Os adventistas do sétimo dia creem que uma assembleia da
Associação Geral tem autoridade sobre as principais demandas administrativas,
doutrinárias e missionárias da igreja. Esse entendimento está diretamente
relacionado à expressão “voz de Deus”, termo usado por Ellen White para se
referir à função que as periódicas reuniões mundiais da igreja desempenham.
Umas das declarações mais enfáticas dela a esse respeito é a
seguinte: “Quando numa Assembleia Geral é exercido o juízo dos irmãos reunidos
de todas as partes do campo, independência e juízo particulares não devem
obstinadamente ser mantidos, mas renunciados. […] Deus ordenou que os
representantes de sua igreja de todas as partes da Terra, quando reunidos numa
Assembleia Geral, devam ter autoridade” (Testemunhos Seletos,
vol. 3, p. 408, itálico acrescentado).
A declaração acima é bem clara sobre o posicionamento de Ellen
White a respeito da eclesiologia adventista. Segundo ela, o próprio Deus
conferiu à assembleia da Associação Geral autoridade sobre os assuntos da
igreja mundial e que esses jamais devem ser substituídos por posicionamentos
particulares.
No entanto, essa declaração absoluta de Ellen White parece estar
em contradição com outros posicionamentos dela. Por exemplo, em 1901, ao se
referir à negligência da administração geral da igreja em relação ao trabalho
no sul dos Estados Unidos, ela escreveu:
“O povo perdeu a confiança naqueles que administram a obra.
Contudo, ouvimos
que a voz da Associação [Geral] é a voz de Deus. Cada vez
que ouço isso, penso que é quase uma blasfêmia. A voz da Associação [Geral] deve
ser a voz de Deus; mas não é, porque alguns ligados a ela não são homens de fé
e oração, não possuem princípios elevados. Não buscam a Deus de
todo o coração” (Manuscrito 37, 1901, p. 8, [abril de 1901, palestra da Ellen
White na capela da editora Review and Herald acerca do trabalho no sul dos
Estados Unidos], itálico acrescentado).
A forte crítica acima foi dirigida a alguns líderes da
Associação Geral que, segundo ela, não buscavam “a Deus de todo o coração” e
centralizavam em si mesmos o poder de decisões, especialmente no que diz
respeito ao envio de recursos para regiões a serem alcançadas. Em relação à
obra que Edson White desenvolveu no sul dos Estados Unidos, Roos Winkle afirma
que, embora a Associação Geral a reconhecesse como responsável pela
evangelização dos afro-americanos, “foi em grande parte uma obra
autossustentável, teve a aprovação dos líderes da igreja, mas com o apoio
financeiro direto mínimo” (The Ellen G. White Encyclopedia,
p. 1.181).
Essa negligência de parte do staff da
Associação Geral levou Ellen White a criticar fortemente a administração da
época e não permitir que houvesse confusão a respeito do que, de fato, deve ser
considerado como a “voz de Deus”. Para ela, as decisões daqueles líderes
autoritários e sem visão missionária não podiam representar a vontade de Deus (The
Ellen G. White Encyclopedia, p. 1255).
Em nenhum momento, nessa passagem e em outras em que crítica
semelhante é feita por ela, estão em pauta as decisões de uma assembleia geral,
mas, sim, os posicionamentos arbitrários de líderes isolados. A maior parte das
críticas contundentes de Ellen G. White à Associação Geral nas quais ela nega
que esta seja a “voz de Deus” está relacionada ao modelo administrativo que
perdurou na denominação até a reforma de 1901/1903. Seus posicionamentos agudos
tinham como propósito encorajar importantes mudanças estruturais na igreja.
De acordo com Winkle, “essas avaliações negativas a respeito da
Associação Geral […] não foram substancialmente retificadas até as assembleias
gerais de 1901 e 1903. A centralização da autoridade e poder real, combinada
com a má gestão financeira e a ausência da voz de Deus refletida em verdadeira
espiritualidade na vida de alguns em posições elevadas, foram algumas das
razões que ela deu para essas declarações afiadas” (The Ellen G. White Encyclopedia,
p. 1255).
Entretanto, Winkle afirma que, no mesmo período em que Ellen
White criticou de forma mais intensa a Associação Geral, ela se manteve submissa
à administração da igreja. “No que diz respeito a sua mudança para a Austrália
em 1891, ela escreveu que não tinha recebido nenhuma ‘clara luz’ se devia ir
[…], mas seguiu a ‘voz da Associação [Geral]’ (19MR 228). Em 1896, ela escreveu
para seu filho Edson: ‘Não tive nenhum raio de luz de que ele [o Senhor] tenha
me enviado a este país [Austrália]. Eu vim em submissão à voz da Associação
Geral, à qual eu sempre tenho me mantido sob a autoridade’” [1MR 156]. Winkle
acrescenta que, após a reforma administrativa de 1901/1903, Ellen White chegou
a repreender seu filho Edson por usar seus testemunhos mais agudos, anteriores
a 1901, contra a Associação Geral (The Ellen G. White Encyclopedia,
p. 1255).
A postura crítica da mensageira de Deus era claramente dirigida
contra certas atitudes de alguns líderes que, segundo sua visão, estavam em
desarmonia com os princípios da Bíblia e atravancavam o crescimento da igreja.
Seu desejo, no fim do século 19 e início do século 20, era de que ocorresse
urgentemente uma reforma administrativa, para que o cumprimento da missão se
tornasse possível.
Porém, embora sempre reafirmando sua visão contrária a
posicionamentos estritamente particulares, ela em nenhum momento negou a
autoridade das decisões tomadas em uma assembleia geral. Para deixar isso
claro, afirmou:
“Por vezes, quando um pequeno grupo de homens, aos quais se acha
confiada a direção geral da obra, tem procurado, em nome da Associação Geral,
exercer planos imprudentes e restringir a obra de Deus, tenho
dito que eu não poderia por mais tempo considerar a voz da Associação Geral,
representada por esses poucos homens, como a voz de Deus. Mas isto não equivale
a dizer que as decisões de uma Associação Geral composta de uma Assembleia de
homens representativos e devidamente designados, de todas as partes do campo,
não deva ser respeitada. Deus ordenou que os
representantes de sua igreja de todas as partes da Terra, quando reunidos numa
Associação Geral, devam ter autoridade” (Testemunhos Seletos,
v.3, p. 408, itálico acrescentado).
Ellen White entendia que a manifestação da vontade de Deus não
pode ser possível enquanto opiniões pessoais e apaixonadas têm supremacia na
igreja. Suas declarações críticas iam contra posturas particularistas e
autoritárias. Ela entendia que o crescimento impunha compartilhamento de
responsabilidades e de poder de decisão. Para ela, a igreja é um organismo
mundial e não está restrita a uma área do planeta. Em relação aos rumos da
igreja, definidos em uma assembleia da Associação Geral, podemos dizer como
Davi: “Por toda a terra se faz ouvir a [voz de Deus]” (Sl 19:4).
Vinícius Mendes é pastor, mestre em Literatura e editor de livros
na CPB