UMA NOVIDADE INTERESSANTE NA DEFESA DO DOMINGO
Temos analisado em várias oportunidades alguns argumentos de indivíduos que buscam justificar sua negligência ou desprezo pelo mandamento do sábado e após enumerar os vários tópicos de objeções à vigência do 4o. mandamento para o nosso tempo (aqueles velhos e surrados argumentos da “lei abolida”, “nova lei de amor a Deus e ao próximo”, “qualquer dia serve”, “sábado cerimonial”, etc.) notamos ao final um detalhe interessante. Como dizíamos num desses estudos, sob o título “O Argumento Que Faltou”:
* Curiosamente, a posição oficial das diferentes igrejas e seus grandes próceres e instrutores, de que o domingo foi adotado pela Igreja Cristã desde o mais remoto período de sua existência em substituição ao sábado do sétimo dia, é desprezada e passada por alto pelos seus modernos integrantes. Preferem apegar-se a argumentos que destroem o princípio de um dia de descanso divinamente determinado, mas não parecem capazes de oferecer nada melhor no lugar. São bons na destruição de um conceito, mas nada eficientes na construção de uma teologia que justifique tal atitude revisionista quanto ao ensino oficial e tradicional de suas próprias denominações a respeito da questão do dia de repouso. Só há uma explicação para isso—o reconhecimento de falta de embasamento bíblico para a instituição dominical.
Contudo, não é que finalmente aparece um advogado do domingo apresentando uma nova e revolucionária tese nesse sentido? O nome do “novidadeiro” é Harold Camping. Sua teologia particular de defesa do domingo é realmente bem engenhosa, mas só que jamais qualquer erudito cristão, mesmo dentre os mais entusiastas defensores do domingo como substituto do sábado bíblico, expressou-se segundo as linhas de seu raciocínio. Vejamos que teoria é essa, que por enquanto ainda não chegou ao Brasil, quanto saibamos, analisada pelo nosso erudito especialista em questões sábado/domingo, Dr. Samuele Bacchiocchi:
HAROLD CAMPING—DOMINGO: O DIA DE REPOUSO?
Dr. Samuele Bacchiocchi
Em anos recente várias tentativas enganosas têm sido feitas para legitimizar o domingo como o dia de descanso bíblico. Por exemplo, em sua Carta Pastoral ‘Dies Domini’-O Dia do Senhor, o Papa João Paulo II promove a observância do domingo como um imperativo moral enraizado no Quarto Mandamento. Uma análise detalhada desse importante documento se encontra no capítulo 1 de The Sabbath Under Crossfire, intitulado “Papa João Paulo II e o Sábado”. [Obs.: Também temos um artigo que disponibilizamos a qualquer interessado onde há uma síntese desse capítulo referido].
Calendários europeus perpetuam o engano do domingo/sábado ordenando os dias da semana horizontalmente com a segunda-feira como o primeiro dia e o domingo como o sétimo dia. Tais calendários estão agora começando a aparecer nos EUA também. A intenção enganosa é fazer as pessoas crerem que o domingo é o sétimo dia bíblico que os cristãos devem observar.
A mais curiosa e irracional tentativa de defender o domingo como o sábado neotestamentário é, provavelmente, a de Harold Camping, Presidente e Fundador da emissora Radio Family—um ministério internacional de rádio e TV com estações poderosas em várias partes do mundo. Seu livreto Sunday: The Sabbath? e suas palestras por rádio e TV influenciam incontáveis cristãos em muitas partes do mundo.
Por muitos anos Camping tem ensinado que a ressurreição de Cristo no domingo assinala o fim da observância judaica do sábado e o início do domingo como um novo sábado cristão. O que é inusitado a respeito da teoria de Camping é a forma como ele defende sua posição, torcendo os relatos da ressurreição de Cristo como se acham em Mateus 28:1, Marcos 16:1, 2 e João 20:1. Quanto eu saiba, nenhum erudito observador do domingo apóia sua interpretação arbitrária dessas passagens. Contudo, seus pontos de vista são amplamente aceitos por um crescente número de cristãos.
Uma razão para a popularidade de Camping é o seu apelo à inerrância da Bíblia. Ele escreve: “Em seus autógrafos originais, ou manuscritos, a Bíblia é a infalível Palavra de Deus. É completamente inerrante. Não contém erros de qualquer forma que seja. Isso se dá porque os manuscritos originais foram ditados por Deus” (p. 1).
