Gilberto Theiss |
Do ponto de vista
linguístico a ética possui a sua definição, mas na prática, talvez por conta do
forte relativismo e subjetivismo atual, é percebível uma certa crise da
identidade que a define. O poeta Augusto Branco pontuou, talvez de uma forma
não muito animadora, que “a ética é uma invenção humana que depende muito do
espaço geográfico que a pessoa ocupa”. Para alguns, a ética deve levar em
consideração o bem-estar do coletivo e não do indivíduo, enquanto que para
outros, a ética deve ser a base de sobrevivência apenas do indivíduo sem levar
em consideração as normas de conduta e o bem-estar do coletivo.
Esta segunda
inclinação é melhor observada na luta pela sobrevivência, centrada, muitas das
vezes, no comércio, capitalismo, busca por posições, promoções e alcance de
metas que podem transformar os seres humanos em mercadorias, números e lucros,
pois as premissas que regerão o comportamento serão, em palavras bem populares,
a “esperteza” e a “malandragem”. O professor e escritor Juarez Alves, por
exemplo, escreveu que “as pessoas passam a vida toda atropelando a ética em
nome da sobrevivência”. Paulo Freire também condenou este tipo de ética como
malvada, que se baseia meramente na satisfação do lucro e da venda. Conceitos
estes que podem ser notados na esfera exata da vida ou nas humanas. Ou seja, a
busca desenfreada pelo sucesso, alcance de metas, resultados ou do lucro e
prazer, podem contribuir para que o indivíduo escolha um padrão de ética que
satisfaça as suas ambições pessoais, mesmo às custas do infortúnio alheio.
Quando chegamos ao
ponto de não nos importarmos com o bem-estar do próximo, então, formamos o
nosso próprio conceito de ética que se alicerça nos interesses comodistas e
individualistas. Esse tipo de ética geralmente não pode suportar a translucidez.
Quando os interesses particulares por fama, sucesso, posição, lucros e prazeres
estabelecem as regras da ética, com certeza não haverá estima ou conveniência
para a transparência. Por quê? Simples, levando em consideração a natureza
humana com os seus desvarios, o golpe, a corrupção, a trapaça, ou o famoso e
bem conhecido “puxa tapete” serão as ferramentas utilizadas para alcançar as
pretensões mais cobiçadas. Nas palavras do escritor francês Albert Camus, este
tipo de pessoa, na verdade, pode ser mais conhecida como sem ética e com
comportamento selvagem. Juahrez Alves, por sua vez, consideraria esse tipo de
ética, como uma má conselheira para o progresso.
Mas a ética do
ponto de vista cristã é diferente, ou pelo menos deveria ser. A ética cristã se
baseia no bem-estar do coletivo em detrimento do indivíduo. Ela se parece um
pouco com a descrição de Dostoiévski, quando ironizou: “eu não me ajoelhei
diante de ti, mas diante de toda a dor humana”. Não que o indivíduo, com as
suas prerrogativas de felicidade e êxito, não seja importante, mas o foco é do
individual para o coletivo.
A ética cristã
está alicerçada na felicidade, na satisfação e realização de todo o corpo e não
exclusivamente em um único membro. Por ser altruísta em suas intenções, não
será vista como inimiga da transparência, pois ela padroniza um estilo de vida,
ou comportamento, que nos faz louváveis no oculto ou no manifesto, no coberto
ou no descoberto. Ela se harmoniza também com a descrição de Immanuel Kant, que
afirmou: “Tudo o que não puder contar como fez, não faça”.
A expressão tônica
se alicerça na necessidade de sermos o mais próximo possível do autor da ética
cristã. Como escreveu Paulo em uma carta enviada aos cristãos da Galácia, por
volta do ano 50 de nossa era: “Já estou crucificado com Cristo;
e vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim”. (Gl
2:20). Ele evidencia, com esta clássica declaração, que os seus interesses
exclusivistas não mais ocupariam o pódio. A partir deste encontro com o Autor
do cristianismo, sua vida passaria a revelar os princípios do Cristo
ressuscitado - o de amar a Deus e ao próximo mais do que a si mesmo. João, o
servo chamado de discípulo do amor, mas anteriormente conhecido como o filho do
trovão, talvez porque possuía um gênio difícil, também escreveu, próximo do
final do primeiro século que, “aquele que diz que está em Cristo,
também deve andar como Ele andou”. (1 Jo 2:6).
Portanto, do lado
divino, vemos o próprio Jesus como emanação da ética que Ele mesmo estabeleceu
em Seus conhecidos Dez mandamentos e repetidamente sintetizados em "amar a
Deus e ao próximo". Do lado humano, dentre muitos exemplos passados ou
contemporâneos, podemos citar o exemplo da pessoa de Madre Teresa de Calcutá,
que, segundo muitos relatos, não viveu para si, mas para todos.
Por fim, a ética
cristã, na esfera do interesse mútuo, possui os alicerces do amor como já
apresentados por Paulo em 1 Coríntios 13. Se todas as
atitudes forem moldadas pelo amor ao próximo como a si mesmo, independentemente
de ser amigo ou inimigo, então não haverá espaço para atitudes egoístas,
mesquinhas, ciúmes, competições, lucros abusivos e tapetes puxados. Não haverá
ambiente para o infortúnio alheio e muito menos a busca por satisfações ou
realizações em que alguém tenha que se ferir, ser rebaixado, desmerecido,
depreciado, desvalorizado ou prejudicado.
A ética cristã é
aquela que não impede o indivíduo de buscar os seus interesses pelo sucesso e
satisfação, mas o condiciona e o motiva a ajudar os outros a seguirem na mesma
direção crescente e ascendente. Ela não faz alguém desejar ser melhor do que o
seu próximo, mas ser melhor do que a si mesmo. O meu rival não é o outro, mas o
eu, o próprio eu. Para isto, devemos, além do coração, usar também a razão. A
razão, embora em crise por causa do forte relativismo e subjetivismo, deve
enxergar significado e propósito neste valor. Como afirmou o escritor português
José Saramago “Se a ética não governar a razão, a razão desprezará a ética”.
Claro que a ética,
sob o parâmetro cristão, não será jamais apreciada em um mundo tão repleto de
pessoas individualistas, competidoras e ciumentas. Por este motivo é que, do
ponto de vista teológico, somente a colisão com a verdade de Deus e a comoção
com a Sua grandeza, bondade e amor é que tornará possível impregnar-se com o
desejo de ser envolvido e permeado dessa ética tão radicalmente diferente do
que vemos no comum. Somente aqueles que se sustentam frequentemente na
majestosa presença de Jesus Cristo é que conseguem se abster lentamente e
processualmente dos motivos egoístas e orgulhosos desse coração pretensioso e
viciado em grandeza “egolátrica”.
Gilberto Theiss
- Graduado em Teologia e Filosofia. Especialização em Ensino de Filosofia,
Ciências da Religião e História e Antropologia. Mestrando em Interpretação
Bíblica.