(Gl 2:20) - Quando olhamos para nós mesmos o que
encontramos? O que seria de nós caso Cristo desistisse da cruz? Será que ao
menos estaríamos vivos aqui hoje lendo esta nota? É assombroso compreender o
que Deus foi capaz de fazer por este mundo perdido. O amor de Deus é um
mistério glorioso, mesmo para os seres que estão diante de Seu trono.
Não há palavra em nosso tão pobre dicionário que descreva na mais pura essência deste amor imensurável. Não há filosofia, teologia ou erudição que seja capaz de
usar as palavras mais adequadas para descrever o sublime feito redentivo. Não
há dialética que, com indizível grandeza, consiga desvendar os mistérios deste
amor desmedido. Tudo o que sabemos é que Deus é amor.
A cruz do calvário é a
demonstração materializada deste princípio que trouxe espanto e admiração ao
vasto universo. A cruz se tornou o centro da história, do universo de Deus, do
conflito desde o Céu e, especialmente, de nossas vidas. Sem a cruz de Cristo
jamais seríamos capazes de sobreviver à doença do pecado.
Justificação pela fé ou justiça de
Cristo, um dos temas mais discutidos em nossos dias no meio cristão, mas,
infelizmente, mal compreendido por muitos. No entanto, nada impede que entendamos nossa real condição diante de Deus para conseguir distinguir a
diferença colossal entre fé e obras. Guarde bem, nossas obras, mesmo que aparentemente perfeitas, não são suficientes para justificar-nos diante da justiça divina.
Jesus, mediante Sua graça, realiza uma grande obra em nossa vida, imprimindo em
nós o Seu caráter, porém, esta obra realizada não é feita para nos justificar, mas
para glorificar a Deus (S. Jo 15:8; Mt 5:16).
A
questão da “justificação”
(Gl
2:15) – Privilégio espiritual não significa viajar de primeira classe. Na
verdade, nem mesmo é garantia de estar no voo. Privilégio espiritual sugere que
você tem maiores condições de não perder a viagem do que outros. Ou seja, na
descrição bíblica, embora os gentios não fizessem parte da aliança, eles
poderiam ser redimidos por ela. Se os judeus conversos permanecessem se garantindo
na lei ou nas obras para serem redimidos, eles é que corriam o risco de não
serem alcançados pela graça, pois, conforme o pronunciamento de Paulo, ninguém
poderá ser justificado pelas “obras da lei”.
Ao apresentar o tema da
justificação, Paulo usa a palavra que vem da base dikaios e significa literalmente ser considerado justo, inocente ou
totalmente absolvido. No entanto, a ideia de sermos inocentados sem
merecimento, parece um tanto estranha para nós. Por este motivo é que há
aqueles que julgam ser necessário fazermos algo que pondere a questão e nos
apresente diante de Deus com algum mérito pelo que estamos recebendo. Na
verdade, mesmo que façamos o melhor para Deus e para o próximo, ainda assim
teremos uma dívida impagável diante de Deus. Não há absolutamente nada que
possamos fazer por nós mesmos. Parece ser difícil aceitar este fato. Isto se
assemelha ao caso de pessoas que, após terem feito algo de errado, para
amenizar a consciência, se esforçam em fazer algo bom que compense a sensação
do alívio e da consciência. O instinto psicológico nos diz que precisamos lutar
e pagar por algo se quisermos manter ou conquistar o reconhecimento e elogios
humanos. Isso é típico do sistema capitalista que impregna a cultura do orgulho
econômico travestido de honra e grandeza. A construção da autoestima e da boa
reputação parece estar atrelada a conquistas. Eu sou aquilo que compro e sou
aquilo que tenho, que se resume na dignidade da minha própria conquista
laboriosa. Em nossa cultura, embora seja prazeroso receber presentes, se eles
forem caros ou suntuosos, temos a tendência de ficarmos envergonhadosa e, algumas vezes, até com
sentimento de humilhação se não retribuirmos à mesma altura. Não é exatamente o
que acontece quando recebemos um considerável presente de alguém? Passamos o
ano inteiro pensando em como retribuir. Se assim não o fizermos, ficamos com vergonha até de passar perto da pessoa que nos presenteou. Desde criança somos
ensinados a sobreviver no sistema capitalista desta maneira. O mundo nos torna
peritos em realizar conquistas pelo esforço ou receber algo oferecendo algum
tipo de pagamento. É aqui que começa toda a confusão na mente humana, pois a
graça de Cristo faz um tremendo contraponto ao sentimento humano de querer
pagar pelo que recebe. Deus, através de Cristo, nos oferece de graça o que
nunca teríamos condições de pagar ou retribuir à altura. Os que insistem
atribuir valor salvífico através da lei e das obras, estão fazendo o mesmo que
o anti-cristo fez no período medieval, descrito por Daniel, estão retirando o
“tamid” (o sacrifício do cordeiro) do papel justificador.
