(At 11:18-21) - Paulo foi, sem dúvida,
um dos homens mais cultos da sua época. Ensinado aos pés de Gamaliel (At 22:3),
se tornou um cidadão temido e respeitado. Poliglota e conhecedor da ciência e
filosofia do seu tempo, foi um homem de grande importância. Ele possuía um currículo
invejável. No entanto, também possuía outro currículo negro e marcado pela
intolerância e perseguição. Antes de sua conversão, era um terror para os
Judeus conversos e, em nome de Deus, perseguiu ferozmente todos os que se
tornavam seguidores de Jesus Cristo. Sua fúria foi implacável e não poupava
absolutamente ninguém que fizesse parte de tal grupo religioso. Sua vida foi
marcada por zelo assoberbado, pela tradição rabínica e em sua imaginação, a
religião judaica precisava prevalecer em meio às seitas e novas religiões que
surgiam – inclusive a cristã.
Mesmo sendo um problema para a fé
cristã e um terror para o povo de Deus, o Onipotente tinha um plano para este
homem. Sua vida foi marcada por dois períodos bem distintos – pré-Damasco e
pós-Damasco. Quando, pelo caminho de Damasco teve um encontro com Cristo, sua
vida nunca mais foi a mesma. Seu encontro com o Messias ressuscitado e
glorificado o fez enxergar sua própria pequenez e necessidade de algo que
estava além dos ritos judaicos. Ali ele entendeu que seu currículo invejável
não passava de uma âncora para segurar sua arrogância, orgulho e ostentar medo
e intolerância contra a verdade na vida dos filhos de Deus. Portanto, foi no
escondido da cegueira que foi capaz de enxergar a vereda do evangelho.
Perseguidor dos cristãos:
Um homem temido
(At 8:1-3) - O centro da religião judaica era o
templo e a lei e qualquer investida contra esses dois pilares era uma séria
profanação. A fé cristã não ressurgia ali para revogar a lei ou o templo, mas
para mostrar seu exato cumprimento e papel. Os judeus perderam de vista o
verdadeiro significado das verdades contidas nas palavras dos profetas e, por
esta razão, não conseguiram perceber o maior de todos os eventos até aquele
tempo – da vinda do messias.
A maneira como trataram Estêvão e
outros cristãos revela até onde os judeus estavam dispostos a ir para impedir
qualquer ensinamento novo a respeito do templo e da lei. Distorcidamente
entenderam que os cristãos estavam invalidando a religião judaica e o sistema
de salvação oferecida ao homem. Na verdade, a distorção estava do lado judaico,
por transformar a religião em um fardo e a salvação totalmente pelas obras
humanas.
Neste contexto, surge Saulo, que
mais tarde se tornaria Paulo. Este homem, cheio de zelo e de sinceridade,
perseguiu ferozmente qualquer um que se opusesse aos costumes da religião
convencional. Saulo acreditava piamente em uma possível reforma de sua religião
e que as promessas proféticas do reino eterno se cumpririam no judaísmo (Dn 2;
Zc 8:33; Is 40-55). O que podemos vagamente perceber é que ele sonhava com uma
religião destituída da corrupção e das possíveis heresias que circundavam Israel.
Quando se deparou com Estêvão, de imediato levantou-se com fúria contra ele.
Foi ali que a ira de Saulo contra os cristãos começou a entrar em ruína. É
possível que o martírio de Estêvão deva ter iniciado um conflito na mente de
Saulo preparando-o definitivamente para o encontro com Cristo a caminho de
Damasco. Interessante notar que, muitos em nossos dias, assim como Saulo, são
sinceros em suas religiões e convicções. É possível que venhamos encontrar
pessoas cheias de zelo por sua fé e, às vezes, até perseguidoras. Por esta
razão é que devemos tomar muito cuidado com a forma como abordamos estes
sinceros. Nossa maneira de interagir, carregada de palavras bondosas e de amor,
farão a obra que nenhum confronto indelicado jamais seria capaz de fazer. Saiba
que o Espírito Santo só poderá agir no coração dos opositores quando nossas
palavras e atos forem semelhantes ao de Estêvão – “Senhor não lhes imputes este
pecado”.
