A revista Veja de 13/7
publicou entrevista interessante com o filósofo Luiz Felipe Pondé, de 52 anos.
Responsável por uma coluna semanal na Folha de S. Paulo e autor de livros,
Pondé costuma criticar certezas e lugares-comuns bem estabelecidos entre seus
pares. Professor da Faap e da PUC, em São Paulo, o filósofo também é estudioso
de teologia e considera o ateísmo filosoficamente raso, mas não é seguidor de
nenhuma religião em particular.
Pondé diz que “a esquerda é menos completa como
ferramenta cultural para produzir uma visão de si mesma. A espiritualidade de
esquerda é rasa. Aloca toda a responsabilidade do mal fora de você: o mal está
na classe social, no capital, no estado, na elite. Isso infantiliza o ser
humano. Ninguém sai de um jantar inteligente para se olhar no espelho e ver um
demônio. Não: todos se veem como heróis que estão salvando o mundo por andar de
bicicleta”. Sobre sexo, ele diz: “Eu considero a revolução sexual um dos
maiores engodos da história recente. Criou uma dimensão de indústria, no
sentido da quantidade, das relações sexuais – mas na maioria elas são muito
ruins, porque as pessoas são complicadas.”
Por que a política não
pode ser redentora?
O cristianismo, que é
uma religião hegemônica no Ocidente, fala do pecador, de sua busca e de seu
conflito interior. É uma espiritualidade riquíssima, pouco conhecida por causa
do estrago feito pelo secularismo extremado. Ao lado de sua vocação repressora
institucional, o cristianismo reconhece que o homem é fraco, é frágil. As
redenções políticas não têm isso. Esse é um aspecto do pensamento de esquerda
que eu acho brega. Essa visão do homem sem responsabilidade moral. O mal está
sempre na classe social, na relação econômica, na opressão do poder. Na visão
medieval, é a graça de Deus que redime o mundo. É um conceito complexo e
fugidio. Não se sabe se alguém é capaz de ganhar a graça por seus próprios
méritos, ou se é Deus na sua perfeição que concede a graça. Em qualquer hipótese,
a graça não depende de um movimento positivo de um grupo. Na redenção política,
é sempre o coletivo, o grupo, que assume o papel de redentor. O grupo, como a
história do século 20 nos mostrou, é sempre opressivo.
Em que o cristianismo é
superior ao pensamento de esquerda?
Pegue a ideia de
santidade. Ninguém, em nenhuma teologia da tradição cristã – nem da judaica ou
islâmica –, pode dizer-se santo. Nunca. Isso na verdade vem desde Aristóteles:
ninguém pode enunciar a própria virtude. A virtude de um homem é anunciada pelos
outros homens. Na tradição católica – o protestantismo não tem santos –, o
santo é sempre alguém que, o tempo todo, reconhece o mal em si mesmo. O clero
da esquerda, ao contrário, é movido por um sentimento de pureza. Considera
sempre o outro como o porco capitalista, o burguês. Ele próprio não. Ele está
salvo, porque reclica lixo, porque vota no PT, ou em algum partido que se acha
mais puro ainda, como o PSOL, até porque o PT já está meio melado. Não há
contradição interior na moral esquerdista. As pessoas se autointitulam santas e
ficam indignadas com o mal do outro.
Quando o cristianismo
cruza o pensamento de esquerda, como no caso da Teologia da Libertação, a
humildade se perde?
Sim. Eu vejo isso
empiricamente em colegas da Teologia da Libertação. Eles se acham puros.
Tecnicamente, a Teologia da Libertação é, por um lado, uma fiel herdeira da
tradição cristã. Ela vem da crítica social que está nos profetas de Israel, no
Antigo Testamento. Esses profetas falam mal do rei, mas em idealizar o povo. O
cristianismo é descendente principalmente desse viés do judaísmo.
Também o cristianismo
nasceu questionando a estrutura social. Até aqui, isso não me parece um erro
teológico. Só que a Teologia da Libertação toma como ferramenta o marxismo, e
isso sim é um erro. Um cristão que recorre a Marx, ou a Nietzsche – a quem
admiro –, é como uma criança que entra na jaula do leão e faz bilu-bilu na cara
dele. É natural que a Teologia da Libertação, no Brasil, tenha evoluído para
Leonardo Boff, que já não tem nada de cristão. Boff evoluiu para um certo
paganismo Nova Era – e já nem é marxista tampouco. A Teologia da Libertação é
ruim de marketing. É como já se disse: enquanto a Teologia da Libertação fez a
opção pelo pobre, o pobre fez a opção pelo pentecostalismo.
O senhor acredita em
Deus?
Sim. Mas já fui ateu
por muito tempo. Quando digo que acredito em Deus, é porque acho essa uma das
hipóteses mais elegantes em relação, por exemplo, à origem do universo. Não é
que eu rejeite o acaso ou a violência implícitos no darwinismo – pelo
contrário. Mas considero que o conceito de Deus na tradição ocidental é, em
termos filosóficos, muito sofisticado. Lembro-me sempre de algo que o escritor
inglês Chesterton dizia: não há problema em não acreditar em Deus; o problema é
que quem deixa de acreditar em Deus começa a acreditar em qualquer outra
bobagem, seja na história, na ciência ou sem si mesmo, que é a coisa mais brega
de todas. Só alguém muito alienado pode acreditar em si mesmo. Minha posição
teológica não é óbvia e confunde muito as pessoas. Opero no debate público
assumindo os riscos do niilista. Quase nunca lanço a hipótese de Deus no debate
moral, filosófico ou político. Do ponto de vista político, a importância que
vejo na religião é outra. Para mim, ela é uma fonte de hábitos morais, e
historicamente oferece resistência à tendência do Estado moderno de querer
fazer a cura das almas, como se dizia na Idade Média – querer se meter na vida
moral das pessoas.
Por que o senhor deixou
de ser ateu?
Comecei a achar o
ateísmo aborrecido, do ponto de vista filosófico. A hipótese de Deus bíblico,
na qual estamos ligados a um enredo e um drama morais muito maiores do que o
átomo, me atraiu. Sou basicamente pessimista, cético, descrente, quase na
fronteira da melancolia. Mas tenho sorte sem merecê-la. Percebo uma certa
beleza, uma certa misericórdia no mundo, que não consigo deduzir a partir dos
seres humanos, tampouco de mim mesmo. Tenho a clara sensação de que às vezes
acontecem milagres. Só encontro isso na tradição teológica.
Fonte: Clube cético
Nota Gilberto Theiss: Não
é necessário muito esforço cognitivo para perceber que informação inteligente
deve ser produto de um criador inteligente. O Caos e a ausência de
inteligência, na melhor das hipóteses, só podem produzir mais caos e
informações desarmoniosas (Se é que pode produzir algum tipo de informação). A
ausência de Deus da autoria da criação não favorece em nenhuma vírgula a teoria
do acaso, apenas a torna mais escandalosamente sem sentido. Por este motivo é
que vemos com frequência grandes mentes intelectivas se divorciarem do ateísmo filosófico.
É necessário muita coragem e profunda negação do “EU” para admitir o que é incontestável.
Negar o que é óbvio ao observar atentamente para a complexidade precisa e fina
de todas as coisas existentes é o mesmo que se olhar milimetricamente no
espelho para afirmar: “eu não passo de um produto confuso, sem sentido, sem
propósito, pandemônio, obscuro, confuso, perturbado, desordenado, calamitoso,
desventurado, desvalido, negregado e infortunado”. Que tal, é assim que você se
vê?