis de Newton
não valeriam e que novas leis entrariam em vigor.
Essas coisas causaram uma espécie de crise filosófica entre físicos. Como
entender esse fracasso de teorias bem testadas? Propôs-se que o papel dessas
teorias não seria o de descrever hipóteses ontológicas, mas o de produzir
resultados observáveis dentro de uma região de validade. As leis de Newton, por
exemplo, seriam válidas somente para baixas velocidades e para o mundo
macroscópico. Felizmente, esse não foi o fim da conversa. Algo muito
interessante ocorreu em seguida e impôs mais um corretivo ao pensamento dos
físicos. Infelizmente, a maioria parece ter parado na fase anterior.
Antes de prosseguir, precisamos comentar brevemente uma estrutura
matemática chamada de espaço de Hilbert. E antes de falar nisso, precisamos
comentar o conceito de vetor. Quem teve a oportunidade de cursar o Ensino Médio
deve ter aprendido algo sobre vetores. Nesse nível, tipicamente, diz-se que
eles possuem direção, módulo e sentido. Um exemplo disso é a velocidade. Para
uma descrição da velocidade de algo, precisamos pelo menos do valor dessa
velocidade (módulo: quantos quilômetros por hora) e para onde está indo o
objeto em movimento. Na verdade, esse é apenas um dos tipos de vetores que
existem. Existe uma infinidade de tipos de vetores e os respectivos espaços nos
quais eles existem. Esses espaços consistem em um conjunto de vetores
(tipicamente em quantidade infinita) juntamente com escalares (que podem ser
números) e operações internas e externas a esses conjuntos. Usamos definições
matemáticas rigorosas para defini-los e teoremas para lidar com eles. Uma das
famílias de espaços vetoriais são os espaços de Hilbert. Eles são extremamente
úteis para representar situações (estados) de sistemas físicos, entre outras
coisas. Outro conceito importante é o de operador. Podemos, por exemplo,
representar a velocidade de um avião por um vetor. Mas como representar um giro
na trajetória causado pelo piloto? Trata-se de uma transformação que muda a
velocidade do avião de um vetor para outro. Matematicamente, descrevemos isso
como uma operação que aplicamos sobre um vetor e cujo resultado é outro vetor.
A entidade matemática responsável por essa operação chama-se operador.
Voltemos à história das descobertas. Encontraram-se duas maneiras de
estudar as leis do mundo microscópico (mundo quântico). Essas maneiras pareciam
totalmente diferentes, mas davam os mesmos resultados. Examinando ambas, é
possível notar que são instâncias de diferentes representações de operadores e
vetores em espaços de Hilbert. As abordagens usadas até então para estudar o
mundo microscópico (quântico) eram apenas dois exemplos de um conjunto infinito
de representações possíveis de espaços de Hilbert. Cada direção nesse espaço
representa um estado físico (no sentido de descrição completa do sistema, não
se é sólido, líquido ou gasoso). Os operadores, que transformam um vetor em
outro, correspondem a mudanças de estado físico, como no exemplo do operador rotação
faz um avião desviar-se de sua trajetória original.
O interessante é que, ao contrário do que pareceu antes, as leis de Newton
continuam perfeitamente válidas no mundo microscópico. O que não é válido é
representar grandezas mensuráveis somente por números. Nesses domínios, é
importante representar o ato de medir, sendo o resultado da medida insuficiente
para descrever o que ocorre. O ato de medir corresponde a operadores no espaço
de Hilbert. As leis da Mecânica Quântica são as leis de Newton expressas como
representações de relações entre operadores no espaço de Hilbert.
E quanto à Relatividade? A Teoria de Newton não diz que o tempo é absoluto?
