Comentário da Lição da ES: Caminho para a fé

(Gl 3:22) – Quando falamos em lei, notoriamente pensamos nas leis do trânsito, nas leis criminais, nas leis de proteção ao consumidor, nas leis da constituição, isto é, em um conjunto de leis que visam a proteção do cidadão em várias esferas da vida. Além das leis elaboradas pelo ser humano encontramos as que sistematizam a natureza. As leis da física são exemplos de leis elaboradas com o objetivo de gerenciar, manter e organizar o universo e tudo mais que esteja inserido nele. A lei da gravidade, descoberta por Newton, explica a força da atração e a organização geral de nosso ambiente físico de forma a proporcionar a manutenção da vida.
Alguns cientistas contemporâneos afirmam que se a lei da gravidade simplesmente não mais existisse, além de afetar a própria saúde e vitalidade do sistema biológico humano, acabaria com o próprio planeta em que vivemos. O sol perderia a força que o mantém compacto e a intensa pressão em seu núcleo o faria romper-se para uma catastrófica explosão. O que ocorreria com o Sol e com a Terra é um exemplo do que ocorreria com todos os corpos e estrelas pelo universo. Imaginou o quão dependente somos da lei da gravidade? Da mesma forma, assim como Deus elaborou as leis da física para a manutenção do universo e da vida, Ele também elaborou a Sua lei moral, dos dez mandamentos, com a finalidade de nos ajudar a escrever a nossa história por caminhos distantes do pecado, da dor, do sofrimento e das lágrimas. A lei de Deus é o “aio” (Gl 3:24), do grego paidagogos, cujo significado é “tutor”, “guardião”, literalmente “guia de crianças”, que nos guia, direciona ou nos conduz a Cristo. Os dez mandamentos foram designados por Deus para conduzir as pessoas a Cristo, pois nos revelam os pecados e, consequentemente, nossa necessidade de um poder libertador que está acima de nós. A lei não foi designada para salvar, mas para nos levar a Cristo, o nosso antídoto contra o pecado e contra a morte eterna. Por este motivo é que não teríamos o evangelho se a lei não existisse.

A lei e a promessa

(Gl 3:21; Lv 18:5; Dt 6:24) -    A promessa e a aliança, como unha e carne, andam de mãos dadas. Deus deu tanto a lei quanto a promessa e isto indica que embora a aliança ou a promessa sejam a base da estratégia redentiva, a lei existe para um fim bem definido e diferente. A lei não promove graça, não promove fé, não derrama sangue pelo pecador e não pode oferecer vida. A lei dada por Deus sinaliza a nossa jornada cristã, nossa necessidade de amparo no Redentor. Ela é a resposta do amor divino para nos ajudar a entender a diferença do que é e do que não é correto diante dos olhos de Deus. Ela nos ajuda a delimitar nossa vida de forma que fiquemos bem longe do pecado e de suas consequências. Agora, o que a lei não pode fazer, a graça pode - encher-nos de vida e salvação pelos méritos de Cristo.
            A lei e a promessa exercem papéis diferentes e ao mesmo tempo cumprem o propósito de Deus para a vida humana.
            A geração atual, enxertada pelo relativismo e o secularismo, desenvolve um método de vida isento de grandes responsabilidades e de subordinação às leis. Em uma análise antropológica, poderíamos inferir o desenvolvimento social antinomista (anti-lei), especialmente dentre os evangélicos contemporâneos, para entender a relação negativa deles com a lei de Deus. A análise não nos parece vir de uma descoberta teológica, mas de uma revolução e mudança paradigmática que surgiu contra a ética, as normas e diretrizes da vida. Infelizmente isto se resvalou para o conceito religioso. Ao contrário dos antinomistas da atualidade, no tempo de Paulo, os religiosos interpretavam a lei como um conduto essencial para dar vida e espiritualidade. Abraçavam a lei de maneira a rebaixar a norma das promessas. Todavia a capacidade de dar vida vem unicamente de Deus. A promessa da aliança feita com Abraão não anula a lei, mas a lei não deve exercer o papel da promessa. Ambas são como unha e carne, mas cada uma exercendo funções bem diferentes. A lei é para mostrar que estamos perdidos e a promessa é para mostrar que há esperança para nós através de Cristo.

“Prisioneiros da lei”

