O termo apócrifo geralmente
se refere a livros polêmicos do Antigo Testamento que os protestantes rejeitam
e os católicos romanos e as igrejas ortodoxas aceitam. A palavra apócrifo significa
“escondido” ou “duvidoso”. Os que aceitam esses documentos
preferem chamá-los “deuterocanônicos”, isto é: livros do “segundo
cânon”.
A Posição Católica Romana - Católicos e protestantes concordam quanto à inspiração 27
livros do NT. Diferem em 11 obras de literatura do AT (7 livros e 4 partes de
livros). Essas obras polêmicas causaram discórdias na Reforma e, em reação à
sua rejeição pelos protestantes, foram "infalivelmente" declaradas
parte do cânon inspirado das Escrituras em 1546 pelo Concílio de Trento.
O Concílio afirmou:
“O Sínodo [...] recebe e venera [...] todos os livros
[incluindo os apócrifos] tanto do Antigo quanto do Novo Testamento - visto que
um só Deus é o Autor de ambos [...] que foram ditados, ou pela própria palavra
de Jesus ou pelo Espírito Santo [...] se alguém não aceitar com sagrados e
canônicos os livros mencionados integralmente com todas as suas partes, como
costumavam ser lidos na Igreja Católica [...] será anátema” (Schaff 2.81).
Outro documento de Trento diz:
“Mas se alguém não aceitar o que está nos livros como
sagrados e canônicos, inteiros com todas as partes da Bíblia [...] e se
consciente e deliberadamente condenar a tradição mencionada anteriormente, que
seja anátema” (Denzinger, Sources, nº 784).
A mesma linguagem afirmando os apócrifos é repetida pelo
Concílio Vaticano II. Os apócrifos que Roma aceita incluem 11 ou 12 livros,
dependendo de Baruque 1 até 6 ser dividido em duas partes. Baruque 1 até 5 e a
carta de Jeremias (Baruque 6). O deuterocânon apócrifos pelos protestantes
exceto a Oração de Manassés e 1 e 2 Esdras (chamados 3 e 4 Esdras pelos católicos
romanos; Esdras e Neemias eram chamados 1 e 2 Esdras pelos católicos).
Apesar do católico romano ter 11 obras de literatura a mais
que a versão protestante, apenas 7 livros a mais, ou um total de 46, aparecem
no índice (o AT judeu e o protestante têm 39). Como se vê na tabela seguinte,
outras 4 peças de literatura estão incorporadas a Ester e Daniel.
Argumentos Católicos em favor dos Apócrifos
O cânon maior às vezes é denominado “cânon alexandrino”, em contraposição ao “cânon palestinense”, que não contém os apócrifos, porque supostamente eram parte da tradução grega do AT (a Septuaginta, ou LXX) preparada em Alexandria, Egito. As razões geralmente dadas à essa lista são.
1. O NT reflete o pensamento dos
apócrifos, e até faz referência a eventos neles descritos (Hb 11.35 com 2 Mac
7.12).
2. O NT cita mais o AT grego com base na
LXX, que continha os apócrifos. Isso dá aprovação tácita ao texto inteiro.
3. Alguns pais da igreja primitiva citaram
e usaram os apócrifos como Escritura na adoração pública.
4. Esses pais da igreja, como Irineu,
Tertuliano e Clemente de Alexandria aceitavam todos os apócrifos como
canônicos.
5. Cenários de catacumbas cristãs primitivas
retratam episódios dos apócrifos, mostrando-os como parte da vida religiosa
cristã primitiva, o que, no mínimo, revela grande apreço pelos apócrifos.
6. Manuscritos primitivos importantes
(Álef, A e B ) intercalam os apócrifos entre
os livros do AT como parte do AT greco-judaico.
7. Concílios da igreja primitiva aceitaram
os apócrifos: Roma (382), Hipona (393) e Cartago (397).
8. A Igreja Ortodoxa aceita os apócrifos.
Sua aceitação demonstra que se trata de uma crença cristã comum, não restrita
aos católicos romanos.
9. A Igreja Católica Romana considerou os
apócrifos como canônicos no Concílio de Trento (1546), de acordo com os
concílios anteriores já mencionados e com o Concílio de Florença, pouco antes
da Reforma (1442).
10. Os livros apócrifos continuaram sendo
incluídos em versões bíblicas protestantes até o século XIX. Isso indica que
mesmo os protestantes aceitavam os apócrifos até recentemente.
11. Livros apócrifos com texto em hebraico
foram encontrados entre os canônicos do AT na comunidade do mar Morto em
Qumran, logo faziam parte do cânon hebraico.
Resposta aos Argumentos Católicos
(1) O NT e os apócrifos. Pode haver no NT alusões aos apócrifos, mas não há nenhuma citação definitiva de qualquer livro apócrifo aceito pela Igreja Católica Romana. Há alusões aos livros pseudepigráficos (falsas escrituras) que são rejeitadas por católicos romanos e protestantes, tais como Ascensão de Moisés (Jd 9) e o Livro de Enoque (Jd 14,15). Também há citações de poetas e filósofos pagãos (At 17.28; 1 Co 15.33; Tt 1.12). Nenhuma dessas fontes é citada como Escritura, nem possui autoridade. O Novo Testamento simplesmente faz referência a verdades contidas nesses livros que, por outro lado, podem conter (e realmente contêm) erros. Teólogos católicos romanos concordam com essa avaliação. O NT jamais se refere a qualquer documento fora do cânon como autorizado.
