Flew navegou por águas similares. Para este filósofo britânico, a teoria
do Big Bang fornece a prova científica para aquilo que São Tomás de Aquino
considerava inacessível ao conceito de prova: o começo do universo. Enquanto
pensou que o universo era apenas um espaço ilimitado mas atemporal (sem um
começo), Flew encarou o dito universo como um conjunto de factos fechado e à
mercê de uma ciência toda-poderosa. Mas tudo mudou com o Big Bang. Se o
universo teve um começo, então, a pergunta é inevitável: o que produziu esse
começo? Quem deu o primeiro pontapé na bola cósmica?
O que torna Flew num caso subversivo para o ateísmo hegemónico não é a
mera conversão à ideia de Deus. A subversão está na forma, porque Flew chegou a
Deus através da ciência, e não através da fé. Flew atingiu Deus através da
física e da cosmologia. O ex-papa dos ateus pegou nos dados científicos, e
Eureka: há um Deus subjacente à racionalidade da natureza e do universo. Tudo
bem? Tudo mal. Deus não é um assunto científico. Deus não se prova ou desprova
cientificamente. Deus é um salto de fé abraâmico, kierkegaardiano. Se Dawkins
está errado, Flew também não está certo.
Sim, Dawkins tem direito ao seu ateísmo, mas já não tem direito a pensar
que esse ateísmo tem certificado científico. A ciência não prova a
não-existência de Deus. Deus é um assunto não-científico por excelência, porque
Deus não está ao alcance do método científico. Mais: quando afirma que o seu
ateísmo darwinista é a única resposta aceitável, Dawkins deixa de lado qualquer
ceticismo em relação à sua própria teoria, acabando por esquecer que a ciência
não anda à procura da verdade redentora. Todo o conhecimento científico assenta
nesta arquitectura céptica: só podemos ter estabilidades teóricas, e nunca
certezas teóricas; todas as teorias têm de ser falsificáveis, logo, todas as
teorias são apenas possivelmente verdadeiras. Sem este mar de dúvidas, o
espírito científico não sobrevive. Preso na fúria de negar Deus em nome da
ciência, Dawkins acaba por desrespeitar a própria ciência.
Ora, se não prova a não-existência de Deus desejada por Dawkins, a
ciência também não prova a existência de Deus. Flew diz que esta foi uma
peregrinação da razão: “segui a razão até onde ela me levou. E ela levou-me a
aceitar a existência de um Ser auto-existente, imutável, imaterial, omnipotente
e omnisciente”. Problema? Apesar das diferenças a jusante, Flew partilha com
Dawkins um erro a montante: encara Deus como um desafio científico. Sucede que
Deus e a fé não são assuntos empíricos, não são temas para o bico da ciência.
Deus não se esconde na relação gravitacional entre planetas, mas na relação
moral entre homens. Deus é um salto de fé ético, e não uma descoberta com tubos
de ensaio. Flew percebeu que o ateísmo não era a resposta, mas teve medo de
atravessar o deserto.