Fé e Antigo Testamento

Fé e Antigo Testamento

(Gl 3:13) - Facilmente nos prendemos em coisas que, por algum motivo, são muito valiosas. Nos apegamos a casas, carros, pedras preciosas ou até mesmo a posições e títulos acadêmicos. Quanto maior for o valor, com mais força nos agarramos a eles. Sob o mesmo ponto de vista, poderíamos dizer que Deus também se apega a algo que possui um valor extraordinário. No entanto, Ele não se apega a coisas, objetos ou funções, como fazemos na maioria das vezes. Deus, na cruz, nos abraçou de tal maneira que não intentou soltar mesmo em face da morte.

            O amor de Deus pela humanidade será a mais vibrante matéria nas escolas do Céu, e a eternidade não será suficiente para compreender por completo este tema. O amor inigualável de Deus é um assombro mesmo para os anjos que estão à Sua volta. Os seres do universo contemplam com espanto e admiração a dimensão e amplitude do profundo amor do onipotente. Quão bom seria se fosse possível contemplar com mais clareza este nobre princípio que faz parte da essência da divindade. Talvez teríamos mais seriedade ao tratar das coisas espirituais. Talvez seríamos mais consagrados e desesperados em alcançar o Céu. Talvez teríamos mais coragem, fé e ousadia em pregar o evangelho e ofertar os recursos financeiros para o mesmo. Um dia, ao chegar no Céu, quando percebermos o quanto o sacrifício de Jesus realmente foi extraordinário, talvez tenhamos profundo lamento por não termos sido mais altruístas e menos egoístas em ofertar nossa vida e nossos recursos.

Os insensatos gálatas

(Gl 3:1-5) - A praga da heresia havia se estendido nas igrejas da Galácia. Como nos dias de hoje, elas são difundidas no meio da igreja através dos próprios membros. A heresia é uma espécie de verdade doente que sempre encontra os seus simpatizantes, especialmente os que andam, por algum motivo, amargurados com a obra ou com o ministério. Há heresias para todos os gostos e elas são capazes de trazer grande contenda e divisões. Aliás, a única coisa que a heresia constrói é exatamente a dissensão. Como Paulo em Gálatas, precisamos estar atentos a toda e qualquer aparente verdade, pois, mesmo sendo mentira, lembremo-nos que ela definitivamente funciona. Independente do engano propagado, é capaz de arrastar multidões de pessoas às trevas travestidas de luz. As igrejas da Galácia estavam sofrendo com os judaizantes que ensinavam justificação pelas próprias obras – assim, a cruz do calvário era posta de lado. Este tipo de mensagem estava trazendo grandes males a ponto de Paulo agir com extrema dureza contra os que insistiam com tais ideias.
            Se Paulo não enfrentasse o problema, o que teria sido destas igrejas? Em nossos dias, como Paulo, precisamos estar atentos, e encarar os problemas e heresias que batem às nossas portas, com conhecimento, coragem, ousadia e com seriedade. Não podemos e não devemos ignorar, pois, lembremo-nos mais uma vez, a mentira, mesmo sendo mentira, ela funciona.
Infelizmente, os cristãos de hoje, não demonstram estar tão interessados em estudar a Bíblia. As pessoas se contentam com aqueles estudos bíblicos que receberam para se batizarem, e depois, acabam se acomodando às novelas, filmes e gibis da vida. É nesta circunstância que a heresia se torna interessante, agradável ganhando aparência de verdade. Outros se alimentam de materiais produzidos por dissidentes ou pessoas amarguradas com a igreja ao invés de cavar no próprio quintal – a igreja. Quem bebe de água contaminada quando à sua disposição há água pura, pode estar com o paladar espiritual contaminado. Estes não terão prazer em beber da fonte pura. Estas pessoas sempre verão com bons olhos a mentira desde que ela seja conivente com as suas ideias. A mentira é como uma trepadeira, que precisa da verdade para se apoiar. Ela sempre se mistura com um pouco de verdade para que o sabor não seja de todo amargo.