(Gl 3:22, 23; Rm 6:14; 15:; I Co 9:20; Gl 4:4,5,21; 5:18) - Em contraste com as palavras de Paulo, ao afirmar que “antes que chegasse o tempo da fé, nós éramos prisioneiros da lei” (Gl 3:23), Tiago ensina que seremos julgados “pela lei da liberdade” (Tg 2:12). Aparentemente há uma contradição entre Paulo e Tiago. Na verdade, as duas expressões se harmonizam perfeitamente, pois Paulo ao se referir que “nós éramos prisioneiros da lei”, faz referência ao período em que Jesus ainda não havia confirmado Sua graça prometida. Tanto no Antigo quanto no Novo Testamento a salvação sempre foi pela graça somente, mas a promessa tornou real e vivificante esta verdade através da realidade da cruz. Imagine se Deus, depois de tantos sacrifícios no Templo, após milênios, desistisse de concretizar sua promessa da vinda do Messias! Com certeza não haveria nenhuma possibilidade de remissão da raça humana. O sacrifício de Cristo foi o único meio existente capaz de cumprir a justiça da lei. Esta realidade podia ser contemplada no santuário quando os cordeiros eram imolados no pátio. O cordeiro morto estava substituindo o pecador em sua culpa. Da mesma forma, em nossos dias, Jesus pagou na cruz a nossa culpa diante da lei de Deus. Nós fomos inocentados e isentados do sacrifício da morte através do sangue do próprio Deus derramado no calvário. Isto não deveria nos constranger e nos encher de admiração por tamanha demonstração de amor? A lei não pode remediar nossa culpa, pelo contrário, apenas nos traz mais culpa. No entanto, arrependidos, podemos encontrar em Cristo novamente refúgio, amparo e perdão. “Mediante a transgressão, o homem perdeu sua santa inocência, e hipotecou-se a Satanás. Cristo, o Filho unigênito de Deus, empenhou-Se para a redenção do homem, e pagou o preço de seu resgate na cruz do Calvário. Deixou os mundos não caídos, a sociedade dos santos anjos no universo celeste; pois não poderia estar satisfeito enquanto a humanidade se achasse dEle alienada. O Negociante celeste põe de lado as vestes e a coroa reais. Se bem que sendo o Príncipe e Comandante de todo o Céu toma sobre Si o invólucro humano, e vem a um mundo manchado e ressequido pela maldição, em busca da pérola perdida, à procura do homem perdido pela desobediência. [...] Encontra Sua pérola sepultada no lixo. O egoísmo incrusta o coração humano, que está ligado pela tirania de Satanás. Ele, porém, ergue o ser humano de sua escuridão, para manifestar os louvores dAquele que nos chamou das trevas para Sua maravilhosa luz. Somos levados a uma relação de concerto com Deus, recebemos perdão e encontramos paz. Jesus acha a pérola da humanidade perdida e repõe-na em Seu diadema” (Youth's Instructor, 10 de outubro de 1895.)
           
A lei como nosso “vigilante”

(Gl 3:19-24; Rm 3:1,2; Dt 7:12-24; Lv 18:20-30) - A lei de Deus é como um termômetro, mostra nosso estado febril, mas é incapaz de nos curar desse estado.  Ela é como uma lupa - revela significativamente aquilo que não pode ser observado a olho nu. Revela a miséria humana e, por este motivo, nos conduz a Cristo. A lei do Senhor foi estabelecida para sempre (Sl 111:7,8; 119:142,144); foi escrita pelo dedo de Deus;  recebeu o nome de testemunho (Êx 31:18), e,  Sem esta instrução, não saberíamos o que é pecado (Rm 7:7).
No estudo de hoje observamos a declaração de Paulo em Gálatas 3:19 que retrata a lei como tendo sido acrescentada no Sinai por causa das transgressões. Os dez mandamentos não podem ter sido acrescentados no Sinai porque já existiam antes do mesmo. A lei cerimonial foi sistematizada no Sinai, mas o sacrifício de animais, também já ocorria desde os tempos antigos. Portanto, o que fora adicionado no Sinai deve ter sido a forma em que a lei foi apresentada. Deus falara com amor, bondade e tato com o povo, mas não deram ouvidos à mensagem de Deus. Os pecados existentes entre eles não pareciam afetar-lhes a consciência. Então, para despertar neles a consciência da gravidade de sua vida pecaminosa, o Onipotente os impressiona com a forma de apresentar os Seus mandamentos. A voz de Deus ouvida com estrondo aterrorizante, o monte entrar em convulsão, e os trovões com relâmpagos, foram necessários porque pareciam ser a única forma de os constranger a perceber a malignidade de seus pecados. Em nossos dias, infelizmente, há muitos que somente conseguem enxergar a gravidade de seu pecado quando ele lhes traz terríveis consequências.
           