(2) A LXX e os apócrifos. O fato de o NT citar várias vezes outros livros do AT
grego não prova de forma alguma que os livros deuterocanônicos que ele contém
sejam inspirados. Não é sequer um fato comprovado que a LXX do século I
contivesse os apócrifos. Os primeiros manuscritos gregos que os incluem datam
do século IV d.C.
Mesmo que esses escritos estivessem na LXX nos tempos
apostólicos, Jesus e os apóstolos jamais os citaram, apesar de supostamente
estarem incluídos na mesma versão do AT geralmente citada. Até as notas
da New American Bible [Nova Bíblia Americana, NAB]
admitem de forma reveladora que os apócrifos são "livros religiosos usados
por judeus e cristãos que não foram incluídos na coleção de escritos
inspirados". Pelo contrário, “...foram introduzidos bem mais tarde na
coleção da Bíblia. Os católicos os chamam livros 'deuterocanônicos'” (NAB, p.
413).
(3) Usados pelos pais da igreja. Citações dos pais da igreja para
apoiar a canonicidade dos apócrifos são seletivas e enganadoras. Alguns pais
pareciam aceitar sua inspiração; outros os usavam para propósitos devocionais e
homiléticos (pregação), mas não os aceitavam como canônicos. Um especialista
nos apócrifos, Roger Beckwith, observa:
“Quando examinamos as passagens nos primeiros pais que
supostamente deveriam estabelecer a canonicidade dos apócrifos, descobrimos que
algumas delas são tiradas do grego alternativo de Esdras (1 Esdras) ou de
adições ou apêndices de Daniel, Jeremias ou algum outro livro canônico, e que
[...] não são muito relevantes; descobrimos ainda que, dentre as que são,
muitas não dão qualquer indício de que o livro seja considerado Escritura” (The
Old Testament, cânon 387)
Epístola de Barnabé 6.7 e Tertuliano, Contra Marcião 3.22.5,
não citam Sabedoria 2.12, e sim Isaías 3.10, e Tertuliano, De
anima [Da alma] 15, não cita Sabedoria 1.6, e sim Salmos 139.23, como
a comparação entre as passagens demonstra. Da mesma forma, Justino
Mártir, Diálogo com Trifão 129, claramente não cita Sabedoria ,
e sim Provérbios 8.21-25. Chamar Provérbios de "Sabedoria" está de
acordo com a nomenclatura comum dos pais [ibid., p. 427].
Geralmente, nas referências, os pais não estavam afirmando a
autoridade divina de nenhum dos onze [livros] canonizados
"infalivelmente" por Trento. Citavam, apenas, uma obra bem conhecida
da literatura hebraica ou um escrito devocional ao qual não davam nenhuma
probalidade de inspiração do Espírito Santo.
(4) Os pais e os apócrifos. Alguns indivíduos da igreja primitiva valorizavam muito os
apócrifos; outros se opunham com veemência a eles. O comentário de J.D.N.Kelly
de que "para a grande maioria [dos pais] [...] as escrituras
deuterocanônicas se classificavam como Escritura no sentido completo" está
fora de sintonia com os fatos. Atanásio, Cirilo de Jerusalém, Orígenes e o
grande teólogo católico romano e tradutor da Vulgata ,
Jerônimo, todos se opunham à inclusão dos apócrifos. No século II d.C, a versão
síriaca (Peshita) não continha os apócrifos (Introdução bíblica,
cap. 7 a 9).
(5) Temas apócrifos na arte das catacumbas. Muitos teólogos católicos também
admitem que as cenas das catacumbas não provam a canonicidade dos livros cujos
eventos retratam. Tais cenas indicam o significado religioso que os eventos
retratados tinham para os cristãos primitivos. No máximo, demonstram respeito
pelos livros que continham esses eventos, não o reconhecimento de que fossem
inspirados.
(6) Livros nos manuscritos gregos. Nenhum dos grandes manuscritos gregos
(Álef, A e B ) contém todos os livros
apócrifos. Tobias, Judite, Sabedoria e Siraque (i.e, Eclesiástico )
são encontrados em todos eles, e os manuscritos mais antigos (B e Vaticano)
excluem totalmente Macabeus. Mas os católicos apelam a esse manuscrito para
apoiar sua posição. Além disso, nenhum manuscrito grego contém a mesma lista de
apócrifos aceita por Trento (1545-63; Becwith, p. 194,382-3).
(7) Aceitação pelos primeiros concílios. Esses foram concílios locais e não
eram impostos à igreja toda. Concílios locais geralmente erravam nas suas
decisões e mais tarde eram anulados pela igreja universal. Alguns apologistas
católicos argumentam que, mesmo que um concílio que não seja ecumênico, seus
resultados podem ser impostos se forem confirmados. Mas reconhecem que não há
maneira de saber quais afirmações dos papas são infalíveis. Na verdade, admitem
que outras afirmações dos papas são até heréticas, tais como a heresia monelita
do papa Honório I (m.638).
Também é importante lembrar que esses livros não são parte
das Escrituras cristãs (período do NT). Encontram-se, assim, sob a jurisdição
da comunidade judaica que os compusera e que, séculos antes, os rejeitara como
parte do cânon.
Os livros aceitos por esses concílios cristãos podem até não
ser os mesmos em cada caso. Portanto, não podem ser usados como prova do cânon
exato mais tarde proclamado "infalível" pela Igreja Católica em 1546.
