Nos tempos de Cristo a educação era um
elemento muito importante da sociedade. Quando a criança tinha a oportunidade
de, além do ofício do lar, aprender na escola dos rabinos, sua rotina não era
fácil. Ela passava a manhã inteira na sinagoga, em uma sala com cerca de 25
alunos. A parte da tarde era dedicada ao trabalho que estava aprendendo com o
pai. Com uma rotina intensa, é difícil
imaginar se havia tempo para brincar e praticar esportes. Mas a verdade é que
as crianças se divertiam muito. Uma típica criança judia participava de muitas
brincadeiras, sendo a maioria delas coletiva.
Em Mateus 11:16-17 e Lucas 7:32, Jesus
menciona uma brincadeira de rua comum, em que crianças tocam instrumentos e
dançam, aparentemente, imitando as cerimônias dos adultos. Ou seja, o tempo
para brincar existia, mas era separado dos momentos dedicados ao estudo e ao
trabalho.
Hoje, as crianças quase não brincam.
Ficam, muitas vezes, estagnadas em seus computadores e celulares. Mas, antes
dessa febre tecnológica, era comum que as crianças brincassem sozinhas com seus
carrinhos e bonecas. No tempo de Jesus era bem diferente. Meninos e meninas
participavam de brincadeiras coletivas, que ensinavam a socialização. Ao imitar
a cerimônia dos mais velhos, como os textos bíblicos mencionam, evidencia-se
uma forma de preparo para a vida adulta. Para aqueles judeus, especialmente
daquela época, brincar era algo sério.
“Casas”
do conhecimento
A escola fundamental que as crianças
frequentavam na sinagoga era conhecida pelo nome de BeitHa Sêfer, isto é,
A Casa do Livro. Ali aprendia-se a ler, escrever, fazer contas e falar em público.
Memorização, repetição e resolução de problemas eram os métodos pedagógicos
mais usados na ocasião.
As Escrituras, especialmente a Torá,
formavam a base do ensino. O mestre e os alunos repetiam-na todos os dias, até
que os textos ficassem bem memorizados. Os judeus do primeiro século estudavam,
sobretudo, o Antigo Testamento. Para eles, aquele era sua principal fonte de
ensino, aliás, tudo o que se aprendia partia das Escrituras O cálculo
matemático, por exemplo, era ensinado a partir do tempo de duração da vida dos
patriarcas ou das profecias que incluem cronologia. A geografia era ilustrada
nas guerras de Israel. Já a medicina, por meio das prescrições mosaicas, e
assim por diante. Para os judeus, as Escrituras eram um livro completo, que
permitia integrar todo o conhecimento e encontrar o princípio de toda a
sabedoria disponível aos seres humanos. O estudo delas era tão importante que,
mesmo quem não frequentasse a escola, precisava pelo menos saber ler para ter
acesso ao conteúdo da Torá. Nesse caso, a pessoa era ensinada em casa, pelos
pais. As mulheres também tinham que conhecer a Torá, embora de maneira simples,
devido ao espírito patriarcal daqueles dias.
O período da escola primária ia dos
cinco aos 12 ou 13 anos de idade. Depois, o aluno passava por um estágio mais
avançado na Beit Midrash, ou Casa da Interpretação, que ficava em um lugar
separado da sinagoga. Ali, o aluno poderia receber uma espécie de educação
superior acompanhado por algum mestre da lei. De fato, estudar em uma Beit
Midrash era um privilégio de poucos.
Assim, se um jovem quisesse avançar em
seus estudos, deveria iniciar-se no mundo rabínico, no qual se tornaria um
escriba ou doutor da lei. Para isso, ele deveria escolher como tutor um mestre
ou rabino de renome e segui-lo, na condição de que o rabino aceitasse o aluno.
Paulo, por exemplo, foi aceito pelo grande sábio Gamaliel. De acordo com o
livro de Atos 22:3, foi aos pés dele que Paulo praticamente aprendeu tudo o que
sabia, possivelmente, até muitos dos idiomas que falava.
Discipulado
O jovem aprendiz, ou seja, que era
aceito pelo mestre, deveria ser submisso da mesma forma como seria a seu pai, e
também deveria estar pronto para servi-lo enquanto estivesse em sua companhia.
Com aquele sábio homem, o jovem aprenderia muitas lições, mas, especialmente, a
difícil arte de interpretar a lei e colocá-la em prática nas mais diversas
situações.
Pela falta de documentos da época, que
poderiam fornecer mais informações, não sabemos ao certo quanto tempo durava o
curso. Entretanto, parece que não havia um prazo determinado. Documentos
rabínicos do segundo século dizem simplesmente o seguinte: “É frequentemente
recomendável como altamente meritório para alguém ser um dos primeiros a vir
para uma Beit Midrash e o último a deixá-la”.