A lei como nosso tutor

(Gl 3:23,24) - A lei em Gálatas, descrita por Paulo inúmeras vezes, abrange toda a torá. A lei moral está inserida nas mesmas declarações. A este respeito Ellen White afirma que “nesta passagem [Gl 3:24], o Espírito Santo, pelo apóstolo, Se refere especialmente à lei moral. A lei nos revela o pecado, levando-nos a sentir nossa necessidade de Cristo e a fugir para Ele em busca de perdão e paz mediante o arrependimento para com Deus e a fé em nosso Senhor Jesus Cristo” (Mensagens Escolhidas, v.1, p. 234). O “aio” na descrição do apóstolo, ou paidagogos no grego, é uma descrição clara na cultura romana de um vigia ou escravo colocado numa posição de tutor dos deveres que precisavam ser cumpridos na vida de outrem. A lei, embora seja boa no sentido de delimitar nossa vida contra o pecado, também pode não ser agradável, caso estejamos em um tipo de pecado que não queiramos abandonar. Claro que uma pessoa pode muito bem esconder seu mau comportamento de um paidagogo, mas jamais poderá esconder-se de si mesmo ou de Deus. A maneira como vemos a lei depende muito de nossa mais profunda intenção. Há aqueles que apreciam a correção e a presença de um paidagogo, mas há os que aborrecem a correção e qualquer paidagogo que apresente seus erros - mesmo que seja por/com amor. Por causa do orgulho, que tem por finalidade a proteção do ‘eu’, não apreciamos a correção. A lei de Deus fere o orgulho humano, especialmente quando estamos em situação confortável com o pecado. "A lei do Senhor é perfeita, e refrigera a alma" (Sl 19:7). Sem a lei os homens não têm uma concepção justa da pureza e santidade de Deus, ou da culpa e impureza deles mesmos. Não têm verdadeira convicção do pecado e não sentem necessidade de arrependimento. Não vendo a sua condição perdida, como transgressores da lei de Deus, não se compenetram da necessidade do sangue expiatório de Cristo. A esperança de salvação é aceita sem a mudança radical do coração ou reforma da vida. São assim abundantes as conversões superficiais, e unem-se às igrejas multidões que nunca se uniram a Cristo”. (O Grande Conflito, p. 467-468)
           
A lei e o Cristão

(Gl 3:25; Rm 8:1-3) -   Certa feita conheci um homem que dizia ser pastor de uma igreja evangélica. Observando-o com muito interesse, a princípio imaginei que fosse alguém precisando de ajuda espiritual. Meu interesse era ampará-lo apresentando o evangelho de Jesus. O cabelo era penteado para cima, o corpo era repleto de tatuagens e o seu olhar era decaído como de uma pessoa escrava de algum vício. Quando ele me disse que era pastor fiquei muito surpreso. Mais tarde ganhei um folheto de alguns de seus amigos para estar em um culto de adoração na tal igreja evangélica. Quando olhei para o folheto que recebi me surpreendi ainda mais. Haveria um show de adoração na igreja com música rap para Jesus. No folheto haviam homens fazendo gestos estranhos e vestidos como se fossem para uma discoteca. Outro dia me deparei com uma propaganda convidando a comunidade para um inovado carnaval para Jesus. Fantasias, música de carnaval com letra religiosa e muita euforia eram as promessas de tais animações. Em outra circunstância uma comunidade evangélica montou um palco de luta dentro da igreja promovendo, após o culto, uma luta de MMA cristão. Na entrevista, a pastora afirmou que era melhor perder um pouco de sangue no ringue da igreja do que perder vidas fora dela. Enfim, eu poderia escrever centenas de páginas com testemunhos estranhos assim. O limite entre o santo e o profano parece que se tornou quase invisível aos olhos da consciência. As concessões, para angariar pessoas para as igrejas têm sido cada vez maiores. No entanto, este tipo de concessão já começou há muitos anos, quando deram passos largos contra a lei de Deus. Quais as consequências deste império antinomista? Uma enquete foi levantada nos EUA para descobrir o nível de perversidade entre cristãos que frequentam uma igreja e outras pessoas que não frequentam igreja alguma. Para nossa surpresa, o resultado da enquete apresentou que o índice de perversidade, das mais variadas entre ambos os grupos, era quase o mesmo. O mundo está amadurecendo para a destruição e muitos evangélicos estão contribuindo para isto. Em breve os dez mandamentos, depreciados pela própria comunidade cristã, aparecerão no Céu, abertos por mãos invisíveis para anunciar a lei que fora rejeitada mesmo dentre os que professaram o nome de Jesus. No entanto, quando isto ocorrer, haverá oportunidade para os transgressores? (Sl 119:142,144; Êx 31:18; Sl 50:6). “Não devemos olhar a Deus como aguardando o momento de punir o pecador por causa de seus pecados. O pecador mesmo acarreta sobre si a punição. Suas próprias ações dão princípio a uma cadeia de circunstâncias que trazem o resultado definido. Cada ato de transgressão reflete sobre o pecador, opera nele uma mudança de caráter e torna-lhe mais fácil transgredir de novo. Preferindo pecar, separam-se os homens de Deus, excluem-se do conduto de bênçãos, e o resultado certo é a ruína e morte. A lei é uma expressão do pensamento de Deus. Quando a recebemos em Cristo ela se torna nosso pensamento. Ergue-nos acima do poder dos desejos e tendências naturais, acima das tentações que levam ao pecado. "Muita paz têm os que amam a Tua lei, e para eles não há tropeço" (Sal. 119:165) - coisa alguma os levará a tropeçar. Não há paz na injustiça; os ímpios estão em guerra contra Deus. Aquele, porém, que recebe a justiça da lei em Cristo, está em harmonia com o Céu. "A misericórdia e a verdade se encontraram; a justiça e a paz se beijaram." Sal. 85: 10. (Carta 96, 1896).


           Gilberto Theiss - Graduado em Teologia, Mestrando em Interpretação Bíblica, Pós-Graduado em Filosofia, Ciências da Religião e Pós-Graduando em História e Antropologia. Atualmente é pastor no Estado do Ceará.