A conversão de Saulo: O íntimo encontro
entre o orgulho e o pó
(At 9:1-6) - Saulo passou por uma experiência
inusitada e sobrenatural. Embora impressionado com o testemunho de Estêvão, no
caminho de Damasco, recebeu o impacto final pela presença de Jesus. O próprio
Cristo foi ao encontro deste zeloso homem destronando-o de seu orgulho. Embora
seja discutível se Saulo estava montado ou não em um cavalo, segundo algumas
tradições antigas, naquele tempo cair do cavalo era muito humilhante para um
soldado de patente elevada, quem dirá para um homem do nível de Paulo. Como ele
resistira à voz do Espírito de Deus, a humilhação pareceu ser necessária para
destronar do seu coração e orgulho e a cegueira espiritual. Uma das lições mais
importantes e imprescindíveis extraída desta narrativa é que, se for preciso, à
exemplo de Saulo, Deus permitirá coisas desagradáveis nos atingirem se elas
forem capazes de nos derrubar de nosso próprio orgulho e arrogância cognitiva
ou espiritual.
Saulo, agora Paulo, recebeu de Deus
o maior milagre que alguém poderia receber – o de ser capaz de ver o que não via,
e de ouvir o que não ouvia. Nada pode ser mais difícil para Deus do que
conseguir quebrar a dureza do coração humano. A conversão do coração é algo que
não depende apenas de Deus, mas também da própria vontade humana, a rejeição do
próprio eu, a negação de si mesmo. A infalibilidade do eu e o império do
orgulho humano, às vezes, só poderão ser vencidos quando somos postos cara a
cara com a nossas próprias fragilidades.
Saulo em Damasco: Um tição tirado do
fogo
(At 9:13-15) – À exemplo de Lutero, Deus levantou Saulo do seio da própria igreja ou debaixo do nariz
de Satanás. Um dos homens mais temidos pelos cristãos se tornara agora um dos
homens mais influentes a favor do evangelho. A caminho de Damasco, Saulo
imaginava o quanto seria importante para a fé judaica o corte pela raiz da fé
cristã que estava em seu início. No entanto, o que Saulo não sabia, é que ele passaria
pela maior surpresa da sua história. A conversão de Saulo não foi surpresa
apenas para os cristãos daquele tempo, mas foi um enorme espanto até mesmo para
os judeus, fariseus e, especialmente, para o próprio Saulo. No tempo em que foi
entregue à cegueira, ele pode contemplar o passado e se aperceber das loucuras
que fizera a favor de uma religião que havia abandonado e crucificado o messias.
No entanto, Saulo era tão temido, que mesmo três anos depois de sua conversão,
ainda havia entre alguns cristãos um certo grau de desconfiança. Isto pode indicar
não a falta de confiança no poder regenerador do Espírito Santo, mas no que
realmente Saulo representou para os cristãos em termos de crueldade e
perseguição.
Interessante imaginar, que mesmo nos
dias atuais, é possível que os mais cruéis inimigos da verdade se tornem os
maiores defensores dela. Às vezes parece difícil acreditar nesta possibilidade,
mas o mesmo calor, energia e paixão utilizadas para defender a mentira, poderá ser
também utilizada para defender a verdade. Nossa responsabilidade é apenas
ensinar, proclamar, anunciar com amor e paciência, pois, o resto, o Espírito
Santo se encarregará de fazer.
O evangelho vai aos
gentios: O evangelho se espalha como folhas de outono
(At 11:19-26) - A perseguição se tornara uma forte
marca da intolerância em Jerusalém e posteriormente em quase toda Roma. Os
cristãos não viviam em paz e eram confrontados constantemente pelo medo e
insegurança. Jerusalém, a cidade mais religiosa do mundo, havia se tornado em
um dos lugares mais sombrios para os seguidores de Cristo. Por este e por
outros motivos, muitos cristãos, devido a intensa opressão e perseguição, se
retiraram da cidade e se deslocaram para Antioquia.
Antioquia
era uma cidade cosmopolita, ou seja, de diferentes culturas e nacionalidades, e
se tornou naquele tempo um refúgio e, ao mesmo tempo, uma base estratégica para
pregação do evangelho pelo mundo. Cidade grande e uma das mais importantes
daquele tempo, talvez tenha sido preparada por Deus para abrigar seus filhos
amantes da verdade.