Os Concílios locais de Hipona e Cartago no Norte da África foram influenciados
por Agostinho, a voz mais importante da antigüidade, que aceitava os livros
apócrifos canonizados mais tarde pelo Concílio de Trento. Mas a posição de
Agostinho é infundada: 1) O próprio Agostinho reconheceu que os judeus não
aceitaram esses livros como parte do cânon ( A cidade de Deus ,
19.36-38). 2) Sobre os livros dos Macabeus, Agostinho disse: "...tidos por
canônicos pela igreja e por apócrifos por judeus. A igreja assim pensa por
causa dos terríveis e admiráveis sofrimentos desses
mártires..."(Agostinho, 18.36). Nesse caso, O livro dos
mártires , de Foxe, deveria estar no cânon. 3) Agostinho era
incoerente, já que rejeitou livros que não foram escritos por profetas, mas
aceitou um livro que parece negar ser profético (1 Macabeus 9.27). 4) A
aceitação errada dos apócrifos por Agostinho parece estar ligada a sua crença
na inspiração da LXX, cujos manuscritos gregos mais recentes os continham. Mais
tarde Agostinho reconheceu a superioridade do texto hebraico de Jerônimo
comparado ao texto grego da LXX. Isso deveria tê-lo levado a aceitar a
superioridade do cânon hebraico de Jerônimo também. Jerônimo rejeitava
completamente os apócrifos.
O Concílio de Roma (392) que aceitou os livros apócrifos não
incluiu os mesmos livros aceitos por Hipona e Cartago. Ele não inclui Baruque,
apenas seis, não sete, dos livros apócrifos declarados canônicos mais tarde.
Até Trento o descreve como livro separado (Denzinger, nº 84).
(8) Aceitação pela Igreja Ortodoxa. A igreja grega nem sempre aceitou os
apócrifos e sua posição atual não é inequívoca. Nos Sínodos de Constantinopla
(1638), Jafa (1642) e Jerusalém (1672) esses livros foram declarados canônicos.
Mesmo até 1839, no entanto, seu Catecismo maior omitia
expressamente os apócrifos porque não existiam na Bíblia hebraica.
(9) Aceitação nos Concílios de Florença e Trento. No Concílio de Trento (1546) a
proclamação infalível foi feita aceitando os apócrifos como parte da Palavra
inspirada de Deus. Alguns teólogos católicos afirmam que o Concílio de
Florença, anterior a Trento (1442) fez a mesma declaração. Mas esse concílio
não afirmou nenhuma infalibilidade, e a decisão do concílio também não tem
nenhuma base real na história judaixa, no NT ou na história da igreja
primitiva. Infelizmente, a decisão de Trento veio num milênio e meio
depois de os livros serem escritos e foi uma polêmica óbvia contra o
protestantismo. O Concílio de Florença proclamou que os apócrifos eram inspirados
para apoiar a doutrina do purgatório que havia surgido. Mas as manifestações
dessa crença na venda de indulgências chegaram ao ponto máximo na época de
Martinho Lutero, e a proclamação de Trento sobre os apócrifos era uma
contradição clara ao ensino de Lutero. A adição infalível oficial dos livros
que apóiam orações pelos mortos é muito suspeita, chegando apenas alguns anos
depois de Lutero protestar contra essa doutrina. Ela tem toda a aparência de
uma tentativa de dar apoio "infalível" para doutrinas que não têm
verdadeira base bíblica.
(10) Livros apócrifos nas versões protestantes. Os livros apócrifos apareceram em
versões bíblicas protestantes antes do Concílio de Trento e geralmente eram
colocados numa seção separada porque não eram considerados de igual autoridade.
Apesar de anglicanos e alguns outros grupos não-católicos terem sempre dado
muita importância ao valor inspirativo e histórico dos apócrifos, nunca os
consideraram de origem divina e autoridade igual a das Escrituras. Até teólogos
católicos durante o período da Reforma distinguiam entre o deuterocânon e o
cânon. O cardeal Ximenes fez essa distinção na sua imponente Bíblia, a Poliglota
complutense (1514-1517) às vésperas da Reforma. O cardeal Cajetano,
que depois se opôs a Lutero em Ausburgo, em 1518, publicou, depois da Reforma
ter começado, o Comentário sobre todos os livros históricos autênticos
do Antigo Testamento (1532), que não continha os apócrifos. Lutero
falou contra os apócrifos em 1543, incluindo tais livros no fim da sua Bíblia
(Metzger, p.181ss.).
(11) Livros apócrifos em Qumran. A
descoberta dos rolos do mar Morto em Qumran não incluía apenas a Bíblia da
comunidade (o AT) mas também sua biblioteca, com fragmentos de centenas de
livros. Entre eles se achavam alguns livros apócrifos e apenas livros canônicos
serem encontrados em pergaminhos e escritos especiais indica que os apócrifos
não eram considerados canônicos pela comunidade de Qumeran. Menahem Mansur
alista os seguintes fragmentos dos apócrifos e dos livros pseudepígrafos :
Tobias , em hebraico e aramaico; Enoque , em aramaico; Jubileus
, em hebraico; Testamento de Levi e Naftali , em aramaico; literatura
apócrifa de Daniel , em hebraico e aramaico; e Salmos de Josué (Mansur,
p.203). O especialista em manuscritos do mar Morto, Millar Burroughs, concluiu:
"Não há motivo para acreditar que algumas dessas obras fosse venerada como
Escritura Sagrada" (More light on the Dead Sea Scrolls p. 178).
No máximo, tudo o que os
argumentos usados em favor da canonicidade dos livros apócrifos provam é que
vários livros receberam níveis variados de aceitação por pessoas diferentes na
igreja cristã, geralmente não atingindo a confirmação de sua canonicidade. Só
depois de Agostinho e dos concílios locais que ele dominou declararem-nos
inspirados é que começaram a ser usados e, por fim, receberam aceitação
"infalível" da Igreja Católica Romana em Trento. Isso ainda não
atinge o tipo de reconhecimento inicial, contínuo e total entre as igrejas
cristãs dos livros canônicos do AT protestante e da Torá judaica (que exclui os
apócrifos). Os verdadeiros livros canônicos foram recebidos imediatamente pelo
povo de Deus no cânon crescente das Escrituras (Introdução bíblica, cap.
