Crise de identidade - Comentário da ES do Pr. Sérgio Monteiro

Mesmo sendo conhecido como o grande profeta messiânico, Isaías tem sido pouco estudado. De fato, à parte do capítulo 53, poucos capítulos do seu livro são realmente conhecidos do leitor cotidiano das Escrituras. A lição deste novo trimestre endereça esse problema entre nós adventistas, direcionando-nos no estudo desse profeta. Nesta semana, nosso guia de estudos nos direciona no estudo do capítulo 1, no qual encontramos delineadas as razões do ministério de Isaías.

Perda de identidade

Os primeiros capítulos de Isaías vão rapidamente para a descrição da situação do povo de Israel. O diagnóstico apresentado por Deus é simples e direto: o povo perdera a identidade. Estava perdido em si mesmo e em seus pecados. Utilizando uma linguagem franca e direta, Deus afirma que Israel havia se distanciado dos caminhos que Ele lhes havia proposto, de tal maneira que todos os seus atos estavam maculados por pecados (Is 1:3).

O estado moral de decadência de Israel é descrito de forma poderosa através de uma progressão de expressões hebraicas que vão do “errar o alvo” (chattat), indicativo de pecados por ignorância, até a impressionante declaração de que “deram as costas” (‘achor) ao Santo de Israel e a Ele abandonaram (zor). Nesse caminho, cometeram iniquidades (‘am keved ‘awon: povo pesado em iniquidade), tornaram o mal a sua marca genética (zera mer’eim: semente do mal) e tinham o desejo de destruir o seu legado (banim mesehchitim: filhos que desejam a destruição).

Cada uma das ações acima buscava remeter o povo a um aspecto específico de sua história com o Eterno, no contexto de seu surgimento como nação criada por Deus. Aliás, essa é a tônica do Livro de Isaías. De fato, esse o objetivo final de todos os profetas e o foco do ministério profético. O profeta não é alguém com um diário do futuro. Ele é um mensageiro da aliança que denuncia o estado atual do povo, em relação à aliança do passado, com vistas ao futuro, que é a manutenção da nação, por sua fidelidade e retorno.

Ao denunciar o estado presente, o profeta, como instrumento de Deus aponta, sempre, ao passado mais do que ao futuro. Deus acentua essa ideia ao utilizar uma linguagem que remonta à criação (“Céus e Terra”) e à comparação com animais que em sua história de vida dependem de seu possuidor. O objetivo é trazer a Israel a lembrança de que sua existência é um ato da vontade de Deus e de Sua graça. De fato, essa linguagem remonta a Deuteronômio 26:5, conhecido como “pequena declaração de fé de Israel”, na qual a existência da nação deveria ser anualmente celebrada como ato de Deus.

O esquecimento dessa verdade é resultado dos atos descritos na acusação de Deus. Os múltiplos crimes de Israel resultaram de um esquecimento de quem eram, de onde vieram e a quem pertenciam: haviam perdido sua identidade.

Ritualismo

Estavam demasiadamente confiantes nos rituais que faziam continuamente, nas festividades que celebravam como indicativos de que ainda estavam em comunhão com o Eterno. O ritualismo era, entretanto, vazio.  Faltava um elemento: kavaná ou intenção. Embora essa palavra hebraica não apareça em nosso texto, sua ideia está presente em todo o capítulo. Os sacrifícios não eram oferecidos na busca de perdão, mas como mero ritualismo. Isso é acentuado pelo fato de não haver menção às ofertas específicas para os pecados elencados nos versos anteriores, mas apenas menções gerais a holocaustos (´oloth) e ofertas de manjares (mincha), além de festas e tempos de reunião, como sábados, luas novas e festividades. O que transparece do texto não é a busca de perdão e aproximação de Deus, através dos sacrifícios, mas uma tentativa de se esconder por trás dos sacrifícios e da aparência de religiosidade.

Perdão

Com esse estado de falsa religião e completa futilidade ritualística, Deus contrasta o oferecimento do perdão, que deveria ser o objetivo primário dos sacrifícios e a celebração maior de cada festa.  Rituais não podiam purificar ninguém que não permitisse que Deus lhe purificasse o coração. Essa é a tônica do argumento do perdão!

A dinâmica do perdão envolve ação divina e ação humana. A ação divina está na causa do perdão, sendo a expressão da graça que traz esperança. Não há lugar demasiadamente distante para a graça. Da graça que transborda no perdão, o efeito é a ação humana em reformar sua vida e transformar suas ações, colocando-as em conformidade com os ditames da aliança com o Deus da graça.

A aliança é uma aliança de graça, mas com requisitos muito claros. Viver por eles é a diferença entre morte e maldição. Nas palavras de Deuteronômio 30, cada ação de Israel deveria ser medida pela sua adequação ou não à aliança, e o resultado seria a benção da terra, promessa repetida em Isaías 1:19, ou a maldição do desterro e exílio. Não pode ser relevado o fato de a aliança de Deus, contrária às alianças hititas e de outros povos antigos, não terminar com a morte, mas com o exílio. Isso se deve justamente à graça, elemento inexistente nas alianças humanas. A graça é o meio pelo qual Deus busca ainda alcançar o seu povo, que vive. Aos mortos não há oportunidade, mas aos exilados sim. O objetivo de Deus na aliança é, portanto, vida, mesmo nas maldições e advertências. E isso é perdão.

Essa aliança é descrita no capítulo 5 de Isaías, como uma cerca de proteção posta pelo Cultivador ao redor de Sua vinha. A figura é impressiva e clara: Deus criou Israel, o alimentou e o fez crescer, como declarado em Deuteronômio 32, bem como em Isaías 1 e Oseias 11. Pôs ao redor de Sua vinha a cerca da identificação e proteção, que é a aliança, expressando Sua vontade, Suas leis e os princípios de Seu reino, mas a vinha não dava frutos bons, apenas uvas bravas. Por isso, Deus, o Cultivador, iria agir. Sua ação, entretanto, não seria arrancar a vinha, mas retirar a cerca, ou seja, a aliança que protegia e identificava. Por que Deus não a destrói simplesmente? A aliança provê resposta. A graça de Deus na aliança buscava educar e trazer para perto, não destruir e afastar. Por isso, vivos, ainda que machucados e desterrados, os habitantes de Judá e de Israel ainda poderiam ser alcançados pela graça de Deus manifesta na aliança.

Conheça o autor dos comentários para este trimestre: O Pr. Sérgio Monteiro é casado com Olga Bouchard de Monteiro. É pai de Natassjia Bouchard Monteiro e Marcos Bouchard Monteiro. É Bacharel em Teologia, Mestre em Teologia Bíblica cursa doutorado em Bíblia Hebraica. É Pastor na Escola do Pensar e no Instituto de Estudos Judaicos  Feodor Meyer. É membro da Adventist Theological Society, International  Association for the Old Testament Studies e Associação dos Biblistas Brasileiros.

Comentário da Lição da Escola Sabatina – 1º Trimestre de 2021
Tema Geral: Isaías: consolo para o povo de Deus
Lição 1 – 26 de dezembro de 2020 a 2 de janeiro de 2021

Autor: Sérgio Monteiro

Editoração: André Oliveira Santos: andre.oliveira@cpb.com.br
Revisora: Josiéli Nóbrega e Rosemara Santos

(Casa Publicadora Brasileira)