
Tendo-se em mente os vários sentidos em que a
palavra “ciência” tem sido utilizada, podem-se avaliar melhor algumas questões
que têm sido levantadas. Questões sobre mudança de paradigmas ou relacionadas à
revisão de conceitos que dizem respeito à fragilidade de afirmações que
precisam ser corrigidas de tempos em tempos, enfim, da mutabilidade da ciência
e da possibilidade de se confiar nela.
Uma outra questão é se seria relevante para os
cristãos entenderem algo do funcionamento da natureza. Se esse tipo de
conhecimento seria útil na compreensão de Deus e de Sua forma de agir. E se,
sim, como as Escrituras consideram essa questão: como algo opcional que pode
reforçar ou não nossa fé ou como algo essencial, sem o qual alguma coisa
ficaria faltando em nossa experiência.
Deparamo-nos, ainda, com outras
interrogações:
Seria verdade que durante a Idade Média Deus estava
no centro do pensamento do mundo ocidental e que a Revolução Científica tirou
Deus dessa posição?
Seria verdade que o descobrimento da Ciência
ocorreu sob a óptica naturalista?
Qual foi o tipo de visão que permitiu a fantástica
explosão de conhecimento e tecnologia que observamos hoje?
Foram os pioneiros da Ciência que motivaram os
paradigmas acadêmicos da atualidade?
O que as evidências históricas nos dizem sobre
essas questões?
O que podemos encontrar de evidências sobre Deus na
natureza?
É disso que esta série de artigos se propõe a
tratar.
Ciência, significados da palavra e confiabilidade
O sentido original de ciência (do latim scientia)
é conhecimento ou conhecer.[1] Ao longo da história e em muitos contextos
atuais ela tem sido usada com esse sentido. Outro sentido em que tem sido usada
frequentemente, especialmente em contextos acadêmicos, escolares e de
publicações especializadas, é o definido pelo protocolo que inclui observação,
formulação de uma hipótese, experimentação, interpretação dos resultados e
conclusão. Em sua forma básica, esse protocolo já era utilizado desde
Aristóteles.[2, 3, 4, 5] De forma que, ainda incipiente, observação, formulação
de uma hipótese, experimentação, interpretação dos resultados e conclusão é uma
forma de
investigação que já era utilizada desde a Grécia
Antiga e continua até nossos dias.
A definição da National Academy of Science (NAS) é
a seguinte: “O uso de evidências para construir explicações e predições
testáveis dos fenômenos naturais, bem como o conhecimento gerado por meio desse
processo.”[6]
Pioneiros da Revolução Científica, como Galileu,
Newton, Leonardo da Vinci e outros começaram a utilizar a palavra “ciência” com
outro significado, à medida que divisavam um método de conhecer de forma
inovadora e poderosa. A palavra original para essa nova ciência vem do grego
μάθημα (transliterando, máthema) [7], e significa ciência,
conhecimento, instrução. A diferença entre a ciênciascientia e a
ciência máthema é que a primeira é abrangente e inclui
qualquer forma de conhecimento, desde a consciência que se tem de alguma coisa,
como um sinônimo de estar ciente, até conhecimento adquirido por observação,
experiência, indução, dedução e mesmo intuição; enquanto a segunda é mais
específica e se refere à natureza do conhecimento objetivo.
Embora alguns elementos da Matemática já fossem
havia muito conhecidos, esses pioneiros utilizaram e/ou descobriram ferramentas
matemáticas que lhes possibilitaram lidar com leis que regem fenômenos da
natureza. Eles se deram conta de que é muito mais eficiente e seguro descobrir
e utilizar métodos matemáticos do que simplesmente confiar na capacidade mental
humana, ainda que auxiliada por sistematizações filosóficas.
Eis alguns exemplos de como eles pensavam:
“A [verdadeira] filosofia está escrita neste
grandioso livro que está sempre aberto à nossa contemplação (refiro-me ao
universo), mas que não pode ser entendido sem que primeiro aprenda-se a língua,
e conheçam-se os caracteres com os quais está escrito. Ele está escrito em
linguagem matemática, e seus caracteres são triângulos, círculos, e outras
figuras geométricas sem as quais é humanamente impossível entender sequer uma
de suas palavras; sem estes [caracteres] fica-se a vagar por um escuro
labirinto.”
