
“Esse é o Deus verdadeiro e vida eterna.” A quem se refere aqui a palavra “esse”? Em termos puramente gramaticais ela já remete à menção imediatamente anterior de Jesus Cristo como o Filho de Deus. “Esse”, a saber, Jesus Cristo, “é o Deus verdadeiro e a vida eterna”. Contudo, inclusive por razões de conteúdo, é recomendável entender dessa maneira a passagem. Se relacionássemos o “esse” com “o Verdadeiro”, o testemunho do apóstolo seria mera repetição da declaração já enunciada acerca de Deus. Chegaríamos a uma assim chamada tautologia: “o Verdadeiro” é “o verdadeiro Deus”. Ademais, em nenhuma outra passagem Deus, o Pai, é chamado de “vida eterna”. Entretanto, João acaba de escrever em 1 Jo 5:11s que na realidade Deus nos presenteou com a vida eterna; mas essa vida “está em seu Filho”. “Quem tem o Filho tem a vida.”
Contudo,
será que ainda assim a primeira parte da frase não constitui uma declaração
grandiosa demais sobre Jesus? Pode Jesus ser designado tão diretamente como “o
verdadeiro Deus”? João esteve presente quando Tomé caiu de joelhos diante de
Jesus: “Meu Senhor e meu Deus.” Acerca do “Verbo”, que se tornou carne em
Jesus, João afirmou logo na primeira frase de seu evangelho: “O Verbo estava com
Deus e por natureza o Verbo era Deus” (Jo 1:1). Recordamos novamente Jo 14:9,
onde o próprio Jesus disse a Filipe, que buscava a Deus: “Quem me vê, vê o
Pai.” Podemos estar “no Verdadeiro” unicamente quando estamos “em seu Filho
Jesus Cristo”. No entanto, esse Jesus Cristo precisa ser pessoalmente “o
verdadeiro Deus”, para que, “estando em Cristo”, estejamos ao mesmo tempo no
próprio Deus. Deparamo-nos com a totalidade do mistério da Trindade de Deus,
que não se decifra intelectualmente (graças a Deus por isso!), mas que se
explicita para nós nesta passagem como algo rigorosamente necessário para nossa
vida de fé. Não podemos fazer de Jesus um semideus, que ficaria “ao lado” de
Deus”. Toda a nossa salvação, nossa vida eterna, se alicerça sobre o fato de que
Jesus era total e plenamente ser humano que, sangrando e morrendo, carregou a
nossa culpa, e que ao mesmo tempo se possa dizer dele: “Esse é o verdadeiro
Deus.” Pois é apenas então que Jesus tem condições de se tornar carregador e
aniquilador de nossa culpa e de anular, pela maldição de sua morte, a maldição
que pesa sobre nós. Um simples ser humano Jesus, por mais nobre e amável que
fosse, não poderia ajudar-nos em nada. Por isso também o apóstolo Paulo atesta,
em vista da reconciliação na cruz de Jesus: “Deus estava em Cristo,
reconciliando consigo o mundo” [2 Co 5:19]. Ninguém inferior ao “verdadeiro
Deus” deve prevalecer se quisermos ter certeza absoluta da obra de nossa
redenção. Conseqüentemente, entenderemos muito bem que o apóstolo, para o qual em
toda a carta estava em jogo “Jesus” e “a vida”, agora no final sintetize tudo
na confissão – autenticamente joanina, sucinta, colocada diante de nós sem
discussão: “Esse é o verdadeiro Deus e vida eterna.”[1]
[1]
Boor, W. de. (2008). Comentário
Esperança, Cartas de João (p. 415–416). Curitiba: Editora
Evangélica Esperança.
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