Comentário da Lição da ES: A unidade do evangelho

(Fp 2:2-9) - A unidade é uma das armas mais poderosas contra o mal e é por este motivo que o anjo caído tem interesse especial em causar problemas que impliquem em desunião. Falta de unidade estabelece confusão, desavença, lutas, intrigas e inimizades no corpo de Cristo. Imagine só se os braços, as pernas, os ouvidos, os olhos e os demais membros do corpo não mais quisessem trabalhar em harmonia! Imagine se uma perna quisesse levar o corpo para frente e a outra perna fizesse todo o seu esforço para levar o corpo para trás!
A igreja de Deus pode perder a essência de sua missão caso tenha a sua unidade comprometida. Todavia, manter a carne (verdade) ligada à unha (unidade) nem sempre foi possível, mas, apesar dos desafios, deve ser o nosso seleto alvo.
O desafio é imenso, pois, como manter a unidade em meio à adversidade? E como manter a unidade quando a verdade é questionada? Martinho Lutero viveu na linha que separa ou que unifica a verdade e a unidade. Como um bom católico, amante de sua identidade romana, ele vivenciou o dilema de ter a responsabilidade de preservar a igreja e o evangelho ao mesmo tempo. Embora tenha lutado por este objetivo, a história, mais tarde, revelaria que a verdade causaria a maior ruptura religiosa da história.

A importância da Unidade: Quesito fundamental para o sucesso da igreja

(I Co 1:10-13) - Na primeira narrativa, o apóstolo faz menção a situações irregulares que existiam na igreja. Ele recebera notícias negativas que poderiam comprometer a unidade entre os apóstolos e consequentemente na própria igreja. Este problema soou como uma oportunidade para Paulo ensinar aos fiéis, especialmente, sobre a necessidade da unidade cristã (1:10-17).
A igreja de Corinto é um bom exemplo dos desafios e ameaças à unidade cristã. Paulo, em Corinto, enfrentou problemas como: Divisão e escândalo (1:10-6:20, divisões internas (1:10-3:23), má compreensão do ministério apostólico (4:1-21), incesto (5:1-13), questões judiciais nas mãos de juízes pagãos (6:1-11), problemas de imoralidade (6:12-20), matrimônio e celibato (7:1-40), alimentos consagrados a ídolos (8:1-11:1), desordem no culto público (11:2-34), e outros. Isto indica que qualquer problema, mesmo de ordem administrativa, não seria uma surpresa para o apóstolo. O que mais interessa nesta história é que Paulo enfrentou o problema e apresentou o ideal de uma igreja forte e vibrante – a unidade. A maneira como Paulo enfrentou a situação naquele tempo nos revela o grau de valor da unidade para os dias de hoje. Nada será mais devastador para a igreja do que a perda da sua unidade. Um povo desunido, que segue seu próprio rumo prático ou cognitivo, não será menos desordenado que as pessoas que participavam da construção da torre de babel após a confusão das línguas. Imagine que beleza ainda teria a nona sinfonia de Beethoven se cada um dos seus mais de cem instrumentistas resolvesse tocar suas próprias notas musicais.

Circuncisão e os falsos irmãos: Salvação pelas obras?

(Gl 2:3-5) - Não há nada de mau na circuncisão, pelo contrário, este ritual contribuiu, em alguns aspectos, para a conservação da saúde dos israelitas. O que de fato estava em jogo neste episódio era a continuidade do rito da circuncisão. Muitos judeus, embora convertidos ao cristianismo, ainda carregavam em sua teologia ou maneira de pensar que, para alcançar a graça de Cristo, era necessário praticar o milenar ritual da aliança judaica – a circuncisão. Sem este rito ninguém poderia usufruir das mais ricas bênçãos celestiais.
A circuncisão não é um problema para a geração atual, mas o princípio que norteou a sua insistência no passado é o que ainda divide muitos cristãos de hoje. A salvação pelas obras é uma praga que consome a pureza do verdadeiro evangelho manchando-o com os méritos humanos. Paulo esteve envolvido nesta controvérsia ao se defrontar com irmãos da igreja que se amparavam em Pedro. A mensagem de Paulo foi acusada de ser falsa por se contrapor às inferências do líder dos apóstolos. Este conflito nos mostra como é difícil mudar de opinião quando ela está bem consolidada em nossa mente. Como é difícil superar a tradição ou as preconcepções defendidas há tempos. Mesmo Pedro tendo a linda experiência de ter o próprio Jesus como professor por mais de três anos, ele demonstrou ter mais dificuldade de se desvencilhar do farisaísmo, de suas ideias fixas, do que Paulo que não teve o mesmo privilégio.
As histórias passadas nos ensinam que quanto mais notórios nos tornamos pela nossa falsa mensagem, mais difícil se torna voltar atrás. Houve um momento em que Satanás se apercebeu do seu erro, mas ele acreditou que havia ido longe demais para voltar. A vergonha em reconhecer que estava errado era-lhe mais cara do que o resultado final de sua rebelião - morte eterna. Aqui se encontra uma das maiores lições àqueles que apreciam estudar a Bíblia. Quantas pessoas há fora da igreja que não retornam arrependidos porque a demonstração pública de seu erro lhes seria vergonhosa demais? O orgulho impede essas pessoas de reconhecerem que estavam erradas. Todo esse embaraço pelo simples desejo de não perder a boa fama. Mas entre ruína eterna e má fama, a má fama será infinitamente o mal menor. A humildade sempre será a maior virtude de um cristão. Há antigos legalistas que, pelo poder da humildade, voltaram atrás reconhecendo seu erro cognitivo. Hoje desfrutam paz e reconquista de confiança.