Obras da lei
(Gl
2:16, 17; 3:2,5,10; Rm 3:20,28) - A lei é
“santa, justa e boa”, porém não para nos conceder o direito de sermos
redimidos. O grande problema não é fazer da lei uma norma para a vida e para o
caráter, isso é nosso dever, mas usá-la para desenvolver justiça própria. Todos
que fazem da lei seu senso de justiça se separam automaticamente de Cristo.
Lembremo-nos que, somente a justiça de Jesus é capaz de nos tornar justos
diante de Deus. Martinho Lutero, grande precursor da justificação pela fé,
jamais fez da graça uma espécie de carta de alforria garantindo o direito de
transgredir a lei de Deus. Ele afirmou categoricamente que “"Ambas as doutrinas, da lei e do evangelho, devem ser
mantidas na igreja." (A Justiça da Fé, págs.
29-37). Santo Agostinho também
expressou que “a lei foi dada para que a graça pudesse ser exigida, a graça é
concedida para que a lei seja cumprida”. Ellen White foi enfática ao afirmar
que “O Espírito e a Palavra estão de acordo.
A voz de Deus ao coração dos homens não contradiz as declarações feitas em
tremenda majestade no monte Sinai. Deus jamais Se contradiz. Ele reivindica
obediência. As leis pelas quais governa o mundo não são apenas santas, justas e
boas, mas também são imutáveis, e por elas o mundo brevemente será julgado. Os
homens podem colocar de lado o grande padrão moral divino de caráter, erguer um
padrão que caiba em sua própria conveniência e, por esse imperfeito padrão
reivindicar santidade; mas Deus inculcará Suas próprias leis sobre nações,
famílias e indivíduos” (Signs of the
Times, 21 de julho de 1887), e diz mais, “É obra do Espírito Santo enobrecer os gostos,
santificar o coração, enobrecer o homem todo” (Mensagens Escolhidas, v. 1, p. 374).
Compreendendo que a lei não é o
grande problema em questão, pois o próprio apóstolo declarou ser observador da
mesma (Rm 7:12, 14, 22; 3:31) podemos melhor entender a base da discussão de
Paulo com os cristãos da Galácia. A menção de obras da lei provavelmente se
refere às condições impostas pelos judaizantes da época em fazer delas
condições meritórias para a redenção. Em outras palavras, o apóstolo estava combatendo
toda e qualquer insinuação de salvação pelas obras ou pela guarda da lei. Ele
estava combatendo o legalismo. Sua intenção jamais foi anular a lei, mas protegê-la
em sua real função – mostrar as brechas da vida que precisam de reparo (Rm
3:21). A lei apresenta nossa real condição, nos reportando à graça, caso
desejemos salvação e libertação, mas ela não é capaz de realizar a obra da
graça. Quando o termo “salvação” está em jogo, o termo lei deve sair de cena. A
lei, como espelho, mostra a sujeira que está debaixo do tapete, e a graça é
quem dará um jeito na sujeira – através da justiça de Cristo.