A inerrância para Camping significa que Deus controla tais detalhes como o uso singular ou plural da palavra “sábado”.
“Se Deus o tivesse desejado no plural [ou seja, a palavra sábado], Ele teria escrito no plural. Como vimos anteriormente, Deus insiste neste princípio em Gálatas 3:16 onde Deus fala de um verso na Bíblia onde a palavra ‘semente’ aparece no singular. Ele acentua que se trata do termo no singular, ‘semente’, não no plural ‘sementes’” (p. 3).
A inerrância para Camping significa que Deus ditou se uma palavra devia ser plural ou singular. Se isso fosse verdade então a linguagem da Bíblia seria a do Espírito Santo que ditou cada palavra a seus escritores. Tal noção é desmentida pela diferença em estilo, vocabulário e construção de sentença entre os vários livros da Bíblia. A gramática da Bíblia é humana, não divina. Isso é exemplificado pelo próprio exemplo de Gálatas 3:16 empregado por Camping.
Em Gálatas 3:16 Paulo argumenta que as promessas de Deus à semente de Abraão referem-se a Cristo, porque a palavra “semente” é singular, não plural. O fato é que no grego a palavra para semente-sperma, é um termo coletivo empregado com sentido tanto singular quanto plural. O próprio Paulo emprega a mesma palavra sperma poucos versos depois numa forma plural quando fala dos crentes como sendo “semente de Abraão e herdeiros conforme a promessa” (Gál. 3:29). O fraco argumento paulino dificilmente dá apoio à alegação de Camping de que “Deus fala de um verso na Bíblia onde o termo singular ‘semente’ aparece no singular” (p. 3).
Deus não pode ser responsabilizado pelo falho argumento gramatical paulino. Este ponto será esclarecido brevemente em nosso estudo dos argumentos da inerrância. Veremos que pessoas como Camping argumentam em prol da inerrância para justificar suas crenças doutrinárias. Por fim, a preocupação deles é justificar a validade de seus ensinos, antes que provar que a Bíblia é absolutamente livre de erros.
Durante os últimos 10 anos tenho recebido não menos do que 50 exemplares do livreto de Camping, Sunday: The Sabbath? [Domingo: O Sábado?], bem como centenas de mensagens de pessoas confusas por seus ensinos. No sábado passado, 16 de agosto de 2003, um irmão adventista levantou-se com um exemplar do livreto de Camping num encontro no Brooklyn, NY. Ele me perguntou se eu havia dado resposta a seus argumentos. Eu lhe garanti que faria isto neste boletim. A razão porque tenho ignorado Camping durante os últimos 10 anos, é simplesmente porque sua interpretação dos textos bíblicos é tão irracional que nem merece uma análise erudita.
Os Ensinos de Harold Camping
Em termos simples, Camping tenta provar, basicamente firmado em Mateus 28:1 e textos relacionados (Marcos 16:1, 2; João 20:1), que a ressurreição de Cristo no domingo assinala o término do sábado do Velho Testamento e a inauguração do domingo como novo sábado cristão. Ele chega a essa conclusão torcendo o sentido desses textos.
Mateus 28:1 assim reza: “E, no fim do sábado, quando já despontava o primeiro dia da semana, Maria Madalena e a outra Maria foram ver o sepulcro” Camping sustenta que essa tradução da Bíblia, bem como as demais versões modernas, estão equivocadas. Por quê? Porque supostamente dão sentido errado ao significado literal de “sábados”, que ocorre duas vezes no texto grego. Em sua opinião o texto devia ser traduzido como segue: “‘No final dos sábados [plural], ao despontar o primeiro dos sábados [não ‘semanas’]” (pp. 4-5).
Com base nessa tradução, Camping conclui que “a frase ‘no fim do sábado’ podia ser expandida para dizer, ‘Agora que a era dos sábados veterotestamentários chegou a um fim. . .’” (p. 8). Semelhantemente, ele interpreta a frase “quando já despontava o primeiro dia da semana” como devendo significar: “Deus tem uma nova era de sábados. É o domingo pela manhã; é o despontar de uma nova era de sábados. . . . Não é somente um sábado que está se iniciando. Deus está ensinando que há uma série toda de sábados a vir. Deus está dizendo, por Sua própria definição, que esses novos sábados são cada e todo domingo” (p. 9).