Unidade na diversidade: Acertando os pontos da salvação e lei

(Gl 3:23-29) - Paulo, 14 anos depois de estar na Cilícia (Gl 1:21), sua cidade Natal (At 22:3), em obediência a uma revelação, subiu novamente a Jerusalém também para pregar aos gentios. Diferente de Pedro que foi comissionado a pregar aos judeus, Paulo recebera de Deus uma missão especial para alcançar os gentios. Ele enfrentou severamente os falsos irmãos que se infiltraram no seio da igreja para espionar a liberdade que os gentios tinham em Cristo e reduzi-los à escravidão. Reduzir à escravidão significava aprisionar os fiéis aos deveres cerimoniais como ponto fundamental de salvação. Paulo buscou o apoio de Pedro, Tiago e João para repreender de vez este problema isentando os gentios conversos de tais práticas. A liberdade em Cristo deveria ser mantida em detrimento de qualquer regra salvífica baseada nas obras. A liberdade é promovida pelo poder da graça, que por si nos ajuda a superar as fraquezas da natureza caída e da condenação da lei (Rm 8:1,2). A fé era inserida como parte pouco importante enquanto que a tradição judaica era encarada por esse grupo como sendo o principal fundamento da fé cristã.
Paulo foi astuto ao apresentar o problema aos demais discípulos, no particular, para depois desnudar ao público a situação. Este exemplo ecoa a nós e apela para que tenhamos a mesma sabedoria para lidar com os problemas atuais. Nem sempre a discussão e o enfrentamento direto resolverão a problemática. Muitas das vezes é necessário agir com cautela e muito tato buscando sempre os meios menos conflitantes e espalhafatosos. Independente da situação, um fato é certo, não podemos virar as costas para a heresia. Ela precisa ser encarada com firmeza, porém com sabedoria. A mentira embora seja mentira, lembre-se que ela funciona. O princípio do legalismo parece apenas mudar de endereço e tempo. A mesma heresia existente naquele período é encontrada hoje sob a falsa fachada de zelo.

Confronto em Antioquia

(Gl 2:11-15) - O confronto em Antioquia demonstrou-se bem acirrado. Naquele tempo, entre os judeus, comer com os gentios ia contra as leis e costumes judaicos (At 10:1-48; 11:1-3, 17-18).  Aliás, era tão sério isto entre os judeus que chegavam ao ponto de, em suas orações, agradecer a Deus por não terem nascido gentios, escravos ou mulheres. No caso dos gentios, Pedro pareceu, em alguns momentos não reconhecê-los como membros nem com direitos na igreja como os demais judeus conversos. Isto causou irritação em Paulo levando-o a advertir Pedro em público. Pedro pareceu um camaleão, pois seu comportamento mudava de acordo com o grupo em que interagia. Com os gentios se comportava de uma maneira bem amistosa, mas diante dos judeus, Pedro despreza os gentios. Por causa desta situação é que Paulo se dirige a Pedro com a palavra “hipokrisei” que significa hipocrisia (Gl 2:13 – traduzida na RA por dissimulação). Nesta circunstância, Paulo insere um discurso a favor da justificação pela fé, contrariando o pensamento existente de salvação pela lei ou pelas obras. Ele mostra que a justificação pela fé significa ser reconhecido como justo independente das obras da lei (Cnf: Rm 1:17; Gl 3:24).
Pedro, o líder dos apóstolos, claramente negava a verdade para manter um costume antigo. Não é o fato de ser ou não cultural ou tradicional, pois não é a cultura e muito menos a tradição que devem determinar a verdade, mas o que realmente a Bíblia ensina. Filtrar a cultura, a tradição e nossas convicções usando como filtro a Bíblia é o dever de todos que temem a Deus. Nossas doces opiniões devem ser diluídas pela amarga verdade contida na Escritura. Ou melhor, nossas amargas opiniões devem ser diluídas pela doce verdade da Escritura. Para os legalistas, o amor, o perdão e a bondade de Deus lhes parecerão ameaças amargas ao seu zelo doentio.

Gilberto Theiss - Graduado em Teologia, Mestrando em Interpretação Bíblica, Pós-Graduado em Filosofia, Ciências da Religião e Pós-Graduando em História e Antropologia. Atualmente é pastor no Estado do Ceará.