A tradição ética helênica

GRENZ, Stanley. A busca da moral: fundamentos da ética cristã. Tradução de Almiro Pisetta. São Paulo: Vida, 2006. Resenhado por Gilberto Theiss.

A tradição ética helênica foi marcada pelo desenvolvimento filosófico de grandes filósofos nos tempos gregos e que largamente influenciou o mundo pós Grécia, alcançando mesmo algumas religiões do passado e até do presente, especialmente o cristianismo. Em sentido mais amplo e geral, pode-se definir a ética como “filosofia moral” que “envolve a reflexão sobre a moralidade, problemas e juízos”. Como já mencionado acima, a reflexão moral não se restringe apenas aos cristãos, uma vez que fora discutida mesmo entre os grandes filósofos. Eles puderam fornecer o molde “que deu forma à tradição ética ocidental”. Embora muitos dos códigos de ética tenham vindo de muitas discussões filosóficas helênica, o cristianismo herdou grande parte de sua ética do povo hebreu.

Platão. Para Platão, as definições mais perfeitas poderiam vir a partir de nossa compreensão do subjetivo ou imaterial. Para ele, o espiritual e o superior eram mais sublimes e real. As virtudes de cada ser humano, tanto racional quanto passional, formavam a alma e a integração ordenada que, consequentemente, levou-o ao entendimento da virtude.  Para este filósofo, as más ações eram resultado da ignorância e as atitudes boas, e a busca pelo bem eram resultantes da razão, do entendimento e da sabedoria. Com respeito da sociedade ordenada, ele acreditava que o conceito de justiça envolvia o conceito individual e da contribuição para o todo. Com o tempo, Platão “passou a defender uma vigorosa moralidade de estrita virtude”, e a busca do bem se resume em uma vida de integração ordenada. “Podemos resumir o conselho de Platão para a vida ética: cuidado com o prazer, especialmente os prazeres do corpo; procure antes conseguir equilíbrio e harmonia na vida, de modo que você possa empreender buscas intelectuais, em cujo ápice está a contemplação da forma do bem”.

Aristóteles. “Sua proposta ética começa com a questão acerca do propósito ou função da pessoa humana (nossa causa final)”. Embora voltado para algumas questões dos desejos e do prazer do humano, ele não era totalmente hedonista. Acreditava que tudo se focava mais para a busca da felicidade. “A felicidade é então a mais nobre e a mais agradável coisa do mundo”. Para ele, o conceito de felicidade era o de sentir-se bem, envolvendo o viver ou o comportar-se. Em outras palavras, a felicidade é o exercício efetivo da razão. Com respeito a virtude, é uma qualidade que permite as pessoas “funcionarem bem – cumprir suas funções com eficiência”.
A disposição de caráter e aprimoramento moral era uma das preocupações de Aristóteles. Ele dizia que não devemos apenas entender o que é certo, mas devemos agir em função do que é certo. Mas, dizia que as ações certas nem sempre tornavam as pessoas virtuosas. Acreditava que era possível nos tornar pessoas virtuosas desde que usássemos nossa vontade para alcançar este ideal. Ao contrário de Platão, Aristóteles acreditava mais no metafísico como fonte da ciência.

Epicuro e a paz de Espírito. Epicuro acreditava que o conhecimento nasce dos nossos sentidos e não meramente das ideias dos filósofos. Ele desenvolveu uma ética mais baseada na serenidade e paz de Espírito contrastando com o foco do conhecimento eterno que caracterizou Platão e Aristóteles.
Epicuro acreditava na virtude como princípio do prazer desde que ela fosse capaz de nos ajudar a escolher os prazeres certos. “O prazer deve ser produzido pela razão, que age com sobriedade, examina os motivos de todas as escolhas e rejeições, e afasta todas aquelas opiniões por meio das quais a confusão toma conta da mente”. Para Epicuro, o prazer e a dor da mente são mais significativos do que o do corpo. Ele negou que alguma providência divina governe o mundo. Acredita que até mesmo os deuses não passam de meros átomos. Os deuses não possuem interesse pelos humanos e muito menos controlam-na. Por esta razão é que ele acredita na consequência física dos acontecimentos e não teológica. Inclusive, diz ele, que por não haver retribuição divina, não precisamos temer a morte.
Este filósofo acreditava substancialmente na prudência e no valor da amizade. Segundo ele, a prudência leva o sábio a evitar a dor que aflige e a escolher os prazeres certo, isto é, tudo o que facilita a serenidade, a paz de espírito. A amizade propagada por Epicuro, parece muito superficial e extremamente frágil e também pareces estar mais fundamentada no interesse do que na utilidade mútua.

Os Estoicos e o autocontrole resignado. Para este tipo de tradição filosófica, o objetivo primeiro da vida é a sabedoria. Acreditavam que a sabedoria era viver segundo a natureza e não como a contemplação das coisas eternas. A realidade é racional, pois a natureza é regida pelas leis da razão. A vida é guiada pela providência. Viver bem consiste em viver segundo a natureza, i. e., de acordo com os princípios do universo - permitir que as leis do universo permeiem a nossa vida. Este tipo de filosofia acredita que devemos viver sob as rédeas dos deveres mútuos exigidos pela cidadania do universo.

Plotino e a união com o Divino. Com Plotino, na verdade ressurge o neoplatonismo. Platão acreditava que viver bem consiste no abandono dos sentidos para buscar a contemplação das formas eternas. Porém, na teoria Plotino, o homem é levado à interioridade da alma, talvez mais ao místico e ao êxtase. Nessa experiência, a alma torna-se divina. A divinização da alma resulta nos deveres Morais, na regulação dos prazeres e no conviver em comunidade.

Conclusão crítica. O tema em estudo abrangeu de forma condensada os argumentos e pensamentos de alguns dos principais filósofos gregos a respeito da ética, da conduta e da moral. Embora o texto traga visões diferentes, e algumas até conflitantes, é possível perceber que todos os filósofos possuíam uma preocupação comum - a da convivência mútua. A busca da felicidade e a busca das atitudes do bem, individual ou coletiva eram determinantes entre eles. Esta busca pelo bem, em cada universo filosófico de contemplação, resume-se ao mesmo princípio que determina a construção da filosofia cristã. A convivência mútua deve estar pautada pela busca da sobriedade nas relações e deveres pacíficos, especialmente nos direitos que os rege como comunidade. A moralidade e a ética cristã, embora sigam pressupostos profundamente religiosas, estão essencialmente enraizadas no mesmo princípio da preocupação filosófica – do bem estar e felicidade individual ou coletiva do ser.

Gilberto Theiss – Graduado em Filosofia e Teologia. Pós-Graduado em Ensino de Filosofia, Ciência da religião, História e Antropologia. Ph.i em Filosofia Literária. Mestrando em Teologia Bíblica.