Segundo Camping, os cristãos têm falhado em perceber sua interpretação do texto, porque os tradutores cometeram dois erros ao traduzir a passagem. Primeiro, traduziram a primeira palavra “sábados”, que é tanto plural quanto singular: “No fim do sábado”. Segundo Camping a frase devia ser “no fim dos sábados [plural]”, isto é, ao final dos sábados do Velho Testamento.
O segundo erro é que traduziram a segunda ocorrência de “sábados” [plural] como singular “semana”. Segundo Camping a frase devia dizer: “ao despontar do primeiro dos sábados—não ‘semana’“ (pp. 4, 5). Ele interpreta isto como querendo dizer a inauguração do domingo como o novo sábado cristão. Vejamos agora quem está errado, Camping ou os tradutores?
CINCO PRINCIPAIS DEFEITOS NOS ARGUMENTOS DE CAMPING
Há cinco principais falhas nos argumentos de Camping que destroem a validade de suas conclusões. Examinemo-las brevemente.
Primeiro, Camping interpreta duas declarações temporais concernentes ao tempo da ressurreição de Cristo, ou seja, “no fim do sábado” e “quando já despontava o primeiro dia da semana” como pronunciamentos teológicos sobre o término do sábado do VT e a inauguração do domingo como o novo sábado cristão.
Tal interpretação arbitrária reflete a falta de senso comum básico. Nenhum estudante sensato da Bíblia consideraria a hipótese de transformar uma declaração temporal concernente à Ressurreição de Cristo, num pronunciamento teológico a respeito do término da observância do sábado e inauguração da observância do domingo. É evidente que falta a Camping a capacidade de raciocinar logicamente. Ele precisa aprender a respeitar a natureza da passagem. Transformar uma declaração temporal num pronunciamento teológico significa violar o sentido intencionado da passagem.
Em segundo lugar, Camping ignora que no grego o plural “sábados—ta sabbata”, é amiúde empregado com um sentido singular. Seu problema não é a sua ignorância. Todos somos ignorantes em muitas áreas. Antes, é sua indisposição em superar sua ignorância por ler alguns léxicos e dicionários padrão que definem o emprego do termo “sábado”. Por exemplo, se Camping tivesse tomado tempo para ler o estudo erudito de 35 páginas do uso de “Sabbaton-Sábado”, como se acha no volume 7 do The Theological Dictionary of the New Testament, (que é o mais respeitado estudo de palavras no NT), ele teria aprendido que “o plural ‘ta sabbata’ [sábados] pode ter três sentidos: 1. vários sábados . . . , 2. um sábado (a despeito do plural) . . . 3. a semana completa, no uso do hebraico” (p. 7). Cada um desses significados é amplamente documentado no artigo. Para efeito de brevidade eu não vou sobrecarregar o leitor com a documentação.
Tivesse Camping tomado tempo para aprender o simples fato de que a forma plural de “sábados” é freqüentemente empregada no grego com o sentido singular de um único sábado, ele não teria cometido o equívoco de interpretar o plural “sábados” como um pronunciamento teológico quanto ao término do sábado do VT e inauguração dos sábados no NT. Teria reconhecido que o texto fala somente a respeito do tempo da Ressurreição, ou seja, ao fim do sábado e despontar do primeiro dia da semana—e não a respeito da mudança do sábado pelo domingo. O problema não está com traduções defeituosas, mas com a ignorância de Camping de como o termo “sábados” era na época empregado.
Em terceiro lugar, Camping ignora um fato básico de que no grego, como no hebraico, o termo plural “sábados-ta sabbata” era comumente empregado para designar a semana como um todo. A razão é que os dias da semana eram numerados com referência ao sábado. Quando os romanos adotaram dos judeus os sete dias da semana pouco antes da era cristã, eles deram a cada dia um nome de um deus planetário. Foi assim que tivemos nossa semana planetária [N.T.: em inglês e outros idiomas]. Mas os judeus e os cristãos primitivos davam nomes aos dias da semana enumerando os dias com referência ao sábado. Assim, Mateus 28:1 corretamente refere-se ao domingo como “o primeiro dos sábados—mia sabbaton”. Essa era a designação comum do domingo.