8). Qualquer debate subseqüente foi travado pelos que não estiveram numa
posição, assim como sua audiência imediata, de saber se eram de um apóstolo ou
profeta autorizado. Eles já estavam no cânon; algumas pessoas em gerações
posteriores questionaram se deviam estar ali. Eventualmente, todos os antilegomena
(livros questionados mais tarde por algumas pessoas) foram retidos no
cânon. Isso não aconteceu com os apócrifos, pois os protestantes rejeitaram
todos eles e até os católicos rejeitaram 3 Esdras , 4 Esdras e A
oração de Manassés .
Argumentos a favor do cânon protestante
A evidência indica que o
cânon protestante, que consiste em 39 livros da Bíblia hebraica e exclui os
apócrifos, é o verdadeiro cânon. A única diferença entre o cânon protestante e
o palestino está na sua ordem. A Bíblia tem 24 livros. Combinados em uma só
estão 1 e 2 Samuel, bem como 1 e 2 Reis, 1 e 2 Crônicas, Esdras e Neemias (o
que reduz o número em quatro). Os 12 profetas menores são contados como um
único livro (reduzindo o número em 11). Os judeus palestinos representavam a
ortodoxia judaica. Portanto, seu cânon era reconhecido por ortodoxo. Foi o
cânon de Jesus ( Introdução bíblica , cap. 4), Josefo e Jerônimo. Foi o
cânon de muitos pais da igreja primitiva, entre eles Orígenes, Cirilo de Jerusalém
e Atanásio.
Os argumentos que apóiam o
cânon protestante podem ser divididos em dois grupos: históricos e
doutrinários.
1. Argumentos históricos.
a) Teste da canonicidade. Ao
contrário do argumento católico com base no uso cristão, o verdadeiro teste da
canonicidade é a característica profética. Deus determinou quais livros
estariam na Bíblia ao dar sua mensagem a um profeta. Então apenas livros
escritos por um profeta ou porta-voz credenciado por Deus são inspirados ou
pertencem ao cânon das Escrituras.
É claro que, apesar de Deus
ter determinado a canonicidade desta maneira, o povo de Deus teve de descobrir
quais desses livros eram proféticos. O povo de Deus a quem o profeta
escreveu sabia que os profetas satisfaziam os testes bíblicos para serem
representantes de Deus, e eles autenticaram ao aceitar os livros como vindos de
Deus. Os livros de Moisés foram aceitos imediatamente e guardados num lugar
sagrado (Dt 31.26). O livro de Josué foi aceito imediatamente e preservado com
a Lei de Moisés (v. Js 24.26). Samuel foi acrescentado à coleção (v. 1 Sm
10.25). Daniel já tinha uma cópia do seu contemporâneo Jeremias (Dn 9.2) e da
Lei (Dn 9.11,13). Apesar da mensagem de Jeremias ter sido rejeitada por grande
parte da sua geração, o remanescente deve ter aceitado e espalhado rapidamente
sua obra. Paulo encorajou as igrejas a fazer circular suas epístolas inspiradas
(v. Cl 4.16). Pedro possuía uma coleção das obras de Paulo, igualando-as ao
Antigo Testamento como "Escritura" (2 Pd 3.15,16).
Havia várias maneiras de
contemporâneos confirmarem se alguém era profeta de Deus. Alguns foram
confirmados de forma sobrenatural (v. Êx 3.4; At 2.22; 2 Co 12.12; Hb 2.3,4).
Às vezes isso acontecia por meio da confirmação imediata da autoridade sobre a
natureza ou da precisão da profecia preditiva. Na verdade, falsos profetas eram
eliminados se suas previsões não se realizassem (Dt 18.20-22). Supostas
revelações que contradiziam verdades reveladas anteriormente também eram
rejeitadas (cf. Dt 13.1-3).Evidências de que os contemporâneos de cada profeta
autenticaram e acrescentaram seus livros ao cânon crescente vêm das citações de
obras posteriores. As obras de Moisés são citadas em todo o AT, começando com
seu sucessor imediato Josué (Js 1.7; 1 Rs 2.3; 2 Rs 14.6; 2 Cr 17.9; Ed 6.18;
Ne 13.3; Jr 8.8; Ml 4.4). Profetas posteriores citam os anteriores (e.g., Jr
26.18; Ez 14.14,20; Dn 9.2; Jn 2.2-9; Mq 4.1-3). No NT, Paulo cita Lucas (1 Tm
5.18); Pedro reconhece as epístolas de Paulo (2 Pd 3.15,16), e Judas (4-12)
cita 2 Pedro. O Apocalipse está cheio de imagens e idéias de Escrituras
anteriores, especialmente Daniel (v., e.g., Ap 13).