Fundamentado nas Escrituras

(Gl 3:6-8; Rm 1:2; 4:3; 9:17) - Paulo faz menção, em romanos, à citação de Moisés inserida em Gênesis 15:6 referente à promessa do filho (v. 15). Esta mesma abordagem é citada em Romanos 3:22 e em Gálatas 3:6. “Abraão creu em Deus, e isto foi-lhe imputado para justiça”. Segundo alguns comentaristas, tanto aqui quanto em Romanos 3:4-11, 22-24, o texto grego usa um verbo que, em contabilidade, significa creditar ou lançar na conta. A narrativa extraída do Antigo Testamento, segundo Paulo, não é estranha do ponto de vista teológico do Apóstolo. Ele, ao dar esclarecimento da redenção unicamente pela graça mediante a fé, se reportava ao pentateuco como base substancial. Para Paulo, não existia outro evangelho a não ser aquele que eles já possuíam em mãos – o Antigo Testamento. Sobre esta perspectiva, ao fazer menção ao “evangelho” que é o “poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê” (Rm 1:16), era uma referência cristalina do verdadeiro fundamento da salvação contida nos escritos antigos. A conclusão não pode ser diferente pelo fato de o Novo Testamento ainda não ter vindo à existência. Isto indica que, mesmo no pentateuco e nos profetas, a salvação sempre foi pela graça mediante a fé. O problema nunca esteve com a Escritura, mas com os que a interpretavam equivocadamente, atribuindo à lei créditos salvíficos. Este jamais foi o propósito da lei e menos ainda do legislador. O sacrifício diário implantado por Deus no AT, por quase quatro mil anos, era uma clara evidência deste princípio de salvação fora das obras. No entanto, assim como no passado, em nossos dias, corremos o mesmo risco, de interpretar equivocadamente o plano da redenção creditando nela nossas obras e obediência. Nunca a salvação foi pela lei e nunca será. A obediência à lei é uma fortíssima demonstração de submissão e amor de nossa parte para com Deus, mas ela não pode servir de passaporte para o Céu. O passaporte é a cruz com o sangue derramado por nós. É a graça que nos reveste da justiça completa de Cristo. A graça é como um ventre que lhe ampara, protege, sustenta e proporciona desenvolvimento diário, crescente e ascendente para o nascimento.

Considerado justo

(Gl 3:6; Gn 15:6; Rm 4:3-6, 8-11, 22-24) - Como considerar alguém justo quando o próprio Espírito Santo nos revela que “não há homem justo sobre a terra”? (Ec 7:20). O mesmo verso ainda afirma que “não há quem não peque”. Comparado a 1º João 1:8-10, “Se dissermos que não temos pecado nenhum, a nós mesmos estamos enganando”, estas palavras são contundentes em apresentar nossa real condição diante de Deus. Ellen White também afirma que, “a alegação de estarem sem pecado é em si mesma evidencia que aquele que a alimenta longe está de ser santo. É porque não tem nenhuma concepção verdadeira da infinita pureza e santidade de Deus, ou do que devem ser os que se hão de harmonizar com Seu caráter; é porque não aprendeu o verdadeiro conceito da pureza e perfeição supremas de Jesus, bem como da malignidade e horror do pecado, que o homem pode considerar-se santo. Quanto maior a distância entre ele e Cristo, e quanto mais impróprias forem suas concepções do caráter e requisitos divinos, tanto mais justo parecerá a seus próprios olhos” (O Grande Conflito, p. 473).
Os textos citados não são uma apologia ao pecado, mas uma forma de dizer que pecado, além de atos, estão em nossa essência. Ser pecadeiro é diferente de ser pecador. A sujeira do pecado nos encardiu a natureza a tal ponto que, a exemplo de um pano sujo, mesmo com a vida limpa, suas manchas ainda permanecem. Por este motivo, Paulo inseriu no discurso a experiência de Abraão e o motivo que o levou a ser considerado justo. Não foi pelas obras que o patriarca recebeu o título de justo, mas unicamente pela fé. Deus nos considera, em Cristo, justos ou justificados. Ele credita na conta de nossa vida os méritos da justiça de Jesus. Ellen White afirma que “A lei requer justiça – vida justa, caráter perfeito; e isso não tem o homem para dar. Não pode satisfazer as reivindicações da santa lei divina. Mas Cristo, vindo à terra como homem, viveu vida santa, e desenvolveu caráter perfeito. Estes oferece Ele como dom gratuito a todos quantos o queiram receber. Sua vida substitui a dos homens. Assim obtêm remissão de pecados passados, mediante a paciência de Deus. Mais que isso, Cristo lhes comunica os atributos divinos. Forma o caráter humano segundo a semelhança do caráter de Deus, uma esplêndida estrutura de força e beleza espirituais. Assim, a própria justiça da lei se cumpre no crente em Cristo. Deus pode ser “justo e justificador daquele que tem fé em Jesus.” (O Desejado de Todas as Nações, p. 762).