É lamentável que Camping nunca tomou tempo para aprender esse bem conhecido emprego do termo “sábado” para designar a semana como um todo, bem como os dias reais da semana. Se ele tivesse aprendido este simples fato, não se teria posto a acusar os tradutores de alterarem arbitrariamente a frase “o primeiro dos sábados” como “o primeiro dia da semana” (p. 5). Os tradutores sabiam o que estavam fazendo. É Camping que não sabe sobre o que está escrevendo.
Um bom exemplo da ignorância de Camping é esta declaração: “Não encontramos justificativa bíblica para traduzir a palavra grega ‘sábado’ como ‘semana’“ (p. 5).O fato é que há numerosos exemplos bíblicos do emprego do termo “sábado-sabbaton” para designar a semana. O Young’s Analytical Concordance of the Bible alista nove casos (p. 1041). Um desses é Lucas 18:12, onde o fariseu se vangloria, dizendo: “Jejuo duas vezes por semana (em grego sabbaton)”.
Ao rejeitar o emprego comum do termo “sábado” para designar a “semana”, Camping alega que “Lucas 18:12 devia ser traduzido por, ‘Jejuo duas vezes no sábado” (p. 6).
Essa tradução arbitrária é desacreditada não só pelo emprego comum do termo sábado para designar a semana, mas também pelo fato de que nenhum jejum era permitido pelos fariseus no sábado. O sábado era um dia de regozijo, e nenhum jejum ou lamentação ocorriam nesse dia. Finalmente, o jejum aos sábados foi introduzido pelo Bispo de Roma como um método para desviar os cristãos da guarda do sábado e induzi-los à observância do domingo. Mas este é um acontecimento posterior, totalmente sem relação à prática dos fariseus em jejuar duas vezes por semana. Segundo o Didaquê 8:1—um antigo documento cristão da última pare do primeiro século—os fariseus jejuavam às segundas- e quintas-feiras.
Um quarto fato ignorado por Camping é a continuidade da observância do sábado, especialmente entre judeus cristãos. Seu pressuposto de que o evento da ressurreição de Cristo, como relatado nos Evangelhos, assinala o término do sábado veterotestamentário e a inauguração do domingo como o novo sábado cristão é negado pela continuidade da observância do sábado, especialmente entre os descendentes diretos dos cristãos de Jerusalém (para documentação ver From Sabbath to Sunday, pp. 156, 157). Como podia Mateus, escrevendo a leitores judeus-cristãos, dizer que a ressurreição de Cristo terminou o sábado do VT e inaugurou o domingo como o sábado do NT, quando esses eram ainda “zelosos da lei” (Atos 21:20) em geral e do sábado em particular?
Um quinto e último ponto ignorado por Camping, é a falta de qualquer significado litúrgico ligado ao dia da ressurreição de Cristo no NT. Se Cristo desejasse tornar o Dia de Sua ressurreição um dia memorial a ser celebrado no domingo semanal e no domingo de Páscoa anual, não teria Ele feito algo a respeito? Não teria Ele convidado as mulheres primeiro e os discípulos depois a celebrarem a Ressurreição?
Observem que as instituições bíblicas como o sábado, o batismo, a Ceia do Senhor, todos traçam sua origem a um ato divino que os estabeleceu. Mas nem Cristo nem os apóstolos fizeram qualquer tentativa de estabelecer uma celebração dominical da Ressurreição. A razão é simples. A Ressurreição era vista como uma realidade existencial a ser celebrada por viver vitoriosamente pelo poder do Salvador ressurreto, não uma prática litúrgica a ser observada no domingo semanal ou domingo de Páscoa.
Paulo ora para que pudesse conhecer “o poder da ressurreição” (Fil. 3:10), mas ele nunca menciona o dia da Ressureição. De fato, o domingo nunca é chamado “dia da Ressurreição” no Novo Testamento, nem mesmo na literatura patrística dos primeiros tempos. O primeiro uso da frase aparece nos escritos de Eusébio de Cesaréia (cerca de 325 AD).