Todo o AT
judaico/protestante foi considerado profético. Moisés, que escreveu os cinco
primeiros livros, foi um profeta (Dt 18.15). O restante dos livros do AT foi
conhecido durante séculos pela designação de "Profetas"(Mt 5.17; Lc
24.27). Posteriormente esses livros foram divididos em "Profetas" e
"Escritos". Alguns acreditam que essa divisão foi baseada no fato do
autor ser um profeta por ofício ou por dom. Outros acreditam que a separação
foi estabelecida para uso tópico em festivais judaicos, ou que os livros foram
colocados em seqüência cronológica, por ordem de tamanho decrescente ( Introdução
bíblica , cap. 7). Seja qual for a razão, é evidente que a maneira original
(cf. 7.12) e contínua de referir-se ao AT como um todo até a época de Cristo
era a divisão dupla: "a Lei e os Profetas". Os "apóstolos e
profetas"(Ef 3.5) compunham o NT. Então, toda a Bíblia é um livro profético,
incluindo o último livro (e.g., Ap 20); isso não se aplica aos apócrifos.
b) Profecia não-autenticada. Há forte evidência de que os livros apócrifos não são proféticos, e já que a profecia é o teste da canonicidade, só esse fato os elimina do cânon. Nenhum livro apócrifo afirma ser escrito por um profeta. Na verdade, o livro de Macabeus afirma não ser profético (1 Macabeus 9.27). E não há confirmação sobrenatural de qualquer um dos escritores dos livros apócrifos, como há para os profetas que escreveram livros canônicos. Não há profecia que preveja o futuro nos apócrifos, como há em alguns livros canônicos (e.g., Is 53; Dn 9; Mq 5.2). Não há nova verdade messiânica nos apócrifos. Até a comunidade judaica, a quem os livros pertenciam, reconheceu que os dons proféticos haviam cessado em Israel antes de os apócrifos serem escritos (v. citações anteriores). Os livros apócrifos jamais foram alistados na Bíblia judaica com os profetas ou qualquer outra seção. Os livros apócrifos não são citados nenhuma vez com autoridade por nenhum livro profético escrito depois deles. Levando em conta tudo isso, temos evidências mais que suficientes de que os apócrifos não eram proféticos e, portanto, não deveriam ser parte do cânon das Escrituras.
c) Rejeição judaica. Além das evidências da característica profética apontarem apenas para os livros do AT judaico e protestante, há uma rejeição contínua dos apócrifos como cânon por mestres judeus e cristãos.
Filo, um mestre judeu
alexandrino (20 a.C.- 40 d.C.), citava o AT prolificamente, utilizando quase
todos os livros canônicos, mas nunca citou os apócrifos como inspirados.
Josefo (30-100 d.C.), um
historiador judeu, exclui explicitamente os apócrifos, numerando os livros do
AT em 22 (= 39 livros no Antigo Testamento protestante). Ele também nunca citou
um livro apócrifo como Escritura, apesar de conhecê-los bem. Em Contra Ápion
(1.8), ele escreveu:
"Pois não temos uma
multidão incontável de livros entre nós, discordando dos outros e contradizendo
uns aos outros [como os gregos têm], mas apenas 22 livros, cinco pertencem a
Moisés, contêm sua lei e as tradições da origem da humanidade até a morte
dele. Esse intervalo de tempo foi pouco menor que três mil anos; mas quanto ao
tempo da morte de Moisés até o reinado de Artaxerxes, rei da Pérsia, que reinou
em Xerxes, os profetas , que vieram depois de Moisés, escreveram o que
foi feito nas respectivas épocas em treze livros . Os outros quatro
livros contêm hinos a Deus e preceitos para a conduta humana" (Josefo,
1.8, grifo do autor).
Esses correspondem
exatamente ao AT judaico e protestante, que exclui os apócrifos.
Os mestres judeus
reconheceram que sua linhagem profética terminou no séc.VI a.C. Mas, como até
os católicos [romanos] reconhecem, todos os livros apócrifos foram escritos
depois dessa época. Josefo escreveu: "De Artaxerxes até nossa época tudo
foi registrado, mas não foi considerado digno do mesmo reconhecimento do que o
que o precedeu, porque a sucessão exata dos profetas cessou" (Josefo).
Outras afirmações rabínicas sobre o término da profecia apóiam esse argumento
(v. Becwith, p. 370). O Seder olam rabbah 30 declara: "Até então [a
vinda de Alexandre, o Grande] os profetas profetizavam por meio do Espírito
Santo. Daí em diante: 'Incline seu ouvido e ouça as palavras dos sábios'".
Baba batra 12 b declara: "Desde a época em que o templo foi
destruído, a profecia foi tirada dos profetas e dada aos sábios". O rabino
Samuel bar Inia disse: "O segundo Templo não tinha cinco coisas que o
primeiro Templo possuía: a saber, o fogo, a arca, o Urim e o Tumim, o óleo da
unção e o Espírito Santo [da profecia]". Então, os mestres judeus
(rabinos) reconheceram que o período de tempo durante o qual os apócrifos foram
escritos não foi um período em que Deus estava transmitindo escrituras
inspiradas.
Jesus e os autores do Novo
Testamento nunca citaram os apócrifos como Escritura, apesar de estarem cientes
dessas obras e fazerem alusão a elas ocasionalmente (e.g., Hb 11.35 pode fazer
alusão a 2 Macabeus 7,12, ou pode fazer uma referência a 1 Rs 17.22). Mas centenas
de citações no NT mencionam o cânon do Antigo Testamento. A autoridade com que
foram citadas indica que os autores do NT as consideravam parte da "Lei e
dos Profetas"[i.e, o AT inteiro], que era considerada Palavra de Deus
inspirada e infalível (Mt 5.17,18; cf. Jo 10.35). Jesus citou partes de todas
as divisões da "Lei" e do "Profetas" do AT, que ele
denominava de "todas as Escrituras"(Lc 24.27).
