Material preparado por teólogos sobre
pena de morte é baseado na Bíblia e foi apreciado por delegados no Concílio
Anual da Igreja Adventista. A pena de morte é um tema permanentemente em
discussão no mundo inteiro. Dados da Anistia Internacional mostram que, em
2016, houve 1.032 execuções em 23 países relacionadas a condenações com pena de
morte. Mas a lista de países que possui leis autorizando a pena de morte chega
a 58. A maioria das execuções ocorreu em países como China, Irã, Arábia
Saudita, Iraque e Paquistão. No Brasil, a pena de morte é proibida, exceto para
crimes militares cometidos em tempos de guerra, segundo previsto na
Constituição Federal de 1988. Bolívia, Chile e Peru também mantêm pena de morte
em circunstâncias excepcionais.
Durante o Concílio Anual da Igreja
Adventista do Sétimo Dia para oito países sul-americanos, que se encerrou na
terça-feira, 7, os delegados aprovaram o registro de um documento sobre a pena
de morte. O material foi elaborado pelo Comitê de Ética do Biblical
Research Institute (BRI), ou Instituto de Pesquisa Bíblica, órgão
consultivo da igreja para assuntos teológicos, a pedido da sede sul-americana
adventista.
O teor apresenta argumentos bíblicos que
sustentam a ideia de que “os adventistas acreditam que a violência e a pena de
morte não têm lugar na igreja. Em outras palavras, não é tarefa da igreja tirar
a vida humana”.
No documento, são considerados textos
bíblicos que parecem dar margem a uma interpretação favorável à pena capital
por parte dos poderes governamentais. Sobre isso, a redação do material
preparado pelo BRI afirma que “consequentemente, não há também acordo sobre a
questão de se, a partir da perspectiva bíblica, os governos têm permissão ou
até mesmo são requeridos a instituírem a pena capital. Porém, diante do fato de
que a pena capital não tem lugar na igreja cristã, não é certo que a igreja
seja vista como um quase agente advogando a pena capital, embora o estado possa
executá-la”.
Nas considerações finais, o documento
cujo registro foi aprovado pelos delegados do Concílio, recomenda que os
adventistas não se envolvam em campanhas favoráveis à promoção da pena de
morte.
Veja o documento aprovado na íntegra:
PENA DE MORTE: UMA OPINIÃO
Comissão de Ética do Instituto de
Pesquisa Bíblica da Associação Geral (BRIEC, sigla em inglês)
O Instituto de Pesquisa Bíblica (BRI,
sigla em inglês) da Associação Geral dos Adventistas do Sétimo Dia foi
solicitado a opinar sobre a pena capital e sua abordagem nas igrejas
adventistas locais. Foi decidido levar a solicitação à Comissão de Ética do
Instituto de Pesquisa Bíblica (BRIEC, sigla em inglês), para ser aí discutida e
depois enviada para revisão do BRI. Estes são os resultados das deliberações:
1)- A Bíblia não ignora o sofrimento e a
perda insuperáveis daqueles que foram atingidos por crimes odiosos. A igreja
também não. Ela sofre com os que sofrem e busca ajudá-los de todas as formas
possíveis, desde que consistentes com a Escritura. Porém, esse sofrimento pode
levantar a questão de se a pena de morte seria uma resposta apropriada às
formas graves de crime.
2)- O tema da pena capital foi discutido
a partir de várias perspectivas: filosófica, sociológica, prática e
bíblico-teológica. Por exemplo, não há dúvida de que a implementação da pena de
morte é, muitas vezes, carregada de dificuldades processuais: uma evidência
circunstancial pode ser usada para condenar o acusado, que talvez não seja
culpado; as minorias e as classes mais baixas da sociedade são
desproporcionalmente representadas no corredor da morte; o resultado dessa
implementação, ou seja, tirar a vida humana, é irreversível. Isso deve levar à
cautela. No entanto, independentemente dessas e de outras razões válidas, há um
elevado interesse na perspectiva bíblica sobre a pena de morte.
3)- A questão da pena capital deve ser
estudada a partir da perspectiva das passagens bíblicas individuais encontradas
na Escritura em vários contextos. Ela adicionalmente deve ser estudada e
compreendida a partir da perspectiva de uma antropologia bíblica robusta, ou
seja, mais ampla do que a exegese e que inclua princípios bíblicos. Ao longo
dos anos, a Igreja Adventista do Sétimo Dia tem emitido declarações oficiais
sobre vários assuntos, como, por exemplo, contra a violência, a guerra e a
eutanásia, e a favor da tolerância e da não combatividade. A igreja busca
preservar e proteger a vida humana. Isso é refletido em sua forte ênfase sobre
a mordomia (Deus sendo o proprietário da vida e Cristo sendo nosso Salvador), o
cuidado da saúde integral, bem como a ajuda humanitária. Os adventistas
promovem e encorajam o pleno desenvolvimento da humanidade – física, mental,
emocional e espiritualmente – mediante a educação e a proclamação da mensagem
do evangelho de Cristo, que veio para todos “tenham vida e a tenham em
abundância” (João 10:10). A discussão do tema da pena capital deve ocorrer
nesse contexto.