Temos analisado em várias oportunidades alguns argumentos de indivíduos que buscam justificar sua negligência ou desprezo pelo mandamento do sábado e após enumerar os vários tópicos de objeções à vigência do 4o. mandamento para o nosso tempo (aqueles velhos e surrados argumentos da “lei abolida”, “nova lei de amor a Deus e ao próximo”, “qualquer dia serve”, “sábado cerimonial”, etc.) notamos ao final um detalhe interessante. Como dizíamos num desses estudos, sob o título “O Argumento Que Faltou”:
* Curiosamente, a posição oficial das diferentes igrejas e seus grandes próceres e instrutores, de que o domingo foi adotado pela Igreja Cristã desde o mais remoto período de sua existência em substituição ao sábado do sétimo dia, é desprezada e passada por alto pelos seus modernos integrantes. Preferem apegar-se a argumentos que destroem o princípio de um dia de descanso divinamente determinado, mas não parecem capazes de oferecer nada melhor no lugar. São bons na destruição de um conceito, mas nada eficientes na construção de uma teologia que justifique tal atitude revisionista quanto ao ensino oficial e tradicional de suas próprias denominações a respeito da questão do dia de repouso. Só há uma explicação para isso—o reconhecimento de falta de embasamento bíblico para a instituição dominical.
Contudo, não é que finalmente aparece um advogado do domingo apresentando uma nova e revolucionária tese nesse sentido? O nome do “novidadeiro” é Harold Camping. Sua teologia particular de defesa do domingo é realmente bem engenhosa, mas só que jamais qualquer erudito cristão, mesmo dentre os mais entusiastas defensores do domingo como substituto do sábado bíblico, expressou-se segundo as linhas de seu raciocínio. Vejamos que teoria é essa, que por enquanto ainda não chegou ao Brasil, quanto saibamos, analisada pelo nosso erudito especialista em questões sábado/domingo, Dr. Samuele Bacchiocchi:
HAROLD CAMPING—DOMINGO: O DIA DE REPOUSO?
Dr. Samuele Bacchiocchi
Em anos recente várias tentativas enganosas têm sido feitas para legitimizar o domingo como o dia de descanso bíblico. Por exemplo, em sua Carta Pastoral ‘Dies Domini’-O Dia do Senhor, o Papa João Paulo II promove a observância do domingo como um imperativo moral enraizado no Quarto Mandamento. Uma análise detalhada desse importante documento se encontra no capítulo 1 de The Sabbath Under Crossfire, intitulado “Papa João Paulo II e o Sábado”. [Obs.: Também temos um artigo que disponibilizamos a qualquer interessado onde há uma síntese desse capítulo referido].
Calendários europeus perpetuam o engano do domingo/sábado ordenando os dias da semana horizontalmente com a segunda-feira como o primeiro dia e o domingo como o sétimo dia. Tais calendários estão agora começando a aparecer nos EUA também. A intenção enganosa é fazer as pessoas crerem que o domingo é o sétimo dia bíblico que os cristãos devem observar.
A mais curiosa e irracional tentativa de defender o domingo como o sábado neotestamentário é, provavelmente, a de Harold Camping, Presidente e Fundador da emissora Radio Family—um ministério internacional de rádio e TV com estações poderosas em várias partes do mundo. Seu livreto Sunday: The Sabbath? e suas palestras por rádio e TV influenciam incontáveis cristãos em muitas partes do mundo.
Por muitos anos Camping tem ensinado que a ressurreição de Cristo no domingo assinala o fim da observância judaica do sábado e o início do domingo como um novo sábado cristão. O que é inusitado a respeito da teoria de Camping é a forma como ele defende sua posição, torcendo os relatos da ressurreição de Cristo como se acham em Mateus 28:1, Marcos 16:1, 2 e João 20:1. Quanto eu saiba, nenhum erudito observador do domingo apóia sua interpretação arbitrária dessas passagens. Contudo, seus pontos de vista são amplamente aceitos por um crescente número de cristãos.
Uma razão para a popularidade de Camping é o seu apelo à inerrância da Bíblia. Ele escreve: “Em seus autógrafos originais, ou manuscritos, a Bíblia é a infalível Palavra de Deus. É completamente inerrante. Não contém erros de qualquer forma que seja. Isso se dá porque os manuscritos originais foram ditados por Deus” (p. 1).
A inerrância para Camping significa que Deus controla tais detalhes como o uso singular ou plural da palavra “sábado”.