Os eruditos judeus em Jâmia
(c. 90 d.C.) não aceitaram os apócrifos como parte do cânon judaico divinamente
inspirado (v. Beckwith, p. 276-7). Já que o NT afirma explicitamente que a
Israel foram confiadas as "palavras de Deus" e que a nação fora
destinatária das alianças e da Lei (Rm 3.2), os judeus foram considerados
guardiões dos limites do próprio cânon. Como tal, sempre rejeitavam os
apócrifos.
d) A rejeição dos concílios da igreja primitiva. Nenhuma lista canônica ou concílio da igreja cristã considerou
os apócrifos inspirados durante os quase quatro primeiros séculos. Isso é
importante, já que todas as listas disponíveis e a maioria dos mestres desse
período omitem os apócrifos. Os primeiros concílios a aceitar os apócrifos eram
apenas locais, sem força ecumênica. A alegação católica de que o Concílio de
Roma (392), apesar de não ser um concílio ecumênico, tinha força ecumênica
porque o papa Dâmaso (304-394) o ratificou é sem fundamento. É uma alegação
forçada, que supõe que Dâmaso era um papa com autoridade infalível. E até mesmo
os católicos reconhecem que esse concílio não era um grupo ecumênico. Nem todos
os teólogos católicos concordam que tais afirmações dos papas são infalíveis.
Não há listas infalíveis de afirmações infalíveis dos Papas. Nem há um critério
universalmente aprovado para desenvolver tais listas. No máximo, apelar ao papa
para tornar infalível a afirmação de um concílio local é uma faca de dois
gumes. Mesmo teólogos católicos admitem que alguns papas ensinaram erros e
foram até heréticos.
e) Rejeição por parte dos primeiros pais da igreja. Alguns dos primeiros pais da igreja declararam-se contrários aos
[livros] apócrifos. Entre esses figuravam Orígenes, Cirilo de Jerusalém,
Atanásio e o grande tradutor católico das Escrituras, Jerônimo.
f) Rejeição por Jerônimo. Jerônimo
(340-420), o grande teólogo bíblico do período medieval e tradutor da Vulgata
latina, rejeitou explicitamente os apócrifos como parte do cânon. Ele disse
que a igreja os lê "para exemplo e instrução de costumes", mas não
"os aplica para estabelecer nenhuma doutrina"(Prefácio do Livro de
Salomão da Vulgata , citado em Beckwith, p. 343). Na verdade, ele
criticou a aceitação injustificada desses livros por Agostinho. A princípio,
Jerônimo até recusou-se a traduzir os apócrifos para o latim, mas depois fez
uma tradução rápida de alguns livros. Depois de descrever os livros exatos do
AT judaico [e protestante], Jerônimo conclui:
"E então no total há 22
livros da Lei antiga [conforme as letras do alfabeto judaico], isto é, 5 de
Moisés, 8 dos Profetas e 9 hagiógrafos. Apesar de alguns incluírem [...] Rute e
Lamentações no hagiógrafo, e acharem que esses livros devem ser contados
(separadamente) e que há então 24 livros da antiga Lei, aos quais Apocalipse de
João representa por meio do número de 24 anciâos [...] Esse prólogo pode servir
perfeitamente como elmo (i.e., equipado com elmo, contra atacantes) de introdução
a todos os livros bíblicos que traduzimos do hebraico para o latim,
para que saibamos que os que não estão incluídos nesses devem ser incluídos
nos apócrifos " (ibid., grifo do autor)
No prefácio de Daniel, Jerônimo
rejeitou claramente as adições apócrifas a Daniel ( Bel e o Dragão e Susana )
e defendeu apenas a canonicidade dos livros encontrados na Bíblia hebraica,
escrevendo:
“As histórias de Susana e
de Bel e o Dragão não estão contidas no hebraico [...] Por isso, quando
traduzia Daniel muitos anos atrás, anotei essas visões com um símbolo crítico,
demonstrando que não estavam incluídas no hebraico [...] Afinal, Orígenes,
Eusébio e Apolinário e outros clérigos e mestres distintos da Grécia reconhecem
que, como eu disse, essas visões não se encontram no hebraico, e portanto
não são obrigados a refutar Porfírio quanto a essas porções que não exibem
autoridade de Escrituras Sagradas” (ibid., grifo do autor).
A sugestão de que Jerônimo
realmente favorecia os apócrifos, mas só estava argumentando o que os judeus os
rejeitavam, é infundada. Ele disse claramente na citação acima que: " não
exibem autoridade de Escrituras Sagradas ", e jamais retirou sua
rejeição dos apócrifos. Ele afirmou na obra Contra Rufino , 33, que
havia " seguido o julgamento das igrejas " nesse assunto. E
sua afirmação: " Não estava seguindo minhas convicções "
parece referir-se às " afirmações que eles [os inimigos do
Cristianismo] estão acostumados a fazer contra nós ". De qualquer
forma, ele não retirou em lugar algum suas afirmações contra os apócrifos.