            Como compreender então as declarações de Tiago 2:21-24, que parecem contrariar o pensamento de Paulo e de Salomão? Mesmo Lutero teve sérias dificuldades com as declarações de Tiago e, por algum tempo, imaginou que não fosse um livro inspirado ou considerado como evangelho, por aparentemente creditar justiça pelas obras da lei. No entanto, não há contradição em ambas as declarações, pois Paulo falou sobre salvação, e Tiago sobre os frutos da fé. Paulo esteve combatendo o legalismo e Tiago o liberalismo. Paulo falou sobre justificação diante de Deus, e Tiago sobre justificação diante dos homens. Paulo evidenciou que para Deus, nossa justificação depende da fé, e Tiago apresentou que as nossas obras falam do nosso testemunho diante dos homens. Paulo usa Abraão para mostrar que, perante Deus, somos justificados somente pela fé. Tiago usa Abraão para inferir que somos justificados diante dos homens porque a nossa vida é uma constante pregação do que acreditamos. Como poderíamos evidenciar que nossa fé é genuína quando não há frutos espirituais em nossa vida? Era a nota tônica de Tiago. Portanto, as duas declarações se harmonizam perfeitamente. Embora sejamos considerados justos unicamente pela fé, a obediência deve ser o resultado da justiça de Cristo que revigora e transforma diariamente a vida dos que vivem em Cristo.

O evangelho no Antigo Testamento

(Gn 12:1-3; Lv 17:11; Sl 32:1-5; 2Sm 12:1-13; Zc 3:1-4) - Por alguns anos me defrontei com alguns irmãos evangélicos que insistiam com a ideia de que a salvação no Antigo Testamento havia sido pela guarda da lei e que Deus foi obrigado a realizar um novo concerto baseado na fé eliminando radicalmente a lei na cruz. Isto está muito distante de ser verdade e revela desconhecimento das divisões de leis existentes no AT. Jesus mesmo enunciou que para encontrarmos a “vida eterna” deveríamos examinar as escrituras (Jo 5:39). No entanto, é importante perceber que as “Escrituras” mencionadas por Jesus eram os livros que, por analogia, hoje, chamamos de Antigo Testamento, pois, o Novo ainda não existia. Paulo inúmeras vezes se reportou ao Antigo Testamento para referir-se à salvação pela fé, especialmente quando fez uso das experiências de Abraão dizendo que fora ele “justificado pela fé” e não por obras (Rm 4:3-6, 8-11, 22-24). Em Gálatas, ele retoma o assunto teológico da salvação e novamente faz a afirmação de que “Abraão creu em Deus, e isso lhe foi imputado para justiça” (Gl 3:6). A própria natureza da aliança que fizera com Abraão evidencia claramente que fora feita pela fé somente e não na base da troca – por obras humanas (Gn 12:1-3). Neste concerto feito por Deus a Abraão percebemos que somente Jeová fez promessas, foram quatro no total, e Abraão respondeu realizando sacrifícios de animais. Estes sacrifícios representaram em todo o Antigo Testamento remissão unicamente pela fé, pois o sangue aspergido apontava para o sangue que seria derramado mais tarde na cruz do calvário. Moisés também ensinou este evangelho salvífico para o povo de Israel lhes dizendo que “é o sangue que faz expiação” (Lv 17:11), e não a lei. Salmo 32:2 afirma que “Bem aventurado é o homem a quem o Senhor não atribui iniquidade”. Neste verso é o Senhor quem não atribui o pecado e não o homem. Em Zacarias 3 apresenta Josué recebendo do Senhor uma veste de fino traje, representando claramente as vestes da justiça de Cristo. Enfim, a salvação sempre foi pela graça. Nunca existiu dois evangelhos e esta ideia não é conivente com a verdade expressa em toda a Bíblia. A salvação sempre foi mediante um único evangelho (Gl 1:7).