Em alguns casos, ao invés de o jovem se
oferecer para o curso, o próprio mestre ou rabino, reconhecendo seu potencial,
o convidava para ser seu discípulo. Sendo assim, entendemos os episódios em que
dois discípulos de João pedem para seguir a Jesus, e Ele os aceita, e quando
Jesus é quem dá a iniciativa e convida pescadores para segui-Lo.
Mesmo antes da época de Cristo, cada
sábio ou rabino se preocupava em formar discípulos e futuros escribas que
pudessem exercer o ofício em tribunais ou sinagogas. O famoso rabino Hilel, que
viveu nos dias de Herodes, o Grande, chegou a ter, de uma só vez, cerca de 80
seguidores imediatos. Jesus foi bem mais simples. Escolheu apenas 12, ou
melhor, 11 discípulos, se entendermos que Judas foi apenas aceito, mas não
escolhido pelo Mestre.
Os
70
Se nos atentarmos aos fatos, veremos que
há na Bíblia, em Lucas 10:1, uma única menção de 70 discípulos que o Mestre
preparou e enviou para pregar o evangelho. Embora não tenhamos informações
adicionais desse grupo, o fato é que os discípulos de Cristo, em sua maioria,
eram homens incultos ou rejeitados, que não possuíam dotes especiais básicos de
alguém que poderia ser um aluno do grande Mestre. Mas Jesus os amou como ama a
cada um de nós. E também os preparou para pregarem as boas novas do reino de
Deus entre os homens.
Havia, também, algumas diferenças
básicas entre os mestres do tempo de Cristo. Dentro do movimento dos escribas,
por exemplo, de afinidade mais farisaica, existiam duas correntes básicas. Uma
era a escola fundada pelo rabino Hilel, citado anteriormente. Ali, um jovem,
antes de ser aceito oficialmente por um mestre, deveria se submeter a um
estágio de 30 dias para realizar e conhecer as prescrições rituais de
purificação. Em outra escola, a de Shamai, esse período se estendia por pelo
menos um ano. Embora não tenhamos muita documentação direta do tempo de Jesus,
temos informações valiosas no segundo século de nossa época e que podem nos servir
de chave interpretativa daqueles tempos. Segundo essas antigas fontes, a partir
do segundo século, quando um jovem estava estudando no colégio superior da Beit
Midrash, deveria caminhar o dia inteiro e se abster de outros trabalhos, já que
o estudo começava no alvorecer e terminava apenas ao pôr-do-sol.
Para aprender novas culturas e adquirir
novos conhecimentos, o grupo caminhava de um lugar para o outro, como nômades.
Sendo assim, a família do jovem deveria ter uma boa quantia de dinheiro para
sustentá-lo durante o período de estudos, afinal, ele não podia trabalhar de
maneira braçal. Se não tivesse dinheiro, o estudante deveria ter fé e
paciência, pois dependeria totalmente da ajuda voluntária de cidadãos e de
aldeias por onde passasse, ou quem sabe das ofertas doadas por famílias
mantenedoras daquela escola rabínica em especial, a qual ele pertencia.
Com base nesse processo, podemos
entender que não foi estranho, segundo a Bíblia, os apóstolos pararem de
trabalhar para seguir a Jesus por três anos e meio. Também podemos compreender
que o grupo foi sustentado por pessoas simpatizantes do movimento, sendo muitas
delas, cidadãs das cidades por onde Cristo e Seus discípulos passaram.
Com essas informações, fica clara a
recomendação que Cristo deu aos 70 discípulos, relatada em Lucas 10:4-12. Ele
disse o seguinte: “(…) Qualquer casa em que entrardes, dizei primeiro: ‘A paz
esteja nesta casa’. Se ali morar um amigo da paz, a vossa paz repousará sobre
ele, senão, ela retornará a vós. Permanecei naquela mesma casa: comei e bebei
do que tiverem, porque o trabalhador tem direito a seu salário. Não passeis de
casa em casa. Quando entrardes numa cidade e fordes bem recebidos, comei do que
vos servirem, curai os doentes que nela houver e dizei: ‘O Reino de Deus está
próximo de vós’. Mas quando entrardes numa cidade e não fordes bem recebidos,
saindo pelas ruas, dizei: ‘Até a poeira de vossa cidade que se grudou aos
nossos pés, sacudimos contra vós’”.
Muito interessante, não?! Essas
informações nos ajudam a colocar as histórias da Bíblia dentro de uma espécie
de moldura contextual, que torna as cenas mais vivas. Os ensinos dos evangelhos
passam a ter outro formato, ser quase tridimensionais.
Dr. Rodrigo Silva