Finalmente, o fato de que Jerônimo tenha citado os livros apócrifos não é prova
de que os aceitava. Ele afirmou que a igreja os lê "para exemplo e
instrução de costumes" mas não " os aplica para estabelecer
qualquer doutrina ".
g) A Rejeição dos teólogos. Até
teólogos católicos romanos notáveis durante o período da Reforma rejeitaram os
apócrifos, tal como o cardeal Cajetano, que se opôs a Lutero. Como já foi
citado, ele escreveu o livro "Comentário sobre todos os livros
históricos autênticos do Antigo Testamento" (1532), que excluía os
apócrifos. Luteranos e anglicanos usam-nos apenas para assuntos éticos e
devocionais, mas não os consideram oficiais em questões de fé. Igrejas
Reformadas seguiram A Confissão de Fé de Westminster (1647), que afirma:
“Os livros geralmente
chamados Apócrifos, não sendo de inspiração divina, não fazem parte do Cânon da
Escritura; não são, portanto, de autoridade na Igreja de Deus, nem de modo
algum podem ser aprovados ou empregados senão como escritos humanos” (Da
Sagrada Escritura, 1.III)
Em resumo, a igreja cristã
(incluindo anglicanos, luteranos e reformados) rejeitou os livros
deuterocanônicos como parte do cãnon. Eles fazem isto porque lhes falta o fator
determinante primário da canonicidade: os livros apócrifos não têm evidência de
que foram escritos por profetas credenciados por Deus. Outra evidência é
encontrada no fato de que os livros apócrifos jamais foram citados como
autoridade nas Escrituras do NT, nem foram parte do cânon judaico, e a igreja
primitiva nunca os aceitou como inspirados.
h) O erro de Trento. O
pronunciamento infalível de que os livros apócrifos são parte da Palavra
inspirada de Deus revela quão falível uma afirmação supostamente
infalível pode ser. Esse artigo demonstrou que a afirmação é historicamente
infundada. Foi um exagero polêmico e uma decisão arbitrária envolvendo uma
exclusão dogmática.
O pronunciamento [do
Concílio] de Trento sobre os apócrifos foi parte de uma ação polêmica contra
Lutero. Seus defensores consideravam que a aceitação dos apócrifos como
inspirados era necessária para justificar ensinamentos que Lutero havia
atacado, principalmente as orações pelos mortos. O texto de 2 Macabeus 12.46
diz: "... mandou fazer o sacrifício expiatório pelos falecidos, a fim de
que fossem absolvidos do seu pecado"(CNBB). Já que havia uma obrigação de
aceitar certos livros, as decisões foram um tanto arbitrárias. Trento aceitou 2
Macabeus, que apontava as orações pelos mortos e rejeitou 2 Esdras (4 Esdras
pela avaliação católica), que tinha uma afirmação que não apoiava a prática
(cf. 7.105).
A própria história dessa
seção de 2 (4) Esdras revela a arbitrariedade da decisão de Trento. Ele foi
escrito em aramaico por um judeu desconhecido (c. 100 d.C.) e circulou nas
antigas versões latinas (c. 200). A Vulgata o incluiu como apêndice do
NT (c.400). Desapareceu da Bíblia até que protestantes, começando por Johann
Haug (1726-1752), começaram a imprimi-lo nos apócrifos com base nos textos aramaicos,
já que não constava nos manuscritos em latim da época. Mas, em 1874 uma longa
seção em latim (70 versículos do capítulo 7) foi encontrada por Robert Bently
numa biblioteca em Amiens, França. Bruce Metzger comentou:
“É provável que a seção
perdida tenha sido deliberadamente arrancada por um ancestral da maioria dos
manuscritos latinos sobreviventes, por razões dogmáticas, pois a passagem
contém uma negação enfática do valor das orações pelos mortos”.
Alguns católicos argumentam
que essa exclusão não é arbitrária porque essa obra não fazia parte das listas
deuterocanônicas antigas, foi escrita depois da época de Jesus Cristo, foi
relegada a uma posição inferior na Vulgata e só foi incluída nos
apócrifos por protestantes no século XVII. Por outro lado, 2 (4) Esdras fez
parte de listas antigas de livros não considerados completamente canônicos.
Segundo o critério católico, a data da obra não diz respeito à possibilidade de
ter ela constado dos apócrifos judaicos, mas com o fato de ter sito usada por cristãos
primitivos; ela foi usada, juntamente com outros livros apócrifos. Não deveria
ter sido rejeitada porque tinha posição inferior na Vulgata . Jerônimo
relegou todas essas obras a uma posição inferior. Ela não reapareceu no latim
até o século XVIII porque aparentemente algum monge católico arrancou a seção
de orações pelos mortos.
Orações pelos mortos eram
preocupação constante dos clérigos de Trento, que convocaram seu concílio
apenas 29 anos depois de Lutero ter publicado suas teses contra a venda de
indulgências. As doutrinas de indulgências, purgatório e orações pelos mortos
permanecem ou caem juntas.
2. Argumentos doutrinários.
a) Canonicidade. As posições falsas e
verdadeiras que determinam a canonicidade podem ser comparadas da seguinte forma
( Introdução bíblica, p. 62).
Posição incorreta sobre o
cânon
|
Posição correta sobre o
cânon
|
A igreja determina o cânon
|
A igreja descobre o cânon
|
A igreja é a mãe do cânon
|
A igreja é filha do cânon
|
A igreja é magistrada do
cânon
|
A igreja é ministra do
cânon
|
A igreja regula o cânon
|
A igreja reconhece o cânon
|
A igreja é juíza do cânon
|
A igreja é testemunha do
cânon
|
A igreja é mestra do cânon
|
A igreja é serva do cânon
|
Fontes católicas podem ser citadas para apoiar a doutrina de canonicidade que se parece muito com a “posição correta”. O problema é que apologistas católicos geralmente se equivocam nesse assunto. Peter Kreeft, por exemplo, argumentou que a igreja deve ser infalível se a Bíblia é, já que o efeito não pode ser maior que a causa e a igreja causou o cânon. Mas se a igreja é regulada pelo cânon, em vez de governá-los, então a igreja não é a causa do cânon. Outros defensores do catolicismo cometem o mesmo erro, afirmando que faz a igreja definidora do cânon. Eles negligenciam o fato de que foi Deus (por inspiração) quem causou as Escrituras canônicas, não a igreja .