“Deixando de lado as sugestões, falando abertamente
e tratando a Ciência como um método de demonstração e raciocínio humanamente
alcançável, sustento que quanto mais isso participa da perfeição, menor será o
número de proposições que prometerá ensinar, e menos ainda provará
conclusivamente. Consequentemente, quanto mais perfeita é [a metodologia],
menos atrativa será e menos seguidores terá.” Galileu[8]
“Nenhuma investigação humana pode ser chamada de
científica se não passar no teste das demonstrações matemáticas.” Leonardo da
Vinci[9]
Newton, especialmente, conseguiu formular as leis
da Mecânica descobrindo uma nova ferramenta matemática, o Cálculo. Essa nova
ferramenta levou a investigações sobre calor, luz, eletricidade, magnetismo e
átomos, que levaram ao desenvolvimento da Química, Biologia, Geologia,
Medicina, Engenharias e tecnologias que alavancaram todas as áreas do
conhecimento.[4]
Esse tipo de ciência que significou uma revolução
do conhecimento e possibilitou o subsequente desenvolvimento tecnológico e a
Era da Informática, pode ser entendido como um conjunto infinito de métodos
matemáticos que podem ser utilizados em investigações em qualquer área.
Outros sentidos populares em que a palavra tem sido
utilizada, inclusive por pesquisadores, incluem: áreas do conhecimento (Física,
Química, Biologia, etc.), pesquisas realizadas, resultados de pesquisas,
conclusões a partir de estudos, opiniões de cientistas, o consenso acadêmico
baseado no naturalismo filosófico, o ambiente acadêmico, entre outros.
Tendo em vista todos os significados acima para a
palavra “ciência”, podemos começar a entender por que se diz que os paradigmas dela
mudam, por que ela pode errar ou por que, de tempos em tempos,
conceitos têm que ser revisados. E, ainda, por que se acredita que paradigmas
sociais determinam o que vai ser descoberto pela Ciência.
O conhecimento adquirido de forma mais qualitativa
é mutável e passageiro, muda quando surgem novos dados. Isso diz respeito à
consciência que seres humanos têm das coisas, ou intuições, induções e deduções
que tiveram ou fizeram, ainda que de forma racional. As mudanças de paradigmas
na sociedade podem mudar as crenças filosóficas predominantes na academia,
podem mudar os tipos de estudos que acadêmicos se inclinam mais a fazer e mesmo
as opiniões que eles terão sobre os resultados de pesquisas.
Se o sentido em que for usada a palavra “ciência”
se referir ao protocolo composto pelas etapas observação, formulação de uma
hipótese, experimentação, interpretação dos resultados e conclusão, apesar de
ele tornar o estudo mais rigoroso e ser um grande avanço em relação ao uso do
raciocínio puro desarmado, ainda será passível de erros, pois estará sendo
utilizado por seres humanos falíveis, ainda que diminuindo a probabilidade de
ocorrerem erros.
E quanto à Ciência, definida como conjunto infinito
de métodos matemáticos? Para responder como paradigmas, opiniões, preconceitos
ou erros acidentais podem afetar esse tipo de abordagem é necessário saber como
ele funciona.
O mais surpreendente na utilização de métodos
matemáticos não é nem o fato de que equações matemáticas podem descrever
fenômenos físicos nos mínimos detalhes, mas “que matemáticos desenvolvam ramos
abstratos da matemática sem nenhuma aplicação em mente; todavia, décadas ou
algumas vezes séculos mais tarde, físicos descubram que aquelas teorias
forneciam os fundamentos matemáticos necessários para os fenômenos físicos.
[...] O matemático Bernhard Riemann, por exemplo, discutiu na década de 1850
novos tipos de geometria que se encontrariam em superfícies curvas como em uma
esfera ou sela (ao invés da geometria plana que aprendemos na escola). Então,
quando Einstein formulou sua teoria da Relatividade Geral (em
1915), as geometrias de Riemann acabaram por ser exatamente a ferramenta de que
ele precisava!”[10]
Não há como paradigmas, opiniões ou preconceitos
afetarem a forma como a Matemática funciona. Por exemplo, alguém pode querer
encontrar um número real cujo quadrado seja negativo, mas isso não existe e não
tem como alguém fazer com que pareça que encontrou um número assim usando
regras da Matemática. Erros acidentais podem acontecer ao alguém esquecer de
incluir algum parâmetro importante numa equação ou utilizar uma ferramenta que
não é adequada ao problema que deseja abordar, mas esse tipo de erro é muito
mais fácil de ser detectado por quem examinar o modelo. Por outro lado, nas
outras abordagens popularmente chamadas de ciência é muito mais difícil de
descobrir os erros devido à quantidade de premissas implícitas.