4)- Os adventistas acreditam que a
violência e a pena de morte não têm lugar na igreja. Em outras palavras, não é
tarefa da igreja tirar a vida humana. Embora no Antigo Testamento, sob a
teocracia, a pena de morte seja mencionada em vários casos, como em conexão com
o matar um ser humano (Êxodo 21:12), ferir ou amaldiçoar os pais (Êxodo 21:15,
17), raptar e vender alguém (Êxodo 21:16), profanar o sábado (Êxodo 31:14-15;
Números 15:32-35), sacrifício de criança (Levítico 20:2), adultério (Levítico
20:10), incesto (Levítico 20:11), homossexualidade (Levítico 20:13), sodomia
(Levítico 20:15-16), espiritismo (Levítico 20:27), blasfêmia (Levítico 24:16),
idolatria (Deuteronômio 13:1-5) e sexo pré-conjugal (Deuteronômio 22:23-24), no
Novo Testamento essa legislação não é aplicada à igreja cristã, que se propagou
entre as nações. Em Seu primeiro advento, Jesus pôs fim à teocracia judaica e
estabeleceu a ética de Seu reino, conforme proclamada no Sermão do Monte
(Mateus 5—7) e em outros lugares (por exemplo, Mateus 26:52). O caso do homem
envolvido em incesto, em 1 Coríntios 5, mostra que a pena capital não mais é
praticada pelo povo de Deus. Antes, a igreja tem a responsabilidade de se
aproximar dos pecadores com o objetivo de ganhá-los para um comportamento
semelhante ao de Cristo e aceitarem os ensinos bíblicos. Se isso falhar, a
ordem seguinte de Jesus, em Mateus 18:15-20, é que o pecador não arrependido
seja excluído da comunidade de crentes. Porém, mesmo depois de sua separação da
igreja, a congregação local deve empenhar-se por trazê-lo de volta. Portanto,
matar hereges, como praticado por algumas igrejas cristãs no passado, não é
apenas injustificado, mas absolutamente errado, conforme a perspectiva bíblica.
Entretanto, esse fenômeno reaparecerá quando, no tempo do fim, os poderes do
mal derramarem novamente o sangue dos santos. O próprio Deus julgará esses
poderes (Apocalipse 16:6; 19:2).
5)- E quanto aos governos e a pena
capital? É reconhecido que dois textos bíblicos, em especial, foram usados para
apoiar a pena de morte executada pelos governos: Gênesis 9:5-6 e Romanos 13:4.
O primeiro texto (“Certamente, requererei o vosso sangue, o sangue da vossa
vida; de todo animal o requererei, como também da mão do homem, sim, da mão do
próximo de cada um requererei a vida do homem. Se alguém derramar o sangue do
homem, pelo homem se derramará o seu; porque Deus fez o homem segundo a sua
imagem”) é proferido a Noé, depois do dilúvio, e precede a teocracia israelita.
Portanto, não se limitou à teocracia. Ele enfatiza a santidade da vida humana.
Mas esse texto é um mandamento, uma profecia, um provérbio ou uma maldição que
descreve o que normalmente ocorre se alguém de forma proposital ou não põe fim
à vida humana? Se for um mandamento, quem deve executar a morte de um
assassino, de acordo com o texto ou o contexto? Como o amplo contexto da
Escritura deve ser compreendido, considerando que mesmo no Antigo Testamento
ocorriam exceções quanto à execução da pena de morte (por exemplo, Moisés e
Davi) e ali encontramos cidades de refúgio para os que acidentalmente haviam
matado alguém?
O segundo texto é uma declaração de
Paulo ao falar sobre o relacionamento dos cristãos com os governos e sua
autoridade. O contexto trata do pagamento de impostos e de ser submisso aos
governos. Pode implicar obediência desde que os governos não obriguem os
cristãos a desobedecerem a Deus (ver Atos 5:29). Não há dúvida quanto ao papel
legítimo dos governos no uso civil da lei, mas a menção da “espada” pelo
apóstolo é suficiente para implicar pena capital? O porte de armas pelas forças
policiais na atualidade automaticamente implica e legitima a pena de morte?
Os dois textos devem ser cuidadosamente
estudados, levando em consideração seu contexto literário e marco histórico, a
verdade principal do argumento na passagem e o vocabulário e a gramática em
hebraico e grego. Além disso, a Bíblia, como um todo, e seus princípios sobre a
vida e a morte, a violência e a graça, a justiça e o perdão devem ser
consultados. No presente, não há consenso quanto à interpretação dos textos
acima mencionados entre a ampla comunidade cristã ou na Igreja Adventista.
Consequentemente, também não há consenso, a partir da perspectiva bíblica,
sobre a questão de se os governos têm permissão ou até mesmo obrigação de
instituir a pena de morte. Porém, diante do fato de que a pena capital não tem
lugar na igreja cristã, não é correto que a igreja seja vista como agente que
advoga a pena capital, embora o estado possa executá-la.
Portanto, recomenda-se que haja apoio à
prática da Igreja Adventista do Sétimo Dia de valorizar a vida humana, conforme
descrito acima. Recomenda-se também que os membros da igreja não se envolvam em
qualquer campanha para promover a pena de morte. A missão da igreja não é
promover a morte, mas anunciar a vida e a esperança.