De maneira nenhuma! Quando corretamente expressas, as equações de Newton não
dizem que o tempo é absoluto. De fato, a Relatividade Especial consiste nas
equações de Newton acrescidas de dois novos postulados (duas leis extras). Nada
deixou de valer. Aliás, nenhuma teoria baseada em métodos matemáticos
corretamente usados jamais deixou de valer diante de novas descobertas. De
fato, ao testar novas teorias, uma das primeiras coisas que os físicos fazem é
verificar se elas passam no princípio da correspondência: se uma teoria nova
possui intersecção com uma teoria já testada em sua região de validade, então a
nova teoria precisa concordar com a teoria anterior na região da intersecção. A
realidade não muda. O que já funciona não pode parar de funcionar porque algo
novo foi descoberto. A ideia de que teorias aceitas hoje podem ser rejeitadas
amanhã é válida no âmbito do que deveria ser chamado de pseudociência ou falsa
ciência. Na Ciência formal isso não acontece.
De volta à Mecânica Quântica, apesar de não se pretender utilizá-la para
resolver questões ontológicas, ela se desdobrou em tantas consequências interessantes
que fez com que os físicos e filósofos ficassem a debater até hoje em busca de
maneiras de colocar tais achados em algum arcabouço filosófico (o matemático
baseado em espaços de Hilbert já estava lá e resolveu os problemas com
facilidade). Embora esse não seja o trabalho do físico, é difícil resistir a um
apelo assim. Afinal, alguém precisa traduzir uma parte do que o formalismo
matemático diz para que o conhecimento se espalhe na sociedade. Traduzi-lo
inteiramente para uma linguagem humana é impossível, mas é importante traduzir
o que for possível. Entre esses desdobramentos, existem alguns com implicações
sobre a ontologia de tudo o que nos cerca. Mesmo que não seja isso o que os
físicos procurem, teorias e frameworkscientíficos são descobertos e
não inventados (ao contrário das teorias e frameworkspseudocientíficos),
de forma que possuem vida própria e podem contrariar até mesmo seus
formuladores (aqueles que encontraram maneiras de escrever as relações
descobertas em linguagem formal). Uma consequência disso é que teorias
científicas podem trazer informações inesperadas sobre a realidade,
surpreendendo até seus descobridores. Isso, de fato, acontece com certa
frequência quando se usam métodos matemáticos da Ciência. Muitas entidades e
fenômenos desconhecidos foram descobertos dessa maneira muito antes de serem
observados na prática.
Mecânica Quântica e Ontologia
Tentaremos agora prover um vislumbre de um detalhe do mundo quântico que
traz em seu germe profundas implicações ontológicas.
Em condições normais, em um espaço-tempo de uma dimensão de tempo e três de
espaço, existem dois tipos de partículas fundamentais: férmions e bósons.
Exemplos de férmions: elétrons, prótons, nêutrons, neutrinos, quarks. Exemplos
de bósons: fótons, glúons, W, Z. O que os distingue é uma propriedade chamada
spin. Bósons possuem spin inteiro (ex.: 0, 1, 2, ...). Férmions possuem spin na
forma n+½ (ex.: 1/2, 3/2, ...). Parece algo sem maiores consequências, mas não
é. Uma consequência importante e não óbvia é que dois férmions não podem ocupar
o mesmo estado quântico ao mesmo tempo (“princípio” da exclusão, que na verdade
é um teorema). Bósons não possuem tal restrição. É graças a esse comportamento
dos férmions que a Química existe. Sem essa propriedade, não haveria níveis
eletrônicos estáveis acima do 1s. Não haveria ligações químicas. Não haveria
moléculas, nem reações químicas, nem sólidos ou líquidos. Só haveria fluidos
semelhantes a gases. A vida seria impossível. Nós não existiríamos. Na verdade,
as consequências vão além disso, pois até os núcleos atômicos teriam
propriedades tais que toda a matéria do Universo tenderia a colapsar gerando
buracos negros. Mesmo que não houvesse o colapso, não haveria estrelas.