Os pioneiros da Ciência entenderam que as leis da
natureza são relações matemáticas. Seria muito estranho acreditar que o ser
humano inventou a Matemática e que, apesar de ser uma invenção, ela seria capaz
de prever fenômenos e se ajustar tão perfeitamente à forma como a natureza
funciona. Como seria possível que uma construção arbitrária do pensamento
humano conseguisse prever em detalhes finos fenômenos jamais observados, como
tem acontecido frequentemente em áreas que fazem uso intenso de métodos
matemáticos? Seria isso a manifestação de habilidades humanas sobrenaturais ou
seria o caso de que essas coisas simplesmente refletem padrões que podem ser
detectados no mundo natural, padrões esses que fazem parte do que chamamos de
Matemática? Acreditar que a Matemática seja uma invenção induz ao misticismo. O
ser humano não inventou a natureza e não faz sentido ter inventado a
Matemática, a não ser no que tange aos símbolos que a representam. A forma como
a Matemática pode ser representada (linguagem) pode variar, mas os significados
são os mesmos.
Alguns filósofos, matemáticos e cientistas têm
diferido de opinião com respeito a isto: se a Matemática teria sido descoberta
ou inventada. Aqueles que acreditam que a Matemática foi descoberta são
chamados de platonistas, pois Platão acreditava assim. Nunca li Platão, não
tenho a menor ideia do que ele pensava e, se ele acreditava assim, é um sinal
de que ele também percebeu isso na natureza. Por outro lado, um grande número
de matemáticos, cientistas e filósofos acredita que a Matemática foi inventada.
Ao que parece, pelo menos em alguns casos, como o do matemático Barry Mazur,
eles pensam que acreditar que a Matemática foi descoberta pode ter implicações
indesejáveis: “Se adotarmos a opinião platonista de que a matemática foi
descoberta, estaremos repentinamente em um território surpreendente, pois esta
é uma posição completamente teísta.”[11]
Comparando essa ideia com a alternativa, teríamos
duas opções: ou cremos que a Matemática é um invenção, crença essa que leva ao
misticismo, ou cremos que ela existe independentemente de nós, o que leva ao
teísmo.
Como veremos adiante, não é a Ciência que se opõe a
Deus, mas linhas filosóficas (mesmo apoiando-se em alguns resultados de
pesquisas) que costumam ser chamadas de ciência.
Ciência, depois da Revolução Científica, passou,
então, a ser definida como esse conjunto infinito de métodos matemáticos que
podem ser aprendidos e validados no estudo da natureza.
(Continua...)
(Graça Lütz é bióloga e
bioquímica) via (Criacionismo)
Referências:
[1] Online etymology dictionary. http://www.etymonline.com/index.php?term=science
[3] Stanford encyclopedia
of philosophy; scientific method.http://plato.stanford.edu/entries/scientific-method/#HisRevAriMil
[4] WILLIAMS, L. P. History
of science.https://global.britannica.com/science/history-of-science
[5] FARIA, C. Método científico. www.infoescola.com/ciencias/metodo-cientifico/
[6] BAILEY, D. H. What is
science?http://www.sciencemeetsreligion.org/philosophy/what-is-science.php 1/1/2017
[7] ISIDRO PEREIRA, S. Dicionário grego-português e
português-grego. Rua da Boavista, 591 - 4000 Porto: Livraria Apostolado da
Imprensa, 1969.
[8] GALILEI, G. Il saggiatore. 1624.
[9] MEYER, W. J. Concepts
of mathematical modeling. Mineola, New York: Dover Publications Inc., 1984.
[10] LIVIO, M. Math:
Discovered, invented, or both?http://www.pbs.org/wgbh/nova/blogs/physics/2015/04/great-math-mystery13/4/2015
[11] MAZUR, B. Mathematical
platonism and its opposites. http://www.math.harvard.edu/
mazur/papers/plato4.pdf 11/1/2008