A base da nossa justificação
(Rm 3:22,26; Gl 3:22; Ef 3:12; Fp 3:9) - A justificação não é
realização humana, mas 100% divina. Ninguém pode se apoderar da justificação
por sua bondade ou obras - somente pela fé. A base de nossa justificação é
Cristo, pois Ele sim comprou o direito de nos conceder liberdade do pecado e da
morte. Vida eterna para os humanos é uma prerrogativa totalmente divina através
de Jesus. Somos redimidos, aceitos, justificados e justificados através da
graça de Cristo somente. Embora a lei e a graça devam andar de mãos dadas, ambas
não compartilham da mesma função. A lei mostra que estamos perdidos e por isto,
evidencia que precisamos de um poder acima de nós para anular a perdição. A lei
não pode justificar, mas ela conduz à justificação (Cristo). A lei não pode
agraciar, mas ela nos conduz à graça. Ela não pode nos santificar, mas ela nos
conduz à santificação (Espírito Santo). Ela não pode nos libertar, mas nos
conduz à libertação. Isto acontece porque, ao nos mostrar o pecado, mostra
também o único Ser capaz de nos libertar das algemas do pecado. O papel da lei
é unicamente nos ajudar a perceber que somos indignos e que precisamos da misericórdia
e compaixão de quem é digno.
Jesus é o Ser digno que teve compaixão e misericórdia de nós e que
ofereceu a Sua vida para substituir a nossa na condenação eterna. Ele adquiriu
o direito de salvar quem Ele desejar. Por isto que é aqui que morre todo o
nosso orgulho, arrogância, prepotência, sentimento de grandeza e, em especial,
sentimento de mérito. É aqui também que deve morrer a sensação de superioridade
aos outros pelo fato de não praticar os mesmos pecados que eles cometem.
Independente de eu ser íntegro e correto na vida, todos estamos no mesmo saco,
degrau ou nível. Todos os que forem salvos serão porque Cristo ofereceu de
graça a sua graça. É a vida justa e o caráter perfeito de Jesus que o Céu
aceita em nosso lugar para nos considerar justos. Observe: “Alei
requer justiça – vida justa, caráter perfeito; e isso não tem o homem para dar.
Não pode satisfazer as reivindicações da santa lei divina. Mas Cristo, vindo à Terra
como homem, viveu vida santa, e desenvolveu caráter perfeito. Estes oferece Ele
como dom gratuito a todos quantos O queiram receber. Sua vida substitui a dos
homens. Assim obtêm remissão de pecados passados, mediante a paciência de Deus.
Mais que isso, Cristo lhes comunica os atributos divinos. Forma o caráter
humano segundo a semelhança do caráter de Deus, uma esplêndida estrutura de
força e beleza espirituais. Assim, a própria justiça da lei se cumpre no crente
em Cristo. Deus pode ser “justo e justificador daquele que tem fé em Jesus.” (O
Desejado de Todas as Nações, p. 762).
A
obediência da fé
(Gn
15:5,6; Jo 3:14-16; 2Co 5:14,15; Gl 5:6) - Fé envolve entrega e compromisso.
Quando alguém afirma ter fé em Cristo, mas vive de maneira contrária à Sua
vontade, isso não pode ser considerado fé. Eu posso acreditar que Jesus é real e ao mesmo tempo ignorar
Seus ensinamentos e verdades. A verdadeira fé apresentada pela Escritura tem a
ver com aceitação, entrega e compromisso. A fé é uma resposta humana ao chamado
de Deus. Abraão teve fé e atendeu ao chamado divino saindo da casa de sua
parentela. Davi teve fé ao atender a advertência do profeta. Noé teve fé ao
construir a arca conforme o mandado de Deus. Ana teve fé ao cumprir o pacto
feito com Deus. Ester teve fé ao arriscar sua própria vida pelo povo de Deus.