Com o deslocamento de muitos
cristãos de Jerusalém, muitos gentios se tornaram privilegiados, pois com mais
facilidade o evangelho pode alcança-los. Talvez, se a perseguição em Jerusalém
não tivesse banido os cristãos de lá, a pregação aos gentios teria sido mais
lenta ou não teria ocorrido de forma tão abrangente. Deus possui seus meios
para levar Sua palavra aos mais necessitados e, com certeza, esta alternativa,
aparentemente negativa, se tornara uma poderosa ferramenta nas mãos do Espírito
Santo. Desta forma, o evangelho se espalhara mais rápido, alcançando especialmente
os gentios. Possivelmente, no futuro, algo semelhante venha acontecer para que
o evangelho se espalhe com mais rapidez. É possível que o momento em que a
verdade será semeada nos corações dos que ainda restam ouvi-la, seja em
momentos de maior opressão e perseguição. Na Babilônia o evangelho alcançou o
reino através do testemunho de fé, obediência e coragem de três jovens. Nos
tempos da igreja primitiva, o mesmo pode ser visto, pois através da perseguição
aos cristãos, é que o evangelho ganhou maior força alcançando com rapidez tanto
judeus quanto gentios. No tempo do fim não será diferente. O evangelho eterno,
a verdade presente somente alcançará o mundo todo com poder, quando as chamas
da perseguição se acenderem novamente contra a verdade e contra os súditos de
Deus.
Conflitos dentro da
igreja: Teologia em conflito
(At 15:1-5) - A igreja crescia imensuravelmente e
tanto judeus quanto gentios iam acrescentando as fileiras dos novos conversos à
igreja. Os judeus cristãos se gabavam por possuírem as credenciais que
fundamentavam o recente cristianismo e os gentios sofriam com as discriminações
por não terem praticado os ritos do cerimonialismo judaico. Infelizmente, este
foi alguns dos pontos da controvérsia entre ambos. A discussão a este respeito
foi tão acirrada que causou alvoroço mesmo entre os apóstolos.
Os judeus eram profundamente apegados
às leis e aos cerimonialismos que penderam radicalmente ao legalismo
ritualístico. Embora em Jesus tudo houvesse se cumprido, exigiam que os gentios
praticassem tais ritos antes de se tornarem cristãos. Para eles, um gentio pular
estes rituais para se tornar cristão, soava como injusto aos judeus, por eles
terem por tantos séculos praticado tais exigências.
A lição aqui é simples, porém séria.
Em nossos dias não fazemos apologia aos rituais antigos como obrigatórios aos
novos conversos, mas, às vezes, exigimos que os novos crentes sejam tão
perfeitos quanto a nós. Na verdade, em alguns casos, alguns líderes ou
comissões de igrejas nem aprovam determinados batismos por acharem que os
candidatos não estão preparados. A exigência de conversão do batizante parece
ser maior do que a própria experiência de conversão da maior parte dos membros
da própria comissão. É claro que as pessoas devem ser muito bem preparadas, mas
isto não significa que devam estar em uma esfera mais elevada que os demais
irmãos quando iniciaram a sua jornada.
Outra lição importante tem a ver com
o legalismo facilmente enraizado. É bom sempre deixar evidente que ser
legalista não é guardar os mandamentos de Deus. Legalismo é fazer da lei o
conduto para ser aceito diante de Deus. Muitos judeus daquele tempo ainda não
haviam entendido que a lei, embora importante, não podia remediar nossa
condição diante de Deus. Somente pelos méritos de Cristo, por sua graça poderosa
e perdoadora é que seremos aceitos pelo Céu. Quanto tempo mais levaremos para
entender este importante princípio? Porque as pessoas insistem em tentar
comprar créditos da salvação com suas próprias obras? Lembre-se, ser salvo
pelas obras é exaltar o homem em detrimento de Deus, mas ser salvo pela graça é
exaltar a Deus em detrimento do homem. A graça não é o princípio do empenho
humano, mas o fim do seu mérito.
Gilberto Theiss - Graduado em Teologia, Mestrando em Interpretação Bíblica, Pós-Graduado em Filosofia, Ciências da Religião e Pós-Graduando em História e Antropologia. Atualmente é pastor no Estado do Ceará.