CONDENA PAULO A GUARDA DO SÁBADO EM GÁLATAS 4:8-11?

CONDENA PAULO A GUARDA DO SÁBADO EM GÁLATAS 4:8-11?


“Outrora, porém, não conhecendo a Deus, servíeis a deuses que por natureza não o são; mas agora que conheceis a Deus, ou antes, sendo conhecidos por Deus, como estais voltando outra vez aos rudimentos fracos e pobres, aos quais de novo quereis ainda escravizar-vos? Guardais dias, e meses, e tempos, e anos. Receio de vós tenha eu trabalhado em vão para convosco”. . . . - Gálatas 4:8-11.


Está Paulo repreendendo os judaizantes por ensinar que os novos cristãos “tinham que guardar os sábados e os demais dias santos como parte de seu compromisso com Cristo”? Para responder a estas perguntas precisamos determinar se a observância de “dias, e meses, e tempos, e anos” pelos gálatas refere-se aos feriados pagãos supersticiosos ou aos festivais bíblicos, inclusive o sábado.

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Dias Supersticiosos Pagãos ou Dias Santificados Judaicos?


Uma análise detida do contexto não deixa dúvidas de que Paulo está falando sobre os dias supersticiosos pagãos. O apóstolo lembra aos gálatas que nos tempos antes de serem cristãos eles eram “sujeitos aos rudimentos do mundo” (Gál. 4:3). Os “espíritos elementares-stoikeia tou kosmou” nada têm a ver com o Velho Concerto, uma vez que a lei mosaica era desconhecida dos coríntios em seus dias pagãos. A maioria dos eruditos interpreta os “rudimentos” como os elementos básicos do mundo, tais como a terra, a água, o ar, o fogo, ou as divindades astrais pagãs a que se dava crédito por controlarem o destino humano.


O contexto claramente indica que Paulo repreende os gálatas por voltarem a seus dias de paganismo recorrendo a seu calendário pagão. Destarte, a questão não é sua adoção de dias santos judaicos, mas o retorno deles à observância de dias supersticiosos pagãos. Dois recentes artigos de Troy Martin, publicados em New Testament Studies [Estudos do Novo Testamento] e no Journal of Biblical Literature [Revista de literatura bíblica] oferecem significativa contribuição para entender a passagem sob consideração. Martin assinala que o esquema de acompanhamento de tempo encontrado em Gálatas 4:10 (“dias, e meses, e tempos, e anos”) é claramente distinto do que se encontra em Colossenses 2:16 (“dia de festa, ou lua nova, ou sábados”). Ele demonstra que embora a lista em Colossenses 2:16 seja inquestionavelmente judaica, porque as categorias temporais de dias de festa, lua nova e sábados são características do calendário religioso judaico, a lista em Gálatas 4:10 de “dias, e meses, e tempos, e anos” descreve um calendário pagão inaceitável a Paulo e suas comunidades”.


Martin chega a essa conclusão examinando não só a estrutura de tempo dos calendários pagãos, mas também o contexto imediato onde Paulo condena a tentativa dos gálatas de retornar a suas práticas pagãs (Gál. 4:8-9) tornando a utilizar o seu calendário pagão. “Como o contexto imediato claramente expõe, Paulo está preocupado com que seu empenho pelos gálatas tenha sido em vão, já que eles retornaram a sua vida pagã pregressa como evidenciado por sua renovada contagem de tempo do período prévio à conversão. Dada a sua associação com idolatria e falsas divindades, marcar o tempo segundo esse esquema pagão equivale a rejeitar o evangelho de Paulo e o verdadeiro e único Deus que este proclama (Gál. 4:8-9). Logo, Gálatas 4:10 estipula que quando os gálatas aceitaram o evangelho de Paulo com sua aversão à idolatria (Gál. 4:8), eles descartaram seu método pagão de contar o tempo. . . . Uma comparação dessas listas demonstra que a conversão dos gentios ao evangelho de Paulo envolve a rejeição de esquemas de tempos pagãos em favor do calendário litúrgico judaico”.


A Adoção do Calendário Judaico Pelos Gentios


A conclusão de Troy Martin de que a conversão dos gentios ao evangelho envolvia a rejeição de seu calendário pagão formulado sobre o culto idolátrico de muitos deuses e a adoção do calendário religioso judaico que havia sido transformado pela vinda de Cristo, representa, em meu ponto de vista, uma significativa descoberta em nosso entendimento da continuidade entre judaísmo e cristianismo.


As referências de tempo de Paulo claramente refletem sua adoção do calendário religioso judaico, conquanto modificado e transformado pela vinda de Cristo. Por exemplo, em 1 Coríntios 16:2, Paulo recomenda um plano de levantamento de fundos para a igreja de Jerusalém consistindo de pôr à parte em casa algum dinheiro kata mian sabbaton, isto é, “todo primeiro dia desde o sábado”, e não segundo o prevalecente nome pagão de dies solis-Dia do Sol, o que revela que ele ensinava seus conversos gentios a regularem suas vidas pelo calendário judaico.