José teve fé ao suportar a prova diante da mulher de Potifar mantendo-se fiel a
Deus. Moisés teve fé ao aceitar o chamado e mandado do Senhor. Josafá e seus
soldados tiveram fé ao cumprir as ordens do Senhor mesmo em circunstâncias
estranhas. Enfim, toda vez que aparece um fiel e obediente servo do Senhor em
toda a Bíblia, eles sempre surgem com fé munida de ação. Fé que não leva o
pecador a viver uma vida de renúncia progressiva não é a fé anunciada pela
Escritura. Como bem expressou Paulo, “antes confirmamos a lei” (Rm 3:31). Significa
que o cumprimento dos deveres cristãos diante de Deus e dos homens é uma
resposta crescente da verdadeira fé inserida no coração. Fé sem obediência é
morta (Tg 2:17). A fé genuína não isenta o pecador de suas imperfeições, mas
concede vigor para continuar lutando contra elas através da guerra contra o
próprio eu. É uma batalha que durará toda a jornada de peregrinação, mas que
dará vigor para suportar as dificuldades do trajeto.
A
fé promove o pecado?
(Gl
2:17-21) - Viver
pela fé significa carregar a cruz de Cristo. A verdadeira fé não promove a
trivialidade e nem o descompromisso. Os que professam a fé em Cristo, mas arrumam
desculpas para evitar a renúncia do eu, estão afastando de si o poder do
Espírito Santo. Embora a salvação seja unicamente pela graça, a mesma graça não
concede licença para viver a velha vida. O ódio, a ira, a vingança, o egoísmo,
o ato de falar da vida alheia, a arrogância e o desinteresse pelo bem do amigo
ou do inimigo precisam ser, progressivamente, deletados de nossa vida. O pecado
é um acidente de percurso e não um estilo de vida, como pretendem alguns
professos cristãos. A graça de Cristo, gradativamente, cobre nossa vida e nos
transforma à semelhança de Cristo – no amor e na abnegação. Aqueles que não
desejam possuir o caráter de Jesus e seguir Seus conselhos estão rejeitando a
ação da Sua graça. A justificação é uma resposta de nossa escolha em amar a
Deus acima de todas as coisas. A graça nada poderá fazer por um pecador que
deseja conscientemente permanecer no pecado. Isto chamamos de rebelião e pecar
contra o Espírito.
Infelizmente, em
nossos dias, há uma apologia ao pecado por parte de quem deveria batalhar
contra ele. O pecado angariou um número considerável de advogados dentro da
própria esfera cristã. Muitos cristãos sinceros que amam obedecer a Deus têm
sido acusados de legalistas e moralistas. Por incrível que pareça, por parte de
alguns, parece que pecado é deixar o pecado, e o errado é deixar o erro. Há os
que batem as mãos no peito para dizer que pertencem a Cristo, e ao mesmo tempo
são capazes de se deitar com alguém que não é o seu cônjuge. Outros se dizem pertencer
a Cristo, mas vivem em inimizade com alguns irmãos. Outros pregam na igreja
sobre o amor e, nas rodas escarnecedoras, vivem apontando os erros ou
desmerecendo o caráter alheio. Outros maltratam os filhos e a esposa. Outras se
dizem servas de Cristo, mas às escondidas, fazem coisas que machucam o coração
de Deus. Enfim, que espécie de graça é essa não é capaz de inserir no coração
paixão pelo que é reto, puro, honesto, nobre, honroso, íntegro e glorioso? Que
tipo de graça é essa que nos faz perseguir ou odiar, repudiar ou desrespeitar,
ferir ou magoar, roubar ou defraudar, difamar ou torturar, desprezar ou
abandonar? A graça não anula a necessidade de obediência e não invalida a
função da lei. A verdadeira graça, segundo a Bíblia, nos conduz a cumprir os
deveres da vida cristã (Santificação, p.
81, 87). Este tipo de apologia da graça barata e vazia que desfavorece o
papel das obras é satânica e não conduz à verdade.
Gilberto Theiss - Graduado em Teologia, Mestrando em Interpretação Bíblica, Pós-Graduado em Filosofia, Ciências da Religião e Pós-Graduando em História e Antropologia. Atualmente é pastor no Estado do Ceará.