Resgatados da maldição

(Gn 3:9-14) - Em alguns países, especialmente nos Estados Unidos, muitos criminosos, devido algum tipo de crime hediondo, em seus julgamentos, recebem a sentença de prisão perpétua. Estes presos condenados a morrerem encarcerados vivem desolados apenas esperando a morte dentro do presídio. Mesmo que se tornem bons homens, mesmo que se arrependam de seus atos, mesmo que passem a ter um comportamento exemplar e se tornem amigos dos responsáveis pelo presídio, ainda assim, terão que cumprir a pena designada. As mudanças nos hábitos, o cumprimento das regras outrora transgredidas e o arrependimento não são capazes de exonerá-los da pena – terão que cumprir ao pé da letra a sentença. Da mesma forma, a sentença que todos nós recebemos como consequência da transgressão é impagável. Por mais que tenhamos um comportamento exemplar, uma vida correta e justa, por mais que estejamos arrependidos, ainda assim deveríamos cumprir a pena da morte eterna. Por este motivo é que o plano da redenção fora estabelecido. Deus sabia que a única consequência certa que recairia sobre a raça humana era a morte eterna. No entanto, existia uma forma de a pena ser paga de maneira que todos nós pudéssemos estar livres da condenação. Um sangue inocente e completamente imaculado poderia substituir-nos na horrenda morte eterna. A maldição da lei, ou seja, a morte eterna deveria se cumprir em nós. Por isto, Jesus, o filho de Deus, Se ofereceu a morrer em nosso lugar para ser condenado por tal pena. Assim se cumpriria o propósito de Deus em fazer sua misericórdia se abraçar à justiça da lei. Deus faria justiça e ao mesmo tempo teria liberdade para perdoar. O perdão seria concedido sem anular a justiça da lei. Deus mesmo se encarnaria para nos dar espiritualidade. Ele se machucaria para sarar as nossas feridas. Ele pisaria no pó da Terra para nos garantir o solo da eternidade. Ele se faria pecado por nós para que pudéssemos ser considerados santos. A justiça e a misericórdia se abraçariam na cruz tornando possível a exoneração de nossa condenação. Em Cristo, definitivamente todos nós teríamos a chance de não ir de encontro à morte eterna. Como os criminosos sentenciados a ficarem presos perpetuamente, por mais que sejamos cumpridores da lei e fiéis a todos os preceitos da vida, sem Cristo estaríamos completamente perdidos. Nada poderia anular a sentença da morte na prisão do pecado. Para sempre estaríamos perdidos. Isto é o que significa ser salvo pela graça somente. A lei é importante e a obediência a ela também, no entanto, não será por nossa boa conduta e obediência que todos nós herdaremos o que não nos é merecido. Somente por intermédio de Jesus. Lembre-se disto quando chegar ao Céu e não se esqueça de lançar a sua coroa aos pés dEle, pois é graças a Ele que você estará lá definitivamente. Deus seja louvado.

 Gilberto Theiss - Graduado em Teologia, Mestrando em Interpretação Bíblica, Pós-Graduado em Filosofia, Ciências da Religião e Pós-Graduando em História e Antropologia. Atualmente é pastor no Estado do Ceará.