Essa má interpretação às
vezes é evidente no uso equivocado da palavra testemunha . Quando
falamos sobre a igreja como "testemunha" do cânon depois da época em
que foi escrito não queremos dizer no sentido de ser uma testemunha ocular
(i.e., relatando evidência de primeira mão). O papel adequado da igreja cristã
no descobrimento de quais livros pertencem ao cânon pode ser reduzido a vários
preceitos.
Somente o povo de Deus
contemporâneo à autoria dos livros bíblicos foi verdadeira testemunha da
evidência. Só eles foram testemunhas do cânon
durante seu desenvolvimento. Só eles poderiam atestar a evidência da
característica profética dos livros bíblicos, que é o fator determinante da
canonicidade.
A igreja posterior não é
testemunha da evidência do cânon . Ela não
cria nem constitui evidência para o cânon. É apenas descobridora e observadora
da evidência que resta para a confirmação original da qualidade profética dos livros
canônicos. A suposição da igreja de que a evidência subsiste em si mesma é o
erro por trás da posição católica.
Nem a igreja primitiva nem a
recente é juíza do cânon . A igreja não é o
árbitro final quanto aos critérios do que será admitido como evidência. Somente
Deus pode determinar os critérios para nosso descobrimento do que seja sua
Palavra. O que é de Deus terá suas "impressões digitais"; só Deus o
determina como são suas "impressões digitais".
Tanto a igreja primitiva
quanto a recente são mais juradas que juízas . Os
jurados ouvem as evidências, avaliam as evidências e apresentam um veredicto
de acordo com as evidências . A igreja contemporânea (século I) testemunhou
evidências de primeira mão da atividade profética (tais como milagres),
e a igreja posterior examinou as evidências da autenticidade desses
livros proféticos, que foram confirmados diretamente por Deus quando foram
escritos.
De certa forma, a igreja
“julga” o cânon. Ela é chamada, como todos os jurados são, a realizar a seleção
e a avaliação das evidências para chegar ao veredicto. Mas não é isso que a
igreja romana praticou no seu papel magisterial de determinação do cânon.
Afinal, é isso que se quer dizer com o “magistério” da igreja. A hierarquia
católica não é apenas ministerial; tem papel judicial, não apenas
administrativo. Não é apenas o júri observando a evidência, mas é o juiz
determinando o que se classifica como evidência.
Aí está o problema. Ao
exercer o papel magisterial, a Igreja Católica escolheu o curso errado para
apresentar sua decisão sobre os apócrifos. Inicialmente, decidiu seguir o
critério errado, uso cristão em vez de qualidade profética . Em
segundo lugar, uso evidência de segunda mão de escritores posteriores em
vez de apenas evidência de primeira mão para a canonicidade (confirmação
divina da atuação profética do autor). Em terceiro lugar, não usou confirmação
imediata dos contemporâneos, mas afirmações posteriores de pessoas
nascidas séculos depois dos eventos. Todos esses erros surgiram da
interpretação incorreta do papel da igreja como juíza em vez de jurada, como
magistrada em vez de ministra, soberana em vez de serva do cânon. Por outro
lado, a rejeição protestante dos apócrifos foi baseada na compreensão do papel
das primeiras testemunhas para as características proféticas e da igreja como
guardiã dessa evidência da autenticidade.
Conclusão
As disputas sobre os
apócrifos do AT têm um papel importante nas disputas católicas e protestantes
sobre ensinamentos como purgatório e oração pelos mortos. Não há evidências de
que os livros apócrifos sejam inspirados e, portanto, devam fazer parte do
cânon das Escrituras inspiradas. Eles não afirmam ser inspirados, e a
inspiração não lhes é atribuída pela comunidade judaica que os produziu. Não
são citados nenhuma vez como Escritura no NT. Muitos pais da igreja primitiva,
incluindo Jerônimo, os rejeitavam categoricamente. Acrescentá-los à Bíblia pelo
decreto “infalível” no Concílio de Trento evidencia um pronunciamento dogmático
e polêmico criado para sustentar doutrinas que não são apoiadas claramente em
nenhum dos livros canônicos.
À luz dessa evidência
poderosa contra os apócrifos, a decisão da ICR e Ortodoxa é infundada e
rejeitada pelos protestantes. É um erro sério admitir materiais não inspirados
para corromper a revelação escrita de Deus e minar a autoridade divina das
Escrituras (Ramm, p.65).
Norman Geisler
_________________________
Obras consultadas
1.H. Andrews, An
introduction to the apocryphal books of the Old and New Testaments.
2 Agostinho, A Cidade de
Deus.
3 R.Beckwithm, The Old
Testament canon of the New Testament church and its background in early judaism.
4 M.Burroughs, More light
on Dead Sea scrolls.
5 H.Denzinger, Documents
of Vatican II, cap.3 ____ The sources of catholic dogma.
6 N.L.Geisler, “The extent
of the Old Testament canon”, em G.E.Hawthorne, org., Current issues in
biblical and patristic interpretation.
__ e W.E.Nix, Introdução
bíblica, ed.rev .
7 Josefo, Antigüidades
dos judeus, 1.8 .
8 B.Metzger, An
introduction to the apocrypha.
9 B.Ramm, The pattern of
religious authority.
10 P.Schaff, The creeds
of christendom.
1 1 A.Souter, The text
and canon of the New Testament.
Fonte: Enciclopédia Apologética –
Copyright 2001. Todos os direitos reservados em língua portuguesa por EDITORA VIDA.
Publicado anteriormente com o título Baker Encyclopedia of Christian
Apologetics, em edição da Baker Book House Company (Grand Rapids,
Michingan, EUA).