Mas o que exatamente isso tem a ver com ontologia? Nossa intuição sobre o
assunto molda-se em um ambiente no qual não existem dois objetos exatamente
iguais. Cada objeto (no sentido mais amplo da palavra, que inclui pessoas) tem
sua identidade e pode ser distinguido dos demais. Nossa intuição ontológica e a
filosofia que desenvolvemos a partir dela baseia-se nisso. No mundo
microscópio, a partir de certo nível, a situação se inverte. Por exemplo,
férmions (ex.: elétrons) só respeitam o princípio da exclusão se forem
absolutamente indistinguíveis. Isso é mais profundo do que parece. Para que o
“princípio” da exclusão funcione, não pode haver qualquer diferença, conhecida
ou desconhecida, entre dois elétrons, dois prótons, e assim por diante. Mais do
que isso, é preciso ser impossível até rotular dois elétrons para se dizer qual
é o elétron 1 e qual é o elétron 2. Isso necessariamente é impossível. Eles
precisam ser indistinguíveis no nível ontológico. Se houver qualquer maneira de
atribuir-lhes alguma individualidade, a Química deixa de existir, levando-nos
com ela.
A indistinguibilidade de férmions tem consequências fundamentais para a
existência de tudo o que a humanidade conhece e experimenta. Mas bósons também
são indistinguíveis de outros do mesmo tipo. Isso é uma característica geral da
realidade física. É como se não existissem muitos elétrons, mas muitas cópias
do mesmo elétron, cópias que não podem sequer ser rotuladas por serem
ontologicamente idênticas. Se uma cópia pudesse ser identificada e distinguida
das demais, não estaríamos aqui.
Isso tem consequências para o que é composto dessas partículas (ex.:
matéria). Dois átomos de um mesmo tipo (ex.: C-12) que estiverem no mesmo
estado nuclear e eletrônico são absolutamente indistinguíveis.
Mas, então, como é possível haver objetos diferentes, distinguíveis?
Estados podem ser identificados. Estados são informação. Informação permite
ontologia física. Duas moléculas exatamente com a mesma composição, mas em
estados diferentes são distinguíveis. Estados podem ser transferidos de um
material para outro. Isso equivale a teletransporte, já que a ontologia está
nos estados. Não são as partículas que nos compõem que nos conferem identidade.
Nossa identidade compõe-se de informação, não de matéria.
São as propriedades e os estados dos sistemas físicos que lhes conferem
identidade, que os tornam acessíveis a considerações ontológicas.
Nosso objetivo aqui foi o de dar um vislumbre sobre o tipo de coisas que
encontramos no estudo da realidade física que nos forçam a repensar o que
aprendemos em Filosofia e a utilizar novos conceitos ou a redefinir os antigos.
Propriedades, características, possuem, no mínimo, tanto direito a ser
chamadas de entidades quanto partículas ou coisas compostas por elas. Isso
inclui o tempo, que é uma propriedade do espaço-tempo, que é o “tecido” do qual
o Universo é feito. As leis físicas também possuem existência bem real e são
elas que permitem a existência de outras ontologias. Merecem ser chamadas de
entidades, embora não sejam seres conscientes, mas apenas padrões matemáticos
que permitem que tudo exista e funcione.
Deus é a entidade coerente máxima, o que Lhe confere não apenas consciência
em um nível inatingível para seres finitos (onisciência), mas uma infinidade de
outras características que sequer podemos imaginar, muitas das quais temos
aprendido a estudar graças à enxurrada de conhecimentos específicos sobre o
Criador proporcionados pela natureza, depois de destrancarmos a porta com a
chave provida pela Bíblia, chave essa chamada Ciência formal (matemática). A
onisciência divina é de tal natureza que dispensa o tempo de tal maneira que
implica em que Ele tenha características de um Ser Pessoal. Uma familiarização
com teoremas ontológicos e suas consequências torna isso até intuitivo.
Contudo, precisamos ter em mente que a intuição não é um guia seguro fora dos
domínios do cotidiano, o que nos força a depender muito mais da Matemática, que
se tem demonstrado sempre confiável. Seres finitos não poderiam ter essa
propriedade independentemente do tempo, pois dependem de processos mentais ao
longo do tempo para ter consciência. Mas isso abre outra longa questão cuja
complexidade técnica exige ainda mais esforço didático do que o que acabamos de
apresentar.
(Eduardo Lütz é astrofísico e engenheiro de software)
(Eduardo Lütz é astrofísico e engenheiro de software)