Na mesma epístola, Paulo formula um argumento elaborado baseado sobre o festival da Páscoa e dos pães asmos a fim de exortar os coríntios, “celebremos a festa” (1 Cor. 5:6-8). Todo o argumento e exortação de manter a Páscoa não faria sentido à congregação gentílica de Corinto a menos que Paulo tivesse ensinado a respeito do calendário religiosa judaico. À luz dessas considerações, concluímos que “embora as referências temporais nas cartas de Paulo sejam esparsas, 1 Coríntios propicia forte evidência da adoção paulina da prática judaica que marcava o tempo pelas festas e sábados”.


A adesão cristã ao calendário judaico é especialmente evidente no livro de Atos. Repetidamente Paulo proclama o evangelho nas sinagogas e ao ar livre no sábado (Atos 13:14, 44; 16:13; 17:2). Em Troas Paulo fala aos crentes no primeiro dia desde o sábado (mia ton sabbaton) (Atos 20:7). “O panorama de Paulo em Atos”, destaca Martin, “fornece clara evidência de que os cristãos marcam o tempo por segmentos de festas e sábados”. Esta conclusão é claramente apoiada por Colossenses 2:16 onde encontramos o padrão da nomenclatura judaica de festas anuais, luas novas mensais e sábados semanais.


O fato de que Paulo ensinou suas congregações gentias a rejeitarem o seu calendário pagão, em que os dias recebiam os nomes de deuses planetários e os meses segundo seus imperadores endeusados, e contassem o tempo segundo o calendário religioso judaico, não significa necessariamente que ele lhes ensinasse a praticar os rituais religiosos judaicos. Os próprios romanos substituíram, pouco antes da origem do cristianismo, sua semana de “oito dias-nundinum” pela semana judaica de sete dias e adotaram no primeiro século o sábado judaico como seu novo dia de descanso e festa, sem a concomitante adoção dos rituais judaicos. No mesmo sentido, Paulo ensinou seus conversos gentios a contarem o tempo de acordo com o calendário religioso judaico sem esperar que praticassem os rituais com ele associados. Um bom exemplo é a discussão de Paulo do novo sentido das festas da Páscoa e dos Pães Asmos à luz do evento Cristo (1 Cor. 5:6-8).


À luz das observações precedentes, concluímos que as categorias temporais de Gálatas 4:10 (“dias, e meses, e tempos, e anos”) são pagãos e não judaicos, como a lista encontrada em Col. 2:16. Alegar . . . que os gálatas foram ensinados por falsos mestres “a observarem os sábados e as demais festas como parte de seu compromisso com Cristo” representa ignorar o contexto imediato onde Paulo fala de categorias temporais pagãs a que os gálatas estavam uma vez mais retornando.


A observância pelos gálatas de tempos sagrados pagãos derivava de crenças supersticiosas em influências astrais. Isso é sugerido pela acusação paulina de que a adoção dessas práticas correspondia ao retorno a anterior sujeição aos espíritos e demônios, “rudimentos fracos” por eles (Gál. 4:8-9).


A preocupação de Paulo não é expor as idéias supersticiosas ligadas a essas observâncias, mas desafiar o sistema todo de salvação que os falsos mestres gálatas haviam elaborado. Por condicionarem a justificação e aceitação por Deus a coisas como circuncisão e observância de dias e tempos pagãos, os gálatas faziam a salvação depender da realização humana. Isso para Paulo era traição do evangelho: “De Cristo vos desligastes vós que procurais justificar-vos na lei, da graça decaístes” (Gál. 5:4). . . .


Se a motivação dessas observâncias não tivesse solapado o princípio vital de justificação pela fé em Jesus Cristo, Paulo teria somente recomendado tolerância e respeito, como ele faz em Romanos 14. A motivação para essas práticas, contudo, adulterava a própria base da salvação. Conseqüentemente, o apóstolo não tinha escolha, mas rejeitar vigorosamente tais coisas. . . .


Em última análise, deve-se determinar a atitude de Paulo para com o sábado, não à base de sua denúncia de observâncias supersticiosas heréticas que podem ter influenciado sua observância, mas com base em sua atitude global quanto à lei. A falha em entender que Paulo rejeita a lei como um método de salvação mas a exalta como padrão moral de conduta cristã tem sido a raiz de muito malentendido quanto à sua atitude para com a lei, em geral, e para com o sábado, em particular. Que este estudo possa contribuir para esclarecer esses malentendidos permitindo que muitos sinceros . . . descubram, como Paulo diz, que “a lei é boa, se alguém se utiliza dela de modo legítimo” (1 Tim 1:8).


Por Samuelle Bacchiocchi