“Se Deus o tivesse desejado no plural [ou seja, a palavra sábado], Ele teria escrito no plural. Como vimos anteriormente, Deus insiste neste princípio em Gálatas 3:16 onde Deus fala de um verso na Bíblia onde a palavra ‘semente’ aparece no singular. Ele acentua que se trata do termo no singular, ‘semente’, não no plural ‘sementes’” (p. 3).
A inerrância para Camping significa que Deus ditou se uma palavra devia ser plural ou singular. Se isso fosse verdade então a linguagem da Bíblia seria a do Espírito Santo que ditou cada palavra a seus escritores. Tal noção é desmentida pela diferença em estilo, vocabulário e construção de sentença entre os vários livros da Bíblia. A gramática da Bíblia é humana, não divina. Isso é exemplificado pelo próprio exemplo de Gálatas 3:16 empregado por Camping.
Em Gálatas 3:16 Paulo argumenta que as promessas de Deus à semente de Abraão referem-se a Cristo, porque a palavra “semente” é singular, não plural. O fato é que no grego a palavra para semente-sperma, é um termo coletivo empregado com sentido tanto singular quanto plural. O próprio Paulo emprega a mesma palavra sperma poucos versos depois numa forma plural quando fala dos crentes como sendo “semente de Abraão e herdeiros conforme a promessa” (Gál. 3:29). O fraco argumento paulino dificilmente dá apoio à alegação de Camping de que “Deus fala de um verso na Bíblia onde o termo singular ‘semente’ aparece no singular” (p. 3).
Deus não pode ser responsabilizado pelo falho argumento gramatical paulino. Este ponto será esclarecido brevemente em nosso estudo dos argumentos da inerrância. Veremos que pessoas como Camping argumentam em prol da inerrância para justificar suas crenças doutrinárias. Por fim, a preocupação deles é justificar a validade de seus ensinos, antes que provar que a Bíblia é absolutamente livre de erros.
Durante os últimos 10 anos tenho recebido não menos do que 50 exemplares do livreto de Camping, Sunday: The Sabbath? [Domingo: O Sábado?], bem como centenas de mensagens de pessoas confusas por seus ensinos. No sábado passado, 16 de agosto de 2003, um irmão adventista levantou-se com um exemplar do livreto de Camping num encontro no Brooklyn, NY. Ele me perguntou se eu havia dado resposta a seus argumentos. Eu lhe garanti que faria isto neste boletim. A razão porque tenho ignorado Camping durante os últimos 10 anos, é simplesmente porque sua interpretação dos textos bíblicos é tão irracional que nem merece uma análise erudita.
Os Ensinos de Harold Camping
Em termos simples, Camping tenta provar, basicamente firmado em Mateus 28:1 e textos relacionados (Marcos 16:1, 2; João 20:1), que a ressurreição de Cristo no domingo assinala o término do sábado do Velho Testamento e a inauguração do domingo como novo sábado cristão. Ele chega a essa conclusão torcendo o sentido desses textos.
Mateus 28:1 assim reza: “E, no fim do sábado, quando já despontava o primeiro dia da semana, Maria Madalena e a outra Maria foram ver o sepulcro” Camping sustenta que essa tradução da Bíblia, bem como as demais versões modernas, estão equivocadas. Por quê? Porque supostamente dão sentido errado ao significado literal de “sábados”, que ocorre duas vezes no texto grego. Em sua opinião o texto devia ser traduzido como segue: “‘No final dos sábados [plural], ao despontar o primeiro dos sábados [não ‘semanas’]” (pp. 4-5).
Com base nessa tradução, Camping conclui que “a frase ‘no fim do sábado’ podia ser expandida para dizer, ‘Agora que a era dos sábados veterotestamentários chegou a um fim. . .’” (p. 8). Semelhantemente, ele interpreta a frase “quando já despontava o primeiro dia da semana” como devendo significar: “Deus tem uma nova era de sábados. É o domingo pela manhã; é o despontar de uma nova era de sábados. . . . Não é somente um sábado que está se iniciando. Deus está ensinando que há uma série toda de sábados a vir. Deus está dizendo, por Sua própria definição, que esses novos sábados são cada e todo domingo” (p. 9).
Segundo Camping, os cristãos têm falhado em perceber sua interpretação do texto, porque os tradutores cometeram dois erros ao traduzir a passagem. Primeiro, traduziram a primeira palavra “sábados”, que é tanto plural quanto singular: “No fim do sábado”. Segundo Camping a frase devia ser “no fim dos sábados [plural]”, isto é, ao final dos sábados do Velho Testamento.
O segundo erro é que traduziram a segunda ocorrência de “sábados” [plural] como singular “semana”. Segundo Camping a frase devia dizer: “ao despontar do primeiro dos sábados—não ‘semana’“ (pp. 4, 5). Ele interpreta isto como querendo dizer a inauguração do domingo como o novo sábado cristão. Vejamos agora quem está errado, Camping ou os tradutores?
CINCO PRINCIPAIS DEFEITOS NOS ARGUMENTOS DE CAMPING
Há cinco principais falhas nos argumentos de Camping que destroem a validade de suas conclusões. Examinemo-las brevemente.
Primeiro, Camping interpreta duas declarações temporais concernentes ao tempo da ressurreição de Cristo, ou seja, “no fim do sábado” e “quando já despontava o primeiro dia da semana” como pronunciamentos teológicos sobre o término do sábado do VT e a inauguração do domingo como o novo sábado cristão.
Tal interpretação arbitrária reflete a falta de senso comum básico. Nenhum estudante sensato da Bíblia consideraria a hipótese de transformar uma declaração temporal concernente à Ressurreição de Cristo, num pronunciamento teológico a respeito do término da observância do sábado e inauguração da observância do domingo. É evidente que falta a Camping a capacidade de raciocinar logicamente. Ele precisa aprender a respeitar a natureza da passagem. Transformar uma declaração temporal num pronunciamento teológico significa violar o sentido intencionado da passagem.
Em segundo lugar, Camping ignora que no grego o plural “sábados—ta sabbata”, é amiúde empregado com um sentido singular. Seu problema não é a sua ignorância. Todos somos ignorantes em muitas áreas. Antes, é sua indisposição em superar sua ignorância por ler alguns léxicos e dicionários padrão que definem o emprego do termo “sábado”. Por exemplo, se Camping tivesse tomado tempo para ler o estudo erudito de 35 páginas do uso de “Sabbaton-Sábado”, como se acha no volume 7 do The Theological Dictionary of the New Testament, (que é o mais respeitado estudo de palavras no NT), ele teria aprendido que “o plural ‘ta sabbata’ [sábados] pode ter três sentidos: 1. vários sábados . . . , 2. um sábado (a despeito do plural) . . . 3. a semana completa, no uso do hebraico” (p. 7). Cada um desses significados é amplamente documentado no artigo. Para efeito de brevidade eu não vou sobrecarregar o leitor com a documentação.
Tivesse Camping tomado tempo para aprender o simples fato de que a forma plural de “sábados” é freqüentemente empregada no grego com o sentido singular de um único sábado, ele não teria cometido o equívoco de interpretar o plural “sábados” como um pronunciamento teológico quanto ao término do sábado do VT e inauguração dos sábados no NT. Teria reconhecido que o texto fala somente a respeito do tempo da Ressurreição, ou seja, ao fim do sábado e despontar do primeiro dia da semana—e não a respeito da mudança do sábado pelo domingo. O problema não está com traduções defeituosas, mas com a ignorância de Camping de como o termo “sábados” era na época empregado.
Em terceiro lugar, Camping ignora um fato básico de que no grego, como no hebraico, o termo plural “sábados-ta sabbata” era comumente empregado para designar a semana como um todo. A razão é que os dias da semana eram numerados com referência ao sábado. Quando os romanos adotaram dos judeus os sete dias da semana pouco antes da era cristã, eles deram a cada dia um nome de um deus planetário. Foi assim que tivemos nossa semana planetária [N.T.: em inglês e outros idiomas]. Mas os judeus e os cristãos primitivos davam nomes aos dias da semana enumerando os dias com referência ao sábado. Assim, Mateus 28:1 corretamente refere-se ao domingo como “o primeiro dos sábados—mia sabbaton”. Essa era a designação comum do domingo.
É lamentável que Camping nunca tomou tempo para aprender esse bem conhecido emprego do termo “sábado” para designar a semana como um todo, bem como os dias reais da semana. Se ele tivesse aprendido este simples fato, não se teria posto a acusar os tradutores de alterarem arbitrariamente a frase “o primeiro dos sábados” como “o primeiro dia da semana” (p. 5). Os tradutores sabiam o que estavam fazendo. É Camping que não sabe sobre o que está escrevendo.
Um bom exemplo da ignorância de Camping é esta declaração: “Não encontramos justificativa bíblica para traduzir a palavra grega ‘sábado’ como ‘semana’“ (p. 5).O fato é que há numerosos exemplos bíblicos do emprego do termo “sábado-sabbaton” para designar a semana. O Young’s Analytical Concordance of the Bible alista nove casos (p. 1041). Um desses é Lucas 18:12, onde o fariseu se vangloria, dizendo: “Jejuo duas vezes por semana (em grego sabbaton)”.
Ao rejeitar o emprego comum do termo “sábado” para designar a “semana”, Camping alega que “Lucas 18:12 devia ser traduzido por, ‘Jejuo duas vezes no sábado” (p. 6).
Essa tradução arbitrária é desacreditada não só pelo emprego comum do termo sábado para designar a semana, mas também pelo fato de que nenhum jejum era permitido pelos fariseus no sábado. O sábado era um dia de regozijo, e nenhum jejum ou lamentação ocorriam nesse dia. Finalmente, o jejum aos sábados foi introduzido pelo Bispo de Roma como um método para desviar os cristãos da guarda do sábado e induzi-los à observância do domingo. Mas este é um acontecimento posterior, totalmente sem relação à prática dos fariseus em jejuar duas vezes por semana. Segundo o Didaquê 8:1—um antigo documento cristão da última pare do primeiro século—os fariseus jejuavam às segundas- e quintas-feiras.
Um quarto fato ignorado por Camping é a continuidade da observância do sábado, especialmente entre judeus cristãos. Seu pressuposto de que o evento da ressurreição de Cristo, como relatado nos Evangelhos, assinala o término do sábado veterotestamentário e a inauguração do domingo como o novo sábado cristão é negado pela continuidade da observância do sábado, especialmente entre os descendentes diretos dos cristãos de Jerusalém (para documentação ver From Sabbath to Sunday, pp. 156, 157). Como podia Mateus, escrevendo a leitores judeus-cristãos, dizer que a ressurreição de Cristo terminou o sábado do VT e inaugurou o domingo como o sábado do NT, quando esses eram ainda “zelosos da lei” (Atos 21:20) em geral e do sábado em particular?
Um quinto e último ponto ignorado por Camping, é a falta de qualquer significado litúrgico ligado ao dia da ressurreição de Cristo no NT. Se Cristo desejasse tornar o Dia de Sua ressurreição um dia memorial a ser celebrado no domingo semanal e no domingo de Páscoa anual, não teria Ele feito algo a respeito? Não teria Ele convidado as mulheres primeiro e os discípulos depois a celebrarem a Ressurreição?
Observem que as instituições bíblicas como o sábado, o batismo, a Ceia do Senhor, todos traçam sua origem a um ato divino que os estabeleceu. Mas nem Cristo nem os apóstolos fizeram qualquer tentativa de estabelecer uma celebração dominical da Ressurreição. A razão é simples. A Ressurreição era vista como uma realidade existencial a ser celebrada por viver vitoriosamente pelo poder do Salvador ressurreto, não uma prática litúrgica a ser observada no domingo semanal ou domingo de Páscoa.
Paulo ora para que pudesse conhecer “o poder da ressurreição” (Fil. 3:10), mas ele nunca menciona o dia da Ressureição. De fato, o domingo nunca é chamado “dia da Ressurreição” no Novo Testamento, nem mesmo na literatura patrística dos primeiros tempos. O primeiro uso da frase aparece nos escritos de Eusébio de Cesaréia (cerca de 325 AD).
Conclusão
Foi uma tarefa desagradável expor as interpretações irracionais e infundadas de Harold Camping. A necessidade surgiu pela influência de seus ensinos que alcançam pessoas ao redor do mundo mediante o seu ministério de rádio e TV, bem como por publicações. Quero crer que Camping seja sincero, mas está sinceramente enganado. Concedamos a ele o benefício da dúvida. De minha parte, estou preparado para ajudá-lo mandando-lhe não só uma cópia de minha resposta, mas também um pacote de meus livros sobre o sábado. Se ele responder, terei satisfação de compartilhar a informação com vocês.