A divindade de Jesus em I João 5:20 - Como entender a expressão "Verdadeiro Deus"?

A Divindade de Jesus | Cléofas

“Esse é o Deus verdadeiro e vida eterna.” A quem se refere aqui a palavra “esse”? Em termos puramente gramaticais ela já remete à menção imediatamente anterior de Jesus Cristo como o Filho de Deus. “Esse”, a saber, Jesus Cristo, “é o Deus verdadeiro e a vida eterna”. Contudo, inclusive por razões de conteúdo, é recomendável entender dessa maneira a passagem. Se relacionássemos o “esse” com “o Verdadeiro”, o testemunho do apóstolo seria mera repetição da declaração já enunciada acerca de Deus. Chegaríamos a uma assim chamada tautologia: “o Verdadeiro” é “o verdadeiro Deus”. Ademais, em nenhuma outra passagem Deus, o Pai, é chamado de “vida eterna”. Entretanto, João acaba de escrever em 1 Jo 5:11s que na realidade Deus nos presenteou com a vida eterna; mas essa vida “está em seu Filho”. “Quem tem o Filho tem a vida.”

Contudo, será que ainda assim a primeira parte da frase não constitui uma declaração grandiosa demais sobre Jesus? Pode Jesus ser designado tão diretamente como “o verdadeiro Deus”? João esteve presente quando Tomé caiu de joelhos diante de Jesus: “Meu Senhor e meu Deus.” Acerca do “Verbo”, que se tornou carne em Jesus, João afirmou logo na primeira frase de seu evangelho: “O Verbo estava com Deus e por natureza o Verbo era Deus” (Jo 1:1). Recordamos novamente Jo 14:9, onde o próprio Jesus disse a Filipe, que buscava a Deus: “Quem me vê, vê o Pai.” Podemos estar “no Verdadeiro” unicamente quando estamos “em seu Filho Jesus Cristo”. No entanto, esse Jesus Cristo precisa ser pessoalmente “o verdadeiro Deus”, para que, “estando em Cristo”, estejamos ao mesmo tempo no próprio Deus. Deparamo-nos com a totalidade do mistério da Trindade de Deus, que não se decifra intelectualmente (graças a Deus por isso!), mas que se explicita para nós nesta passagem como algo rigorosamente necessário para nossa vida de fé. Não podemos fazer de Jesus um semideus, que ficaria “ao lado” de Deus”. Toda a nossa salvação, nossa vida eterna, se alicerça sobre o fato de que Jesus era total e plenamente ser humano que, sangrando e morrendo, carregou a nossa culpa, e que ao mesmo tempo se possa dizer dele: “Esse é o verdadeiro Deus.” Pois é apenas então que Jesus tem condições de se tornar carregador e aniquilador de nossa culpa e de anular, pela maldição de sua morte, a maldição que pesa sobre nós. Um simples ser humano Jesus, por mais nobre e amável que fosse, não poderia ajudar-nos em nada. Por isso também o apóstolo Paulo atesta, em vista da reconciliação na cruz de Jesus: “Deus estava em Cristo, reconciliando consigo o mundo” [2 Co 5:19]. Ninguém inferior ao “verdadeiro Deus” deve prevalecer se quisermos ter certeza absoluta da obra de nossa redenção. Conseqüentemente, entenderemos muito bem que o apóstolo, para o qual em toda a carta estava em jogo “Jesus” e “a vida”, agora no final sintetize tudo na confissão – autenticamente joanina, sucinta, colocada diante de nós sem discussão: “Esse é o verdadeiro Deus e vida eterna.”[1]

 

[1] Boor, W. de. (2008). Comentário Esperança, Cartas de João (p. 415–416). Curitiba: Editora